Começava a amanhecer quando Namjoon saiu do cassino. Tinha os bolsos cheios de dinheiro. Ao olhar para sua carruagem, teve a primeira reação de um ser vivo. Com todo champanhe e vinho que tomara, se ficasse fechado dentro de uma carruagem sacolejante, certamente passaria mal.
— Vou andar um pouco — disse ao cocheiro.
O alfa concordou, em silêncio, e acompanhou o patrão, a certa distância, dirigindo a carruagem devagar.
Com o cérebro amortecido pelo álcool, o conde saiu andando sem destino, dirigindo-se para o bairro mais elegante da cidade. Por um momento, lembrou-se do que lhe contaram mais cedo. Naquela noite, ocorreria um baile na casa da família Kim, e lorde Choi era o convidado principal. Possivelmente, naquele momento, Kim Jae-hyun e Choi Seung-hwan já estavam noivos.
O conde recordou-se com amargura do dia em que vira a carruagem do lorde Choi saindo da casa dos Kim. No primeiro momento, não entendeu o que Choi poderia estar fazendo ali, mas, alguns dias depois, seus criados e amigos lhe contaram sobre as fofocas que rolavam pela cidade sobre Jae-hyun e Seung-hwan.
"Está triste por quê? Aqueles dois se merecem!" White bradou, bravo pela amargura e tristeza de seu humano.
Mesmo concordando com o lobo, não era fácil para Namjoon lidar com aquela nova realidade. Ele ainda amava Jae-hyun, era doloroso saber que seu amado já estava com outro alfa. Suspirou, descontente, e tentou afastar os pensamentos sobre o ex-noivo. As palavras duras que ouvira do Kim na última vez que se encontraram ainda machucavam seu orgulho. Lorde Choi poderia ser um canalha, mas pelo menos ainda era belo, e tinha o completo movimento dos dois braços.
"Recomponha-se, Namjoon! Kim Jae-hyun nunca foi digno do nosso amor, ele nunca foi bom o bastante para ser nosso ômega." White disse firmemente, mas Namjoon ainda estava machucado demais para ver a situação como o seu lobo via.
Desejou uma bebida naquele momento para afogar suas dores, então decidiu que, assim que chegasse em casa, pegaria uma garrafa do seu whisky favorito e o beberia antes de dormir.
Tinha ainda algum discernimento para saber o que o esperava: teria uma dor de cabeça infernal e o estômago o castigaria pelo excesso de bebida mais tarde. No entanto, aquilo não o incomodava muito. Pretendia dormir o dia todo para curar a ressaca. À noite sairia de novo, protegido pelas sombras.
Uma das vantagens da vida reclusa que vinha tendo era não ter compromissos, pensou com amargura. Não precisava acordar cedo e nem se preocupar com encontros entediantes. A escuridão e as sombras eram suas únicas amigas.
Tinha a sensação estranha de flutuar, enquanto ia em direção a sua casa apenas por instinto. O amanhecer era como o corar de uma donzela diante dos pecados permitidos pela noite. Enrolou-se mais na capa, procurando ocultar a face esquerda, num gesto que se tornara verdadeiro reflexo condicionado diante de qualquer luz.
Naquele momento subia a ladeira que ficava nos fundos das casas que davam para a Brooke Street. Não reconhecer que estava perto da residência de Jae-hyun demonstrava o quanto ainda se encontrava bêbado.
Caminhava devagar e, de repente, um leve ruído acima de sua cabeça chamou-lhe a atenção. Uma trouxa de pano branco caiu de uma janela estreita e parou pouco acima da cabeça dele. Devia continuar andando, pensou. Mas ficou parado, curioso em saber o que era aquilo.
Olhava, fascinado, a figurinha esguia, pelo jeito um menino, saindo de costas pela janela e começando a descer por uma corda amarrada em alguma coisa dentro da casa. A corda era mais curta que o necessário, sua ponta ficando bem acima do chão. Ao chegar ali, o garoto ficou balançando-se loucamente, tentando tocar o solo com os pés, sem conseguir.
Parecendo chegar ao fim das forças, o garoto largou a corda e caiu, com um grito de susto, nos braços do conde que instintivamente adiantou-se para ampará-lo. O impacto fez Namjoon vacilar, mas conseguiu manter-se de pé. Os dois levaram alguns segundos para recuperar o fôlego.
Namjoon olhou bem para o garoto em seus braços. Aspirou fundo, mas não havia essência alguma vindo dele.
Colocado no chão pelo seu providencial salvador, Seokjin reconheceu-o, apesar do abatimento que o fazia parecer mais velho.
— O que está fazendo, beta? — perguntou Namjoon. — Roubando?
Seokjin havia tomado inibidores antes de colocar em prática o seu plano de fuga, e, se não estivesse tão nervoso, teria sorrido de satisfação ao perceber que o seu plano havia funcionado. Não era seguro sair por aí com a sua essência natural. Sabia, pelas suas conversas com os ômegas que trabalhavam na casa de sua tia, o quão poderia ser perigoso para um ômega andar sozinho pelas ruelas da capital durante a noite. Ele tinha que se proteger minimamente, então, mesmo que aquilo pudesse fazer mal ao seu organismo, tinha recorrido a remédios para esconder a sua classe. Caso o seu plano de passar despercebido não funcionasse, carregava, na cintura, um canivete que achara no escritório do tio falecido. Seokjin estava pronto para a luta.
Agradecendo a Deus por Namjoon jamais tê-lo visto e nem saber quem ele era, uma ideia maluca lhe ocorreu, uma oportunidade de ir para longe daquela casa.
Ainda encarando o grande alfa lúpus a sua frente, o ômega gaguejou:
— Oh, não... Eu... eu trabalho aqui. Vim do interior... Quero voltar para casa, mas minha patroa não deixa, diz que vai custar mais do que eu valho...
Namjoon observou o garoto com atenção. Sentia que a situação era, no mínimo, irregular. Aquela história parecia mentira, mas olhando as calças remendadas, a camisa de tecido grosseiro, coberta por uma capa que era pouco mais que um trapo, via-se inclinado a acreditar no rapazinho.
Pensou, ao olhar a casa e reconhecer que era a de seu antigo amor, que seria bem feito para eles perderem um criado. Além disso, o menino bem podia estar dizendo a verdade, pelo que ele sabia da situação financeira de lady Kim.
Fitou de novo o rostinho pálido sob o capuz e resolveu que ia ajudar o garoto. Os olhos, escurecidos pela sombra, estavam fixos nele, mexendo com seu coração, que pensara estar morto. Namjoon não gostou daquela sensação.
Fazendo cara feia, pegou o menino por um braço e levou-o para a carruagem, imaginando se não se arrependeria daquela vingança idiota quando amanhecesse.
— Vamos — resmungou. — Se ficarmos aqui, você vai ser apanhado.
Se tivesse forças, Seokjin pularia de contentamento. Ele ia ajudá-lo! O conde ia ajudá-lo a fugir!
Seokjin saltou para dentro da carruagem e se encolheu num canto, tentando se proteger do frio. Não tinha medo, confiava na boa índole do conde, sabia que estaria seguro ao lado dele.
Enquanto se dirigiam para a casa do conde, que não ficava muito longe, o alfa pensava no gesto impulsivo que acabara de fazer. E se aquele "beta" o trouxesse problemas?
Olhou o garoto. Sentiu-se perturbado pelo cansaço que curvava os ombros largos e punha olheiras escuras ao redor dos olhos luminosos. Lady Kim era um verdadeiro dragão como mãe e muito mercenária; mas não sabia que maltratava os criados.
A carruagem parou diante da mansão do conde. Namjoon saiu primeiro e entrou na casa, sem se dar ao trabalho de ver se o "beta" o acompanhava. Passou pelo hall e entrou na biblioteca, onde a lareira se encontrava acesa. Voltou-se para o garoto, que o seguia de perto, e ordenou:
— Sente-se.
Acendeu uma vela em cima da escrivaninha e acomodou-se numa cadeira longe do círculo de luz.
O jovem obedeceu. Os acontecimentos o tinham deixado exausto. Não lembrava de ter estado tão cansado antes. Tinha trabalhado o dia todo nos preparativos do baile, e, depois, nos detalhes da sua fuga de última hora. Não parara um único minuto desde às 5 da manhã do dia anterior.
— Quem é você? — perguntou Namjoon.
Seokjin ergueu os olhos e fitou-o, tentando adivinhar a disposição dele. Pela voz, não dera para perceber nada. Devia confessar sua verdadeira identidade ou continuar a farsa? Pensou em mentir, mas depois achou que não devia fazer aquilo com o conde. Precisava da ajuda dele. Não poderia pedi-lo para ajudá-lo agindo de forma desonesta.
— Seokjin. Kim Seokjin.
Durante alguns minutos não se ouviu nenhum som na sala, a não ser o crepitar do fogo. O ômega teve a impressão de que o alfa não o ouvira, e quando estava prestes a repetir, o conde se mexeu e o menor sentiu medo. Parecia que o alfa saía da sombra para saltar sobre ele, como um furioso anjo vingador.
Seokjin fez um movimento brusco para recuar, fazendo o capuz cair. O rosto, enfim, completamente revelado, dando ao alfa não só uma melhor visão dos seus delicados traços, mas do seu cabelo escuro e brilhante. Namjoon olhou-o, fascinado, enquanto suas mãos o seguraram pelos ombros a fim de fazê-lo ficar de pé.
— Não minta para mim! — trovejou ele, zangado, fazendo sua presença aumentar drasticamente no cômodo. — Quero saber o que estava fazendo e quem é. Se meu rosto o assusta, feche os olhos, mas responda.
Seokjin fitou-o nos olhos, apavorado com a voz dura e o jeito rude com que o alfa o segurava. Possivelmente, as mãos grandes do conde deixariam marcas roxas em seus ombros. Tentou se conectar com Black, pois estava com medo, mas o lobo estava adormecido por conta dos inibidores. Seokjin estava sozinho.
Em seus sonhos, o conde era sempre gentil, cordial e carinhoso. Teria sido tolo em imaginá-lo assim? Será que a solidão e a tristeza o tinham feito criar uma pessoa que não existia? Uma pessoa em quem tinha projetado o seu exemplo de alfa digno, mas que, no fim, era como os demais? Seokjin estava decepcionado.
— Sou Kim Seokjin... — disse por fim, num fio de voz. — Lady Kim é minha tia... Jae-hyun é meu primo.
— Mentira.
— Sabendo o que o senhor pensa deles, por que eu mentiria? — indagou o rapaz, com simplicidade. O alfa, pensativo, enfim o soltou. — Eu fugi, sem saber para onde, porque não tenho nada e nem ninguém... — Os olhos negros tornaram-se suplicantes. — O senhor precisa me ajudar! Eu trabalhava como criado na casa da minha tia, garanto que posso ser útil aqui também.
— Você não pode ficar aqui! — declarou ele, diante da absurda afirmação. — Impossível. E por que eu o ajudaria? Você é um deles.
— Posso ser um Kim, mas nunca fui um deles. Eles jamais me aceitaram como alguém da família.
Namjoon passou a mão direita nos cabelos castanhos, revoltos, que lhe caíam sobre a testa, procurando abafar a voz do seu lobo que lhe dizia para ajudar o rapaz. Aparentemente, White tinha ficado compadecido pela pequena figura a sua frente.
— Eu não volto para lá — disse Seokjin, decidido, pois nada tinha a perder. — Não tenho para onde ir, mas para lá nunca mais volto! — Queria ser forte, mas o medo e o desespero diante da possibilidade de voltar para a casa da tia transformou-se em terror. — Se não quiser me ajudar, tudo bem, mas nem tente me obrigar a voltar para lá, pois não irei! Só volto para aquela casa morto!
— Calma! Não grite, menino! Quer acordar a casa toda?
O conde de Baekje ficou chocado com aquela ameaça. Olhou o rapaz mais atentamente, vendo agora coisas que não notara antes. Ele estava quase fora de si, de medo. Durante a batalha, vira aquela expressão selvagem e acuada nos olhos de muitos homens. Devia estar à beira de um colapso. Ele respirou fundo e pensou: fosse ele quem fosse, não iria prejudicá-lo.
Propôs, por fim:
— E se você me contasse tudo, me dissesse por que fugiu? Depois resolveremos o que fazer.
🍂🍁
O encontro dos Namjin chegou!!
Namjoon ainda está mal e um pouco amargurado por tudo o que aconteceu, então tenham um pouco de paciência com ele, tá? ❤️
Até semana que vem!