Julieta
O domingo passou voando, Martín e eu compramos presentes até para os vizinhos, ok. Isso é uma exagero. Mas compramos presentes para todos.
Passo um batom leve, penteio os cabelos molhados deixando-os soltos, abotoou as mangas da camisa azul clara, deixando-as em ¾, ergo as barras da calça jeans flare, calçando sandálias em plataforma na cor preta.
Coloco o relógio no pulso, borrifo um pouco de perfume, pego minha bolsa e desço ao hall do hotel para um café reforçado.
Encontro Martín já sentado com uma bandeja simples em sua frente, ele me acena e eu retribuo caminhando em direção ao buffet.
Me sirvo com um bom café forte, panino e frutas vermelhas, caminho com minha bandeja e sigo em direção a mesa onde o moreno está.
— Bom dia! — Martín saúda animado.
— Bom dia! —Retribuo o tom e começo a bebericar meu café.
— Como vai ser hoje, chefe? — Diz divertido tomando um gole do seu suco.
— Somos os chefes. — Abro um pequeno sorriso. — Vamos colocar os trens nos trilhos novamente, mandei os relatórios para Celina, mas vamos lê-los e observar quem poderia ser um ótimo substituto, aliás, precisamos contratar uma nova secretária.
— É verdade, não podemos esquecer disso! — Ele morde seu croissant e mira seu celular com um sorriso. — Ótimo! A reforma está indo de vento em polpa! — Sorri e me mostra a foto do novo laminado em um tom marrom escuro e formoso.
— Uau! Essa cor é linda! — Digo sincera aprovando a cor e brilho da madeira.
— Sim, estou empolgado! — Diz terminando seu suco.
Termino meu café e meu panino, aproveitando as pequenas amoras e morangos da minha salada de frutas.
— Então iremos até lá e botar ordem? — Faz piada se levantando.
— Exatamente! — Me levanto, busco minha bolsa e seguimos para o estacionamento.
Assim que chegamos no prédio, faço questão de entrarmos pelo hall do prédio, noto os olhares curiosos e até alguns surpresos, enquanto caminhamos e aguardamos o elevador.
Entramos na cabine e busco respirar fundo, pensando positivo.
— Eles não pareceram mais arrumados? — Martín diz pensativo e eu o miro. — Digo, meio uniformizados, formais.
— É...eles estavam bem arrumados. — Repenso.
Logo estamos na sala da gerência e observo o local atentamente.
Tudo parece meio desorganizado, tem copos para todo lado, papéis no chão, as cortinas amassadas, a mesa uma pilha de pastas e noto no canto, garrafas de uísque.
— Que zona! — Martín resmunga lendo meus pensamentos.
— Acho interessante contatar uma empresa de limpeza, comprar uma cortina decente e renovar essa pintura ...— Aperto os olhos mirando um enorme borrão rosa na parede. — Aquilo é uma marca de batom? — Me aproximo incrédula.
— Parece que sim. — Martín se aproxima com cara de nojo. — Vou fazer as ligações, acho melhor você ler seus relatórios na mesa da secretária.
— É uma ótima ideia! — Levo minha bolsa e saio da sala.
Me aproximo do balcão branco e sento, observando a mesa sem um único resquício de sujeira. Pelo menos ela era mais cuidadosa. — reflito ligando o computador e dispondo algumas pastas sobre a mesa.
Decido dar uma vasculhada e limpada no computador, aproveito para ver se há algum segredo por aqui, mas nada encontro, a não ser arquivos e fotos um tanto íntimas da garota nas pastas da empresa.
Faço uma limpa no computador e atualizo alguns programas da empresa.
Desligo o computador, suspirando satisfeita por ter adiantado algumas coisas.
Abro as pastas de relatórios e entro no meio desse emaranhado de papéis buscando entender como tudo aconteceu.
Ao que parece houve um processo seletivo interno para o cargo de gerência. Mas sinto que o resultado foi burlado.
Depois de tentar arduamente organizar uma ordem cronológica dos relatórios, observo os resultados dos testes.
No primeiro, Rosa tirou a nota de 9, Giulianne do T.I 8, a secretária que aqui estava também tentou e tirou 7, por fim Paulo, nota 6 em cima da média.
Depois dele muitos não chegaram à mínima e foram reprovados.
Na segunda fase, Rosa se manteve com 9, Giulianne 7, Paulo 6 e a secretária 5, sendo eliminada.
Na terceira fase, fase em que é totalmente na prática, Rosa ficou com 10, Giulianne 9 e Paulo 7. Sempre na média. Percebo certo padrão.
Na fase final, resumindo todo o processo seletivo, percebo algo totalmente errado. Rosa tirou 5, Giulianne 9 e Paulo 10… Como seria possível?! A última prova é apenas resumo de todas as atividades!
Me levanto pronta para entender tal ocorrido, quando noto Martín me olhando do canto da sala, acompanhado por uma equipe de limpeza.
— Pode ir chefe, eu cuido de tudo! — Ele faz um jóia com o dedão e me dá as costas entrando na sala.
Entro no elevador, decidida a conversar com a Rosa e buscar entender o que aconteceu naquele dia.
Aperto o botão do oitavo andar e observo atentamente os resultados dos testes, crendo que houve um grande equívoco.
Chego ao andar de Rosa, notando a senhora no telefone, fazendo algumas anotações, aguardo o fim da chamada e me aproximo.
— Senhorita Rosa? — Incito com delicadeza. — Podemos conversar sobre esses testes?
— Claro! — A mulher de quase cinquenta anos, com cabelos louros sorri de modo gentil e me indica a cadeira.
— Eu estava observando seus resultados, todos muito bons e seguindo uma média muito boa, mas no último você despencou muito nas notas e gostaria de saber o que aconteceu — indico as folhas para ela que confere nota por nota
— Realmente...— Diz um tanto pensativa. — Me dediquei muito para essa promoção, estudei, fiz cursos de especialização e confesso ter me surpreendido com o resultado. — Suspira com um semblante triste.
— Pode me contar como foi aquele dia? — Insisto.
— Sou mãe de duas meninas. Uma casou, estava grávida e naquela época em dias de ter o bebê. Dois dias antes do teste, descobriram uma complicação e uma cesárea seria feita. A cesárea foi marcada justo no dia do teste, no horário da tarde. — A senhora respira fundo e segue seu relato. — Eu estava muito ansiosa pela situação dela, principalmente porque meu genro havia ido ver uma tia muito doente e não ia conseguir chegar a tempo, eu ia acompanhar minha filha na cirurgia.
— Acredito que foi um dia bem tumultuado para a senhora.
— Muito, não nego! Mas eu havia me preparado para o teste, estudei muito senhorita Delvecchio. Naquele dia, assim que recebemos a folha do teste corri para resolver as questões e fui entregar, na hora de entregar, notei que não havia colocado meu nome. — Suspira resignada. — Eu sei, um erro bobo como esse não deveria ter acontecido. Paulo me emprestou um lápis que estava em sua mão e com pressa escrevi apenas meu primeiro nome, estava em apenas três pessoas, não pensei que iria dar qualquer problema.
— Acho que já entendi o que aconteceu. — Digo um tanto revoltada com a audácia daquele homem.
— Então diga-me! Eu nunca pude entender o que aconteceu e vendo a nota de Paulo, tenho algumas suposições. — Diz aflita
— Ele apagou teu nome e botou o dele! — afirmo cheia de certezas. — Está bastante claro, a última prova é apenas resumo, se ele não conseguia notas altas nas outras provas como ia conseguir na última? É impossível!
— Será? — Rosa diz surpresa com um ar pensativo.
— Devemos falar com Giulianne, ele deve saber de algo! — Me levanto em um salto a assustando. — Perdão.
— Ele deve saber o que aconteceu, eu entreguei a prova e sai sem olhar para trás.
— Ele deve saber! Irei me informar. Obrigada por tudo senhorita Rosa! — Entro no elevador que por um milagre abre no andar antes de eu chamá-lo.
Desço até o terceiro andar, indo para o andar onde Giulianne fica, eu sei que ele é o supervisor de seu setor e fica na central das câmeras.
Passo pelo corredor, notando pelo vidro as várias câmeras e onde ele está bem atento. Toco o vidro e aceno para ele buscando sua atenção.
Percebo que ele fala algo no rádio e um garoto surge, uns minutos depois atrás de mim. Percebo que eles trocam de posto e ele se aproxima saindo da sala.
— Bom dia, Senhorita Delvecchio, no que posso ser útil? — Sorri prestativo.
— Serei direta para não tomar seu tempo..— Digo um tanto ansiosa. — O que aconteceu no dia do teste depois que a senhorita Rosa saiu?
— Ah, imaginei que me perguntaria! — suspira. — Depois que a senhorita Rosa, Paulo foi entregar seu teste, houve uma bagunça de papéis, caiu alguns no chão, eu confesso não ter dado muita atenção pois eu estava terminando a minha. E depois eu não tive coragem de falar com ninguém sobre isso porque fui o último a sair, acho que seria suspeito. Mas...— suspira com um ar de suspense. — Eu vi ele apagando algumas coisas e escrevendo de novo com canetas, entende? Finalmente falei! — Suspira em alívio.
— Eu sabia que algo estava errado! Muito obrigada por sua ajuda.
— M-mas e agora? O que vai fazer? — Percebo certo receio em sua voz.
— Vou ler relatórios, organizar pastas e escolher a pessoa certa para a gerência. Fique tranquilo, o assunto morre aqui. Muito obrigada e perdão por tomar seu tempo . — Sou direta afirmando com a cabeça enquanto ele vira e volta para a sala.
Volto ao andar da gerência, com um sorriso aliviado por ter uma possibilidade de uma nova gerente.
Organizo as pastas e começo a ler os relatórios, buscando os furos que possam existir.
No final da tarde, a equipe de limpeza sai e Martín suspira cansado, o acompanhando até o elevador, noto que ele paga a equipe, enquanto massageio as têmporas com as pontas dos dedos, guardando os papéis.
— Juli? — Martín diz cansado. — Vamos ir para o hotel? Topa ir em algum restaurante?
— Não prefere pedir alguma coisa? — Sugiro pegando minha bolsa.
— Eu prefiro, mas você não prefere ir em algum restaurante? — Devolve a pergunta enquanto entramos na cabine do elevador.
— Eu prefiro ir para o hotel e pedir alguma coisa. — Suspiro esgotada querendo um banho. — Uma pizza? Algum filme de fundo? — Sopro enquanto saímos da cabine e entramos no carro.
— Perfeito, eu bem queria exatamente isso, uma boa pizza e descanso, foi difícil limpar aquilo tudo. — Diz manobrando o carro.
— Acabou que eu nem vi como ficou! — Percebo surpresa.
— E nem vai, só quando acabar! — abre um sorriso vitorioso.
— Você e suas invenções. — sorrio.
Martín dirige rapidamente até o hotel e em um silêncio confortável seguimos até nossos quartos. No qual, ele me garante ir tomar banho e levar uma pizza.
Entro no meu quarto, tirando os sapatos e os enfileirando num cantinho, sigo para o banheiro arrancando as roupas e entrando em uma ducha bem temperada, morna de um jeito leve e de jato forte que me renova do cansaço.
Lavo os cabelos com cuidado e enxaguo o corpo, termino o banho me enrolando na toalha e indo até o pequeno guarda roupas onde acomodei minhas roupas.
Visto uma lingerie confortável e um pijama de calor, com uma camiseta azul claro com rosas vermelhas e um short azul marinho.
Penteio os cabelos e tiro o excesso de água, os deixando um tanto bagunçados. Ligo para a cozinha do restaurante pedindo um grande pote de gelato de stracciatella e fragola¹.
Ligo a televisão e deito no sofá muito confortável de dois lugares reclináveis. Ouço pequenas batidas na porta e me levanto e a abro notando Martín com uma regata azul e shorts de moletom preto.
A noite está abafada como um bom verão na Itália, o trabalho nos cansou muito, mas o calor cansa mais do que tudo.
Ele adentra com uma caixa de pizza nas mãos e noto uma garrafa de vinho na outra mão.
— Está descalça. — Martín aponta meus pés e eu olho enquanto fecho a porta e volto ao sofá. — Pés pequeninos! — diz rindo e eu reviro os olhos.
Ele deixa a pizza e a garrafa de vinho na mesinha de centro e olha ao redor.
— Você é toda organizada! — Pontua indo ao frigobar e buscando duas taças e dispondo na mesinha.
— Eu sou mesmo. — Sorrio e faço menção de me sentar quando ele se aproxima para sentar.
— Fique bem aí onde está, senhorita compacta! — Martín ri se sentando e puxando minhas pernas pro seu colo. — Trouxe um vinho, acho que precisamos, foi um longo dia. É um vinho suave e doce, fique tranquila.
— Obrigada. — Sorrio brevemente e olho para televisão. — Escolhe um filme? — A campainha toca e sei que é o meu pedido especial. — Já venho!
Me levanto indo em direção a porta, abro com cuidado e agradeço a senhorita que entrega um pote enorme de gelato. Me viro e um par de olhos me encaram com um sorriso.
— E a formiguinha ataca novamente! — Martín ri enquanto guardo o pote de sorvete no frigobar.
— Se reclamar eu vou comer sozinha! — Aponto rindo e volto ao sofá.
Ele apaga as luzes, deixando apenas dois abajures acesos. Um pratinho com uma fatia de pizza para ambos e nossas taças reluzem na mesinha.
Tomo um gole do vinho e aprovo o sabor suave e adocicado, com um leve aroma floral ao fundo.
O filme é um daqueles clássicos de comédia e sei que vamos rir a noite inteira.
Devoramos a pizza e secamos a garrafa de vinho, me sinto completamente relaxada, mas nada bêbada ou algo do tipo.
— Vem aqui perto. — Martín sussurra no meio do filme, quando deita no sofá e me puxa para seu peito.
Sobre nós um leve lençol a nos cobrir enquanto saboreamos o gelato.
O filme acaba, mas logo colocamos a parte dois do filme e sigo em seu colo, sentindo seus carinhos em meu cabelo, me enchendo de uma sensação de paz e tranquilidade.
•••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••••
¹stracciatella - Significa creme com pedaços de chocolate.
² Fragola - Significa morango