Se a gente se casar domingo?

Oleh thalytamartiins

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Para Danilo Torres não há ninguém no mundo mais adequado do que ele mesmo para assumir a presidência da empre... Lebih Banyak

Oi :)
Se a gente se casar domingo?
Capítulo 01 - Danilo
Capítulo 02 - Leila
Capítulo 03 - Danilo
Capítulo 04 - Leila
Capítulo 05 - Danilo
Capítulo 06 - Leila
Capítulo 07 - Danilo
Capítulo 08 - Leila
Capítulo 09 - Danilo
Capítulo 10 - Leila
Capítulo 11 - Danilo
Capítulo 12 - Leila
Capítulo 13 - Danilo
Capítulo 14 - Leila
Capítulo 15 - Danilo
Capítulo 17 - Danilo
Capítulo 18 - Leila
Capítulo 19 - Danilo
Capítulo 20 - Leila
Capítulo 21 - Danilo
Capítulo 22 - Leila
Capítulo 23 - Danilo
Capítulo 24 - Leila
Capítulo 25 - Danilo
Capítulo 26 - Leila
Capítulo 27 - Danilo
Capítulo 28 - Leila
Capítulo 29 - Danilo
Capítulo 30 - Leila
Capítulo 31 - Danilo
Capítulo 32 - Leila
Capítulo 33 - Danilo
Capítulo 34 - Leila
Capítulo 35 - Danilo
Capítulo 36 - Leila
Capítulo 37 - Danilo
Capítulo 38 - Leila
Capítulo 39 - Danilo
Capítulo 40 - Leila
Capítulo 41 - Danilo
Capítulo 42 - Leila
Capítulo 43 - Danilo
Capítulo 44 - Leila
Capítulo 45 - Danilo
Capítulo 46 - Leila
Capítulo 47 - Danilo
Capítulo 48 - Leila
Epílogo
Agradecimentos :')

Capítulo 16 - Leila

73 25 20
Oleh thalytamartiins

De alguma forma essa casa enorme me fez sentir muita falta de casa. Não a casa da minha tia ou a garagem dos pais de Jonas, mas a minha casa mesmo, em Campo Verde, onde vivi até os meus 17 anos, brigando todo santo dia com os meus dois irmãos para ter o mínimo de privacidade.

Meu pai sempre gostou de plantas e flores, por isso nosso quintal é todo verdinho com cheiro de terra molhada. Ele se levanta todos os dias antes do sol nascer para regar tudo e cuidar de cada mudinha, por mais pequenina que seja. É a terapia dele numa casa cheia de gente que fala alto e grita o dia todo. Para tirar meu pai do sério a única maneira é tocando em uma das suas plantas, por isso ele e Paulo, meu irmão mais velho, sempre tinham pequenas discussões quando Paulo ainda morava na nossa casa.

Meu irmão é um desastre, o que ele tem de altura, tem de descuido, nas palavras da minha mãe. Quando Paulo era adolescente e parecia aumentar uns cinco centímetros por semana, a coisa era ainda pior. Se algum dia soltassem Paulo dentro desse jardim, por exemplo, ele derrubaria cerca de uns 20 vasos e pisotearia metade das plantas, como um cavalo que acabou de ser ferroado no traseiro por uma abelha. Era uma cena bem comum meu irmão chegar em casa morto de fome na hora do almoço e encostar a bicicleta de qualquer jeito no quintal, amassando as plantas do meu pai sem querer por puro descuido, conseguindo ganhar uns cascudos do meu pai por isso.

Estendo a mão até uma roseira pequena e sem espinhos. Falar com meu pai ao telefone depois de semanas ignorando as ligações de casa me deixou com um nó na garganta, e ver essa quantidade de plantas tão bonitas e cheirosas só está fazendo esse nó aumentar. Eu deveria ter deixado o celular continuar tocando ou escolhido outra hora para ouvir a voz dele, mas meu dedo deslizou sem querer pela tela e agora estou assim.

É que é impossível estar aqui sem imaginar o quanto meu pai ficaria feliz ao sentir o cheiro dessas pétalas, ao tocar nessas folhas...

— O que você está fazendo?

Dou um pulinho assustado ao ouvir a voz de Danilo próxima ao meu ouvido. Meu celular escapa das minhas mãos e cai no chão com a tela virada para baixo. Droga!

— Isso é jeito de chegar nas pessoas?! — Levo uma mão sobre o peito, sentindo meu coração bater acelerado pelo susto.

— Você sumiu. — Ele se abaixa para pegar meu celular. — A tela já era, hein?

— A tela já foi há muito tempo!

Prometo a mim mesma que quando eu estiver com uma situação financeira relativamente melhor, minha primeira compra no cartão de crédito será um celular novo. Estou com esse modelo há cerca de quatro anos e a qualquer momento essa porcaria vai me deixar na mão.

— Danilo? — Indico meu celular com o dedo, no entanto ele sequer se move.

Agarro o celular com uma das mãos, mas Danilo estranhamente recua, enfiando o aparelho no próprio bolso. Ah, não, esse infeliz não acha mesmo que essa é uma boa hora para gracinhas, acha?

— Fique quieta, por favor. — Ele pede, quase sussurrando.

— Eu só quero que você me dev...

Danilo me puxa pelo pulso e me prende contra ele, interrompendo bruscamente qualquer coisa que eu tinha para dizer. Tento desesperadamente me afastar, o que não dá certo, já que ele é forte o bastante para me manter bem quietinha.

— Você está maluco? — Viro meu rosto para o lado quando Danilo se inclina subitamente sobre mim. O que diabos esse homem pensa que está fazendo?

Ele solta meu braço e leva as duas mãos ao meu rosto, me obrigando a encará-lo. Não faço ideia do que está se passando pela cabeça dele, não sou boa em ler pessoas, mas tenho a impressão que ele está realmente considerando me beijar.

— O que você está fazendo? — Eu sussurro apavorada com a proximidade repentina.

— Só fica bem paradinha assim, está bem?

Puxo o ar com força, entretanto meus pulmões parecem incapazes de me fazer respirar. Na verdade eu inteira pareço incapaz de fazer qualquer coisa que um ser humano em condições normais faria e me sinto uma completa idiota por isso. Eu deveria pelo menos conseguir chutá-lo ou começar a gritar, porque é isso que as pessoas costumam fazer em situações como essas, mas eu só continuo ali, imóvel, como se Danilo tivesse algum poder sobre os meus nervos.

Os polegares dele deslizam pelas minhas bochechas até encontrarem meus lábios. A única coisa que consigo fazer é fechar os olhos com força quando a boca dele paira a um milímetro da minha, assustadoramente perto demais. O nariz dele roça o meu suavemente e sinto uma leve pressão contra os meus lábios. Me encolho ainda mais diante do toque, mas apesar do desconforto, a boca dele não toca a minha.

Ao perceber aquilo, arrisco abrir meus olhos. Danilo faz o mesmo, no entanto olha disfarçadamente para algo atrás de mim. Devagar, ele se afasta exibindo um sorriso satisfeito. Meu cérebro confuso parece voltar a funcionar no instante que ele tira as mãos de cima de mim e eu tenho a primeira reação coerente para o momento: ergo a mão e o estapeio no rosto.

Danilo leva a mão à bochecha, que fica imediatamente vermelha, e se vira para mim com uma expressão transtornada no rosto.

— Você perdeu o juízo?! — Diz ele mais chocado do que irritado.

— Você que perdeu o juízo! — Eu o acuso mais atônita do que furiosa. — O que foi isso?!

— O que foi o quê, Leila? Você me bateu! Por que nesse mundo você me bateu? — Ele aponta para o próprio rosto com os rastros dos meus dedos bem marcadas na pele.

— Eu te bati porque você me beijou!

— Eu não beijei você! Meus dedos estavam entre a sua boca e a minha.

— Não importa! Eu não te dei permissão para fazer nada disso. Não está no nosso contrato!

Ele passa as mãos pelo cabelo em um sinal claro de impaciência. Então olha para mim de um jeito tão ameaçador, que eu começo considerar todas as rotas de fuga do jardim.

— Está no nosso contrato que nós dois devemos agir como um casal normal, inclusive trocando eventuais demonstrações de carinho diante das pessoas.

— Não sei se você percebeu, mas estamos só você e eu aqui! — Abro os meus braços de forma exagerada, indicando o jardim quieto e completamente vazio.

— Errado! — Danilo me corrige. — Marcos estava bem atrás de você. Andressa me disse mais cedo que ele estava questionando o porquê de nós dois sequer termos ficado juntos durante todo esse tempo aqui na casa do meu avô.

— O quê? — Olho de um lado para o outro, procurando pelo irmão de Danilo, sem encontrar ninguém. — Você está brincando com a minha cara?

— Estou? Então me dá um bom motivo para eu ter quase beijado você se não tivesse ninguém por perto nos observando?

Abro a boca para respondê-lo, mas qualquer coisa que eu tinha em mente me escapa feito água escorrendo pelas mãos. Claro que tinha mais alguém no jardim, claro que Danilo deve ter visto Marcos, claro que eu tive uma reação imoderada e agora coloquei a perder todo o nosso acordo.

Escondo meu rosto nas mãos, percebendo o tamanho do meu erro. Se a terra se abrisse bem debaixo dos meus pés e me engolisse, juro por tudo que existe de mais sagrado que não reclamaria.

— Será que ele ouviu quando começamos a discutir? — Minha mente pensa no pior e um calafrio percorre minha espinha. — E se ele me viu batendo em você?

— Reze para que não, ou podemos dizer adeus a tudo isso. — Danilo chuta uma pedrinha do chão. — Por que você é assim, Leila? Sempre quando as coisas estão correndo bem para o nosso lado, você simplesmente surta!

Não consigo sequer formular uma resposta. É a segunda vez que Danilo me atinge hoje sem me tocar um dedo. No carro, quando ele disse que eu parecia alguém metódica e fria, por um instante eu ouvi a voz de Rafael. Agora é meu pseudo-noivo que está diante de mim, apontando minhas falhas que não mudaram nesses um ano, oito meses e vinte e quatro dias. Talvez eu não seja feita mesmo para relacionamentos, por mais falso e superficial que seja.

— Você tem ideia do quanto isso é importante para mim? Você não faz ideia do quanto eu estou levando isso tudo a sério, na verdade você nem faz ideia do quanto eu tenho a perder! — Danilo passa as mãos pelo cabelo de novo, me virando as costas.

— Não adianta muito se eu te pedir desculpas, não é? — Arrisco dizer.

O nó na minha garganta deixado pelas palavras do meu pai ao celular ameaça me sufocar de novo por causa do maremoto de emoções que me atinge todas as vezes que me permito pensar no meu namoro fracassado. Por que eu sou assim?, pergunto a mim mesma, por que eu sempre tenho que estragar tudo?

Danilo me olha uma vez, desviando os olhos em seguida. Então vira o rosto para mim de novo, me encarando com mais atenção agora, como se quisesse ver alguma coisa através de mim. Engulo em seco, incomodada até o último fio de cabelo com aquilo. Não gosto que percam muito tempo olhando para mim e gosto menos ainda de Danilo me olhando desse jeito.

— Você está chorando?

— Quem? Eu?

Danilo cruza a pequena distância entre nós dois exalando tanta preocupação, que duvido por um segundo se estou mesmo chorando. Passo as costas das mãos pelas bochechas para ter certeza de que nenhuma lágrima estúpida resolveu cair dos meus olhos, mas graças a Deus continuo com aquela pequena parte da minha dignidade intacta.

— Eu fui meio grosseiro. Me desculpe, me desculpe mesmo. — Danilo diz, levando as mãos aos meus ombros. Então, como se tivesse levado um choque, ele recua sem me tocar. — Só não chora. Não gosto de ver ninguém assim por minha causa.

— Eu não estou chorando, muito menos por sua causa.

— É que desde mais cedo eu tenho a impressão que estou usando as palavras erradas com você. — Ele explica, tão sem jeito que não consegue nem me olhar direito, e eu entendo ali porque todo mundo nessa casa trata Danilo como uma criança.

Não importa que esse homem, segundo o site de buscas na internet, tenha quase 31 anos, Danilo Torres continua sendo um garotinho e é só olhar bem de perto para ver isso. Ele é um babaca na maior parte do tempo, mas é um babaca que se importa tanto com o avô que está para falecer, que forjou toda essa história de casamento e agora acha que eu estar à beira de um colapso emocional é sua culpa.

— Está tudo bem, eu só fiquei um pouco sensível depois que falei com meu pai no celular. Já faz algum tempo que nos falamos e mais tempo ainda que eu o vi. — Solto a respiração devagar e encaro minhas sapatilhas empoeiradas quando minha voz ameaça falhar. — Eu quem te devo desculpas. Eu te bati, Danilo. Te bati bem no rosto!

— As mulheres me dão tapas na cara o tempo todo. — Danilo leva uma mão à bochecha vermelha.

Os cantos da minha boca se curvam para cima e eu abro um sorriso antes que eu possa evitar. Ele é um cretino, igualzinho os sites de fofoca dizem na internet.

— Ao menos desta vez você não mereceu. Me desculpe, é sério.

Danilo cruza os braços em frente ao peito e semicerra os olhos.

— Vou pensar no seu caso depois, porque agora a gente tem que fazer uma coisa.

Não vou dizer que estou confortável nessa casa, porque não estou. Desde que cheguei, até o bairro onde a mansão está localizada me assustou. É tudo tão grande, tão bonito e caro, que fico com medo de esbarrar em alguma coisa e sair daqui devendo o que não tenho. No entanto, nada que passei até agora nesta casa foi tão intimidador quanto os olhares que Danilo e eu estamos recebendo neste exato momento.

Até Dr. Tales, que sabe de cabo a rabo sobre nossa farsa, nos encara com uma expressão muito suspeita. Dou uma conferida rápida nas minhas próprias roupas, para ver se não tem nada fora do lugar que possa estar despertando tanta curiosidade nas pessoas na sala, mas felizmente está tudo certo comigo. Porém, não posso dizer o mesmo de Danilo.

A vermelhidão na bochecha dele diminuiu bastante, contudo ainda está bem visível — visível demais para o meu gosto. Por mim, esperávamos a vermelhidão diminuir um pouco mais, mas Ana Clara e Viviane apareceram pulando e gritando com a bola suja nas mãos e nos arrastaram de volta para a casa antes que pudéssemos impedi-las. Agora, Danilo está fingindo estar com algum tipo de alergia, coçando a nuca e os braços, e queira Deus que isso seja o suficiente para não levantar perguntas a respeito do que pode ter acontecido entre nós durante o tempo em que ficamos fora.

— Vocês demoraram, hein? — Andressa diz em tom sugestivo. — O que é isso no seu rosto, Danilo? Não me diga que... — Ela abre a boca fingindo surpresa. — Leila, o que você estava tentando fazer?

O sangue deve ter sumido do meu rosto, porque sinto toda a minha pele ficar gelada diante da possibilidade de Andressa ter conseguido identificar as marcas dos meus dedos.

— E... Eu? — Gaguejo, sem ter ideia do que dizer.

— Você, sim!

— A sua vida é tão desinteressante assim para ficar bisbilhotando o que dois adultos fazem sozinhos, Andressa? — Danilo solta suas farpas para cima da amiga.

A possibilidade de Andressa estar enxergando marcas de dedos no rosto de Danilo desaparece e surge alguma coisa pior na minha mente após ouvi-lo dizer aquelas palavras. O sangue que tinha deixado meu corpo volta a bombear com força e sinto minhas bochechas esquentarem.

— Ah, então vocês estavam mesmo fazendo...

— Não é nada disso que vocês estão pensando. — Interrompo Andressa o mais rápido que posso. — Eu só estava numa ligação importante. Só isso. — Explico, mas pareço ter piorado drasticamente a situação.

— Ligação? É assim que os jovens chamam hoje em dia? — A avó de Danilo pergunta, adentrando a sala com uma caixa de madeira nas mãos.

Olho para Danilo, desesperada. Preciso que ele diga alguma coisa para fazer com que a família dele não pense essas coisas de nós dois.

Então me toco ao ver o sorriso descarado no rosto dele. Danilo e eu somos um casal adulto, é normal que as pessoas ao nosso redor pensem esse tipo de coisa. Estranho seria se não passasse pela cabeça deles que nós demos uma escapada para ficarmos um pouco mais à vontade. Me convenço de que a reação deles é uma coisa boa, pois se pensam isso, provavelmente é porque nós dois estamos sendo convincentes. Mas ainda assim, estou sem coragem de olhar no rosto das pessoas de tanto constrangimento.

— Isso é um tabuleiro de damas, vó? — Danilo pergunta, desviando o foco da conversa.

Dona Iêda faz que sim com a cabeça e sorri para Viviane, que está sentada no carpete com carinha de inocente depois de ter atrapalhado minha conversa com o tio dela.

— Viviane está desde mais cedo atrás de mim para pegar as damas.

— Você se esqueceu que ia me ensinar, tio. — Vivi reclama, fazendo beicinho.

— Ele não esqueceu, filha. Seu tio nem faz questão de lembrar. — O irmão de Danilo diz as primeiras palavras em horas desde que chegamos aqui.

Danilo finge não ouvir a indireta extremamente direta do irmão. Ele solta minha mão, que inclusive nem tinha percebido que ele estava segurando, e pega a caixa das mãos da avó, caminhando até o centro da sala em seguida.

— Vou ensinar você a ser a rainha das damas, Vivi! — Ele anuncia, erguendo a caixa sobre a cabeça, como se fosse um artefato sagrado.

— Nesse caso — Dr. Tales se põe de pé —, eu vou ter que ensiná-la, porque você é muito ruim, Danilo.

— Vão começar... — Andressa revira os olhos.

Entendo um segundo depois o motivo da reação dela. Dr. Tales e Danilo simplesmente iniciam uma discussão infantil e aparentemente interminável sobre quem é o melhor em damas. Os dois se sentam no carpete e espalham as peças do jogo sobre a mesa de centro de vidro escuro, se esquecendo completamente de Viviane, que é quem deveria realmente estar jogando aquilo.

Dona Iêda me guia gentilmente até um dos sofás e se senta ao meu lado. Ela deve ser a senhora mais educada e elegante que já vi na vida. Seu cabelo branco feito algodão não possui um fio fora do lugar e ela me olha com tanto carinho que me faz sentir em casa, mesmo eu não estando.

Exceto pela mãe de Danilo, que nem sequer pegou na minha mão quando cheguei, o restante da família dele foi bem mais educada e acolhedora do que eu esperava. Pela minha experiência com novelas, famílias ricas não costumam gostar muito da namorada pobretona do mocinho, contudo eles pareceram gostar de mim. O avô dele principalmente, que por sinal é a pessoa a quem eu vim agradar.

Conhecendo Dr. Fausto agora, consigo entender ainda mais os esforços de Danilo para fazer as últimas vontades do avô. Nunca, em toda minha vida, eu iria imaginar que o fundador de uma rede de empresas como o Grupo Torres seria um homem tão tranquilo e que gostasse tanto de conversar sobre coisas comuns do dia a dia. Ele me perguntou com o quê eu trabalho e como tinha conhecido o neto dele, disse que gostaria de conhecer melhor a E. M. e gargalhou de praticamente tudo o que eu disse. Olhando Dr. Fausto sentado confortavelmente numa poltrona com a bisneta mais nova no colo, fico com a consciência pesada por mentir para ele.

Corro os olhos pelas pessoas espalhadas pela sala de estar enorme, decorada harmonicamente com as cores branco e cinza claro. Só esse cômodo é maior do que toda a casa da minha tia, e só o sofá em que eu estou sentada deve custar mais do que já recebi em uma vida inteira trabalhando duro. Vi um sofá parecido com esse quando fui à uma loja de móveis chiquérrima com Madu, porque ela precisava de um guarda-roupa novo, por isso consigo imaginar perfeitamente o valor até das almofadas em que estou encostada.

Engatamos algumas conversas rasas sobre qualquer coisa para descontrair o clima. Observo Dr. Tales e Danilo franzirem os cenhos e moverem as peças sem dizer uma palavra, concentradíssimos no que estão fazendo, com Viviane prestando atenção em tudo para aprender alguma coisa. Ana Clara desliza do colo do avô e saltita pela sala até onde a irmã está, sentando-se sobre os calcanhares para assistir aquela partida de damas infinita.

Andressa escorrega as costas pelo sofá e suspira, o que chama a atenção do namorado por um breve instante. Pelo visto, as partidas de damas acontecem com certa frequência e ninguém além das meninas e dos "meninos" gostam daquilo.

— Pelo menos Danilo não resolveu jogar isso com Marcos, Dessa. Se eles estivessem jogando juntos, essa casa já teria explodido — Valéria cutuca o marido com o cotovelo. Marcos apenas se afasta um pouco, incomodado com o comentário, e me olha discretamente.

Só essa mísera troca de olhares já me dá vontade de sair correndo sem olhar para trás. Não sei se Marcos testemunhou minha discussão com Danilo no jardim, mas desde que voltamos à casa, sinto que há algo de errado com a forma com que ele olha para mim — ou pode ser também a minha consciência pesando, nunca se sabe. Se bem que Marcos me pareceu um homem bem taciturno em comparação ao irmão.

Percebi por alto também que Danilo e o irmão não se dão muito bem. Onde um está, o outro escapa para longe. Os dois se sentaram a metros de distância um do outro no almoço e se evitaram depois disso, falando somente o essencial, que não passou de um breve cumprimento quando chegamos. Com a mãe a história parece se repetir de algum jeito, não tão descaradamente quanto com o irmão, mas Danilo igualmente não demonstra muito afeto por ela. Perceber isso me deixou ainda mais desconfortável em estar aqui como uma impostora. Sinto que não tenho o direito de saber essas coisas sobre a vida de alguém que está me pagando para fingir ser algo que não sou.

Ainda assim, é impossível não ficar curiosa. No fundo, quero saber o que aconteceu entre eles para agirem tão estranhos uns com os outros. É estranho para mim esse tipo de coisa, porque minha família é unida até demais. Minha tia é quase minha mãe e minha mãe dispensa comentários. Eu sei bem que toda família tem seus desentendimentos e brigas, a minha não é diferente nesse ponto, mas nunca, nunca mesmo, brigamos sério o bastante para ficarmos imersos num clima tão pesado quanto Danilo e a família dele.

Mesmo não se dando bem com a mãe e o irmão, Danilo parece gostar muito das sobrinhas e dos avós. Ele me deu detalhes sobre o que conversar hoje, sobre o que o avô dele gostaria de ouvir e como me comportar. Me deu respostas para quase todas as perguntas que poderiam surgir, porém deixou de fora que a relação familiar dele é muito complexa. Pensando bem, Danilo não me disse quase nada sobre sua própria vida, e apesar de estar aqui, na sala de estar da casa dos avós dele, não sei nada sobre o homem com quem supostamente irei me casar, e há certas coisas sobre uma pessoa que não são facilmente achadas na internet.

— Ei! — Andressa me chama, sentando-se para mais perto de mim. — Me conta a verdade, Leila, por que você aceitou namorar esse babaca?

Danilo desvia a atenção do tabuleiro de damas e lança um olhar mortal para a namorada de Dr. Tales. Pelo que sei, eles três se conhecem desde a época da faculdade, e apesar da implicância, se gostam como se fossem irmãos. Sinto que Danilo até gosta mais de Dr. Tales e Andressa do que do próprio irmão.

— Ele não é tão babaca assim. — Respondo simplesmente. Tenho receio em me prolongar na conversa e acabar falando besteiras.

Não há nada que me atraia em Danilo, nada mesmo e sou grata a Deus por isso, porque do contrário nossa farsa não duraria um dia. Não sou hipócrita, reconheço o quanto ele é bonito, mas para por aí. Não nos damos bem, sequer conseguimos ter uma conversa civilizada por mais de cinco minutos e ele ainda é um canalha que traiu tanto a ex-namorada, que se tornou um dos assuntos mais comentados na internet por semanas no país todo. O único motivo que tenho para acreditar no que ele fala é o amor que eu o vejo sentir pelos avós e a assinatura dele na minha via do contrato.

— Estamos em família agora, você pode admitir que ele te encheu muito o saco ou que fez algum tipo de chantagem. — Andressa continua a insistir no assunto, arrancando risadas das pessoas na sala. — É que é difícil de acreditar que alguém como você iria aceitar namorar Danilo, conhecendo a usina nuclear que ele é!

— Dessa, o amor é cego. Deixa eles. — Dr. Tales diz enquanto faz um movimento com uma peça do jogo.

— O amor é cego e meio burro, mas Leila não me parece ser nenhum dos dois. Vou contar nos dedos os dias que o namoro de vocês vai durar. Ela não vai te aturar, Danilo. É impossível!

— Pois eu tenho certeza que ela vai me aturar por muito tempo. Quem sabe até por toda a nossa vida. — Danilo sorri para mim e se levanta.

Viviane e Ana Clara aproveitam a deixa para tomarem conta do tabuleiro de damas, e essa é a última coisa em que consigo reparar antes de me dar conta do que estamos prestes a fazer. Meu coração dá um salto no peito, em alerta. Ensaiamos esse momento, eu sabia que ele faria essa parte do show, contudo minha respiração fica presa na garganta quando Danilo estende a mão para mim.

Me levanto devagar, sob o olhar de toda a família dele. Pouso minha mão direita sobre a mão de Danilo, estremecendo um pouco. O sorriso dele se abre tanto, que quase acredito ser genuíno. Então ele se ajoelha, como um exímio cavalheiro Shakespeariano, e o desejo de cair dentro de um buraco e acordar no Japão me acomete pela segunda vez em menos de vinte e quatro horas.

— Leila, você aceita se casar comigo?

A pergunta desperta suspiros e gritinhos surpresos pela sala. Balanço a cabeça afirmativamente, prendendo os lábios com força para não começar a rir da situação e correr o risco de estragar as coisas, mesmo tendo vontade de gargalhar por minutos a fio por conta do nervoso que serpenteia por minha espinha.

Danilo solta minha mão por um segundo e tira alguma coisa do bolso. Quando toma minha mão de novo, ele está deslizando pelo meu dedo anelar direito um anel de brilhantes com uma pedra tão grande, que meu ar some dos pulmões ao ponto de me fazer soluçar.

— Aaaah, ela ficou emocionada! — Alguém diz, acho que Valéria, não tenho certeza.

Peças de damas voam pela sala. Imagino que as meninas estejam quase se matando por alguma coisa, mas também não tenho certeza, porque não sou capaz de raciocinar com clareza.

Somente Danilo sabe o que se passa pela minha cabeça com essa joia enfeitando meu dedo, e por isso, mais do que depressa, ele fica de pé e me puxa para um abraço, escondendo meu rosto em seu peito. Isso não estava no roteiro! Esse anel não estava no roteiro, esse meu estado de choque não estava no roteiro!

Um coro de "beija! Beija!" ecoa pelo cômodo, provocando calafrios por todo o meu corpo da maneira mais desagradável possível. Danilo se afasta de mim, sorrindo, mas seus olhos estão me fulminando de novo por causa do pânico que está se espalhando pelo meu corpo. Eu sei que devo mesmo dizer alguma coisa, demonstrar o mínimo que seja de carinho fingido por esse homem, só que nenhuma palavra que me ocorre parece soar sincera ao ponto de fazê-los acreditar que eu amo Danilo de todo o meu coração e que estou explodindo de alegria porque vou me casar.

Levo minhas mãos até o rosto dele, acariciando-o em meio a uma crise de tremedeira. A única certeza que tenho é que definitivamente não conseguirei dizer que o amo como todos esperam que eu faça, afinal é mentira demais até para mim. No entanto, há algo que eu consigo dizer e que talvez seja o suficiente.

— Obrigada. — Minha voz soa fraca e emotiva polo nervosismo. — Obrigada por ter aparecido em minha vida, você com certeza foi minha melhor... — opção, penso, mas sei que não seria romântico chamar meu noivo de uma opção qualquer — escolha. Você foi minha melhor escolha!

As vozes na sala aumentam umas duas oitavas, ainda pedindo pelo maldito beijo. Consigo ver no fundo dos olhos de Danilo que nem ele e nem eu queríamos chegar a esse ponto, pelo menos não depois de eu tê-lo estapeado, mas não há como fugir agora. Digo a mim mesma que será rápido e que isso não significará nada. É isso. Rápido e sem emoção, apenas um fingimento no meio dos muitos que protagonizei hoje.

Fico na ponta dos pés e enlaço minhas mãos na nuca de Danilo, puxando-o para mais perto. Ele fica imediatamente tenso, afinal a marca dos meus dedos ainda estão em seu rosto. Fecho meus olhos e prendo a respiração, pedindo aos céus silenciosamente que não deixe aquilo se prolongar demais.

As coisas acontecem como antes, desde a respiração acelerada à proximidade dos nossos corpos. Contudo, não há nada entre os lábios dele e os meus agora. Sinto o roçar da boca dele na minha e meus pés saem momentaneamente do chão, sob o som de aplausos eufóricos. Não há muito para sentir, é apenas estranho ao ponto de fazer meu estômago se revirar, e minha mente só consegue clamar desesperadamente pelo momento em que nós dois estaremos bem longe um do outro.

— Me devolve! — A voz de Ana Clara se infiltra entre o barulho dos aplausos.

Danilo me coloca de volta no chão e nos separamos tão bruscamente, que levo um segundo para perceber que ele está se curvando para frente com uma mão nas costelas. Ao lado dele, Ana Clara e Viviane olham assustadas para o tio, com os pedaços do tabuleiro de damas nas mãos.

Graças a Deus, graças a Deus, graças a Deus... Minha cabeça repete a frase sem parar. Danilo foi atingido por um pedaço de tabuleiro de damas, mas ao menos não foi preciso prolongarmos a porcaria do beijo na frente dessa gente toda. E que Deus me perdoe por estar aliviada, quando meu agora noivo parece estar com tanta dor ao ponto de querer gritar.

— As duas estão de castigo pelo resto da vida! — Valéria se levanta do sofá e avança como uma onça na direção das filhas.

Ela arrasta as meninas para fora da sala, interrompendo a pequena comemoração do nosso noivado. Danilo respira fundo e endireita o corpo, ainda com a mão nas costelas esquerdas, como se quisesse protegê-las de serem atingidas novamente por qualquer outra coisa.

— Você está bem? — Pergunto baixinho.

Danilo faz que sim com a cabeça. Ele se abaixa e pega uma das partes de madeira expressa do tabuleiro que ficou para trás. Assim como ele, também estou me perguntando como duas crianças conseguiram quebrar aquilo com as próprias mãos e em tão pouco tempo.

— Bom, acho que já podemos marcar a data, não? — Gargalha Dr. Fausto, aliviando como pode a situação.

— Por mim, eu me casava este domingo! — Danilo aperta minha mão de leve e ri junto com o avô. Sorrio também, porque parece o certo a se fazer.

— Domingo que vem, então? — Sugere o avô de Danilo. — Vocês parecem se gostar bastante, para quê perder tempo?

A sala continua rindo, os olhos das mulheres brilhando por causa do nosso noivado fajuto. Eu alargo ainda mais o sorriso, me esforçando para parecer a noivinha mais radiante do mundo, ainda que por dentro eu seja na verdade uma noivinha completamente perturbada e que quer fugir daquela sala para poder respirar e colocar a cabeça no lugar.

— Domingo que vem. O que acha, Leila?

— Sim, sim! — Respondo de pronto, não me tocando de imediato da gravidade da minha resposta.

— Ótimo. A gente vai se casar domingo, vovô! Não marquem nenhum compromisso.

Domingo, que bom...

Não, espera. O quê?!

Olho para Danilo, não acreditando no que acabei de ouvir e muito menos com o quê eu acabei de concordar. Eu sabia que o casamento seria às pressas, mas não esperava que fosse tão depressa. Ninguém consegue um lugar para se mudar com uma semana e minha família não vai comprar essa minha desculpa esfarrapada com a mesma facilidade, ainda mais sabendo que eu estava até ontem contando as moedas do ônibus.

Os parentes de Danilo, por outro lado, estão comemorando a data firmada, fazendo planos, dizendo que Danilo finalmente criou algum juízo, alheios ao pavor estampado na minha cara. Me dou conta de que não há mais nada que eu possa fazer e muito menos como escapar dessa situação.

Então parece que é isso. Eu, Leila Dias de Souza, me caso no próximo domingo.

Oie!
Mais dois capítulos fresquinhos de SAGSCD disponíveis! Espero que estejam gostando haha

Muito obrigada por lerem. Nos vemos no domingo que vem.

Bjx,

Thaly :)

Lanjutkan Membaca

Kamu Akan Menyukai Ini

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