11:25 p.m.
– Agora nós vamos dormir, tá bem, pacotinho? – digo e dou um beijinho no meu irmão, me erguendo da poltrona com ele no colo.
No começo de setembro iniciamos uma conduta de sleep training com ele para que Tom consiga adormecer sozinho e não acorde no meio da madrugada. Minha mãe tem tido muita dificuldade de ficar ao lado dele enquanto ele chora pedindo atenção antes de finalmente adormecer, até porque ele chora muito quando eu ou Jake não estamos por perto.
Estou desde terça-feira em casa tentando fazer esse trabalho por ela. O meu coração se quebra em mil pedacinhos ao ver o meu irmão chorando no berço, ainda mais porque não posso fazer nada a não ser olhar para ele e esperá-lo cansar de chorar e adormecer.
– Boa noite, pacotinho. Durma com os anjinhos. Nos vemos amanhã – falo, o colocando em seu berço, acendendo um pequeno abajur na mesinha ao lado da poltrona, apagando a luz do teto e me sentando novamente porque preciso ficar aqui com ele até ele dormir.
Num primeiro momento, Tom não chora, mas depois de uns dois minutos sozinho, ele começa.
Pego o celular para me distrair do sofrimento que é ouvir o meu pacotinho não querendo dormir e nem ficar sozinho, e abro o Instagram. Não muito tempo depois, desce uma mensagem de Jake.
Ao clicar, vejo uma foto que me faz escorar as costas na poltrona e morder o lábio, interessada. Já tinha um tempo que esse safado não me mandava nudes. Talvez porque essa seja a primeira vez depois que começamos a namorar em que passamos dois dias sem transar. Já vi que agora toda noite vou receber uma foto como essa.
O choro de Tom me distrai do conteúdo da foto e eu não consigo pensar em nada excitante para escrever para ele e ajudá-lo a chegar aonde ele quer se exibindo pra mim desse jeito. Ontem de noite Tom chorou por vinte e cinco minutos seguidos até finalmente dormir. Acho que Jake não vai conseguir nenhum incentivo hoje vindo da minha parte.
Não demora muito, recebo uma segunda foto do pau duro de Jake inteiramente melado de esperma, o que me deixaria excitada em qualquer outro momento, menos agora ouvindo o meu irmão sofrer.
@jakecruz: Gozei tão gostoso agora imaginando você engolindo o meu pau.
@jakecruz: Depois me conta o que você imaginar essa noite. Estou com saudades <3
@haleyacampbell: Eu também, meu amor delicioso *-*
@jakecruz: Você tem alguma ideia de quando vou poder te ver de novo?
@haleyacampbell: Quando a nossa compatibilidade cair. Eu não sei quando isso vai acontecer.
@jakecruz: O que precisamos fazer para a compatibilidade cair?
@haleyacampbell: Nas últimas vezes que caiu, nós brigamos ou nos desentendemos de alguma forma.
@jakecruz: Eu não quero brigar com você, baixinha >_<'
@haleyacampbell: Nem eu, meu amor. Eu só queria estar aí agora pra dormir do seu lado.
@jakecruz: Então vem pra cá. A gente tenta se acostumar aos 95% de compatibilidade. Só precisamos ser sinceros um com o outro sobre o que estivermos sentindo e assim a gente não se machuca e nem briga.
Baixo o celular pensando sobre a compatibilidade e sobre o que pedi a Arthur. Se ele conseguir um encanto para anular a compatibilidade de Jake com outras pessoas que tenham Enon Heller, serei a maior beneficiada aqui. Não vamos mais precisar ficar desesperados com os 95% ou até com uma compatibilidade mais alta. Porém, como a rede de comunicação Heller de Ladiran é essa rádio fofoca onde há gente falando a todo momento, talvez, se realmente houver um encanto para anular a compatibilidade, Arthur leve um longo tempo para conseguir perguntar sobre isso lá dentro.
Preciso de uma alternativa para baixar a minha compatibilidade com Jake o quanto antes porque para mim é muito difícil ficar longe dele também. Acabo tendo uma ideia que, pela primeira vez na vida, torço muito para que o deixe chateado.
@haleyacampbell: Eu preciso te contar uma coisa...
@jakecruz: O quê?
@haleyacampbell: Amanhã de noite eu vou jantar fora com a Heidi, o Klaus e o Arthur.
@jakecruz: Só vocês três?
@haleyacampbell: Sim.
A notificação de mensagem lida fica como sendo a última durante algum tempo. Chateei Jake, o que eu não queria de jeito nenhum, mas precisava fazer. E, bem, eu teria que contar a ele sobre o jantar de amanhã de qualquer maneira. Se eu fosse jantar com Arthur pelas costas de Jake, aí sim o meu namorado ficaria muito bravo quando descobrisse.
@jakecruz: Você falou para ele que estamos namorando?
@haleyacampbell: Não.
@jakecruz: Algum motivo especial para isso não ter acontecido ainda?
@haleyacampbell: O assunto não surgiu entre a gente.
Estou piorando a situação, o que é ótimo e péssimo ao mesmo tempo. Que droga de relacionamento em que eu preciso estar mal para estar bem com ele porque se estivermos bem demais, vamos ficar mal demais. É muito confuso.
@haleyacampbell: Eu vou contar assim que eu puder, okay?
@jakecruz: Okay.
@haleyacampbell: Tudo bem se eu for?
@jakecruz: Você está pedindo a minha autorização?
@haleyacampbell: Não. Estou querendo garantir que isso não vai te deixar preocupado, magoado ou algo pior.
@jakecruz: Já estou preocupado ou algo pior.
@haleyacampbell: Por quê?
@jakecruz: Foi ele que fez o convite?
@haleyacampbell: Foi.
@jakecruz: Você aceitou MESMO um convite para um encontro duplo com o seu ex e os seus amigos?
@haleyacampbell: Não é um encontro duplo, Jake. Além do que o meu namorado é você e é com você que eu quero ficar, não com ele.
@jakecruz: E é com o seu ex, com quem você também tem compatibilidade alta e passou meses transando sem parar em Ladiran, que você vai sair amanhã depois dele ter te pedido um tempo. Pelo menos me diz que você está enxergando que ele te fez esse convite porque quer te comer.
@haleyacampbell: Ele me fez esse convite porque eu disse que queria encontrar a Heidi antes dela viajar para Kelowna já que eu não sei quando poderei vê-la de novo. O Arthur gosta de estar perto dos amigos, ainda mais depois de ficar tanto tempo praticamente sozinho em Ladiran. Fora que eu encontro o Arthur todos os dias na faculdade. Ele não precisa me chamar para ir jantar com os nossos amigos se a intenção dele é me comer.
@jakecruz: Essa é a intenção dele. Eu te garanto.
@haleyacampbell: Você não conhece o Arthur, Jake.
@jakecruz: Não conheço, mas eu vi os milhões de apetrechos sexuais que ele tinha em uma das caixas que deixou na casa do Shane e o depravado que ele deve ser pra ter tudo aquilo.
Eu tinha me esquecido dessa caixa. De fato, havia bastante coisa lá. A maior parte comprada durante o meu namoro com ele, mas eu não preciso dar esse detalhe agora porque Jake já está chateado o suficiente.
@haleyacampbell: Pode deixar que se eu sentir que ele tem qualquer segunda intenção comigo, eu vou contar sobre você, mesmo sem contexto para isso.
@jakecruz: De quanto é a sua compatibilidade com ele?
@haleyacampbell: Eu não sei, Jake. A compatibilidade caiu.
@haleyacampbell: Por favor, não se tortura com isso.
@haleyacampbell: Confia em mim, nada vai acontecer entre o Arthur e eu amanhã.
@haleyacampbell: Hoje o meu coração é todinho seu <3
Ouço os choramingos de Tom diminuindo de volume. Ele deve estar cansado de chorar já, o que é um enorme alívio porque eu também estou ficando cansada e tenho aula amanhã cedo. Com Arthur, aliás.
É melhor eu não dizer isso para Jake agora.
@jakecruz: Okay. Eu vou deitar, então. Conversamos melhor sobre isso amanhã, okay?
@haleyacampbell: Está bem, meu amor. Dorme bem. Eu te amo S2
@jakecruz: Eu também :*
Não tenho nem tempo de apagar a tela do celular e uma mensagem de Arthur surge no Telegram para mim.
Rei dos descolados: Consegui o encanto que você me pediu. Se estiver acordada, me liga pra eu te passar. Se não, te passo amanhã na aula.
Quase dou um berro de alegria ao ler a mensagem dele. Agradeço mil vezes ao Universo em voz baixa para os meus sons não afetarem o descanso de Tom.
Eu: Estou botando o meu irmão para dormir e já te ligo. Muito obrigada!
Aguardo mais cinco minutinhos até não somente o meu irmão parar de chorar, como também para ele adormecer enfim. Espero que Tom não demore mais muito tempo para ficar com o sono bem treinado porque a minha mãe quer muito voltar a trabalhar e ela precisa que ele durma a noite toda antes disso acontecer.
Saio de fininho do quarto, deixando a porta aberta para caso Tom necessite de algo no meio da madrugada, e vou para o meu já com o dedo no botão de ligar para Arthur. Mal chama, ele já atende.
– Boa noite, maravilhosa – Arthur diz ao atender.
Jake tem razão. Arthur quer me comer. Não que eu já não suspeitasse disso antes. Bom, diferente de com Jake, sexo com Arthur não é só sexo, envolve uma série de outras necessidades energéticas dele que vêm junto com o sexo. De repente é nisso que ele tem pensado para voltar a me chamar de maravilhosa.
– Boa noite, Artie – falo baixinho, encostando a minha porta e me sentando na cama. – Você conseguiu mesmo o encanto que some com a compatibilidade?
– Sim, só que eu não testei em mim porque não tenho ninguém aqui para sentir se a compatibilidade vai sumir. Você vai ter que descobrir sozinha.
– Tudo bem, sem problemas. Você me passando ele agora, eu me transporto para o apartamento do Shane e testo no Jake.
– Certo. Só tem um problema.
– Qual?
– Esse é um encanto pessoal. Quem vai ter que entoá-lo é o próprio Jake ou você vai ter que encantá-lo de algum jeito para ele repetir as palavras que eu vou te mandar.
Merda. Não quero Jake fazendo Shaantis, tampouco quero entoar um encanto que ele vai se tocar que tem algo estranho e me encher de perguntas.
– Eu dou o meu jeito aqui – digo sem desanimar.
– Okay. Estou colocando na página final do seu caderno. Lê e me diz se tem alguma palavra estranha para você.
Vou até a minha escrivaninha e puxo de lá o meu caderninho preto todo surrado. Abro logo na última página, onde vejo Arthur escrevendo uma série de palavras em Sulibar. Por enquanto conheço todas e sei como pronunciá-las.
Faltando três linhas para acabar o caderno, ele para de escrever. O Shaanti agora está completo. É meio longo, mas como não vou precisar memorizar, está tudo bem.
– A intenção por trás dele é óbvia: que a sensação da compatibilidade suma.
– Quantos pontos de Enon ele consome?
– Não sei. É melhor você testar em você antes e descobrir.
– Okay. Obrigada, Artie. De verdade, você foi incrível – digo empolgada. – Não sei nem como te agradecer.
– De nada, Haley. Faça bom uso dele.
– Com certeza farei. Vou agora lá no Jake colocar o encanto nele.
– Okay. Nos vemos amanhã, então. Boa noite, maravilhosa.
Respiro fundo, pensando se esse é o melhor momento para contar a ele sobre Jake. Jake vai ficar tão bravo se souber que eu deixei essa chance passar e eu não preciso dele mais chateado comigo do que já está. Porém, agora só quero acabar logo com a nossa compatibilidade e dormir ao seu lado.
– Boa noite, Artie. Nos vemos amanhã – me despeço.
Nós dois desligamos e eu me transporto para a sala do apartamento de Shane. O meu amigo está sentado no sofá com o laptop no colo e leva o maior susto quando me vê.
– Você quer me matar do coração, Haley? – Shane pergunta exaltado. Tadinho, suas mãos estão até tremendo um pouco.
– Desculpa, Shane. Eu preciso falar com o Jake. É urgente.
– Por favor, da próxima vez que você quiser se transportar pra cá do nada, me avise antes. Eu tenho o coração fraco, baixinha – Shane diz, se recuperando do susto.
– Aviso. Agora vou entrar aqui. Sugiro que você vá para o seu quarto porque vamos fazer barulho.
– O Jake está dormindo.
– Eu sei, mas ele vai querer acordar pro que eu quero fazer com ele.
Shane rola os olhos e se põe de pé com o laptop na mão.
– Sem detalhes, por favor – ele pede.
– Sim, senão você vai ficar imaginando. Eu sei.
Shane ri e beija o topo da minha cabeça antes de entrar em seu quarto e fechar a porta, nos dando a privacidade que precisaremos.
Devagar, entro no quarto de Jake e vejo tudo apagado.
– Jake – digo, tentando me encontrar no escuro. Com a ajuda dos meus pés, localizo o colchão no chão e vou engatinhando sobre ele até encontrar o corpo de Jake. – Jake, meu amor, acorda.
Não sei se Jake tomou remédio para dormir porque ele não costuma tomar quando eu durmo por aqui. Espero que não tenha, senão ele vai ficar totalmente zonzo enquanto faz o encanto.
– Haley? – ele pergunta confuso. Em seguida, o sinto tateando algo ao seu lado e a luz de seu abajur acende. Um sorriso gostoso se abre nos lábios dele. – Você veio me ver.
95% de compatibilidade é tão bom que por um instante esqueço o que vim fazer aqui e me jogo nos braços de Jake, que me embala com o rosto descansando em seu peito. É uma pena que não dê para ficar desse jeito a noite inteira, até porque, se tudo der certo, essa será a última vez que eu terei essa sensação intensa ao lado dele em sei lá quanto tempo.
– Jake, eu achei um jeito de não precisarmos mais ficar separados por causa da compatibilidade – falo para ele. O meu namorado coça os olhos rapidamente e eu me ponho de joelhos ao seu lado no colchão. – É um Shaanti que você precisa fazer e aí você não vai sentir a sua compatibilidade com ninguém e ninguém vai sentir com você. Só que você precisa fazê-lo sozinho, eu não posso fazer por você.
– Você quer que eu faça um Shaanti, então? – ele pergunta confuso.
– A gente precisa que você faça esse Shaanti.
Eu mais do que ele.
– Okay.
– Eu vou fazer primeiro para ver como ele funciona. Depois você faz, está bem?
– Ahan.
Abro na última página do caderno e entoo o encanto em voz alta, até para Jake ouvir os sons de todas as palavras, caso ele não conheça alguma. De repente, a sensação que eu tenho com Jake é como se nós dois fôssemos pessoas comuns, o que não sinto há bastante tempo. O brilho ao redor dele desaparece e a necessidade que eu sinto de me grudar a ele também. Não perdi muitos pontos de Enon, o que é um alívio. Agora tenho um constante em mim de novo. Minha pele parece um pouco insensível, no entanto.
– Deve ter funcionado porque eu não estou mais sentindo a nossa compatibilidade – Jake fala com um meio sorriso. – Onde você conseguiu esse Shaanti?
– O Arthur me passou. Ele me ligou logo depois que você foi pra cama e escreveu para mim no meu caderno.
A cara de Jake se fecha. Cadê o meio sorriso que estava no rosto dele nem cinco segundos atrás?
– Você falou para ele que estamos namorando? – Jake pergunta mais uma vez.
– Não tive tempo. Fiquei mais preocupada em vir até aqui para te passar esse Shaanti e resolver o nosso problema.
Ele mordisca o canto do lábio, receoso. Odeio vê-lo desse jeito, inseguro e com rastros de ciúme.
– Você acha que a sua compatibilidade com ele é maior do que 87%? – ele pergunta.
– Sim. Já chegamos a 93%, mas, como eu falei, agora com certeza é menos.
– Então, Haley, eu não quero que você vá jantar com ele. Eu sei o que 87% de compatibilidade faz com a nossa cabeça.
– Você sabe quando você tem 1 ponto de Enon, não quando tem mais de 1,500 e está mais estável.
As sobrancelhas de Jake vão aos poucos se contraindo até formar um longo e apertado sulco entre elas.
– Como você sabe quantos pontos de Enon eu tenho? – ele pergunta.
Ai, droga.
– Eu consigo medir, Jake. Eu vejo os meus pontos, os seus e os de qualquer outro Hile se eu tocar o corpo dele.
– Eu não sabia que você conseguia fazer isso.
– Tem pouca coisa que eu não consigo fazer, Jake. Agora vai, lê aqui o Shaanti, mantendo em mente que você precisa que a compatibilidade suma e eu vou abrir a janela para não deixar o cheiro do seu Shaanti empestear o quarto.
– Calma. – Ele segura o meu braço antes que eu consiga me levantar. – Eu não terminei de falar sobre o Arthur. Eu não vou ficar confortável se você for jantar com ele tendo essa compatibilidade toda. Você vai deixar esse Shaanti em você também?
– Não. Eu só entoei pra testar e ver como funcionava pra você poder fazer em você mesmo.
– Por que não vai deixar?
– Porque eu não preciso estar com esse Shaanti ativo, mas você sim. Se alguém quiser me desintegrar e me descobrir, eu tenho como me defender. Você não.
– Então me ensina a me defender.
– Eu não quero você fazendo Shaantis, Jake.
– Você está me passando um agora mesmo. Eu posso fazer os Shaantis que você quer, quando você quer, mas você não vai me ensinar os que eu preciso saber para me proteger? É isso? – ele pergunta e cruza os braços, carrancudo.
– Eu posso te proteger e é isso que eu estou fazendo. – Toco a perna dele. – Eu passei um tempão em Ladiran fazendo Shaantis e eu sei como utilizá-los. A sua experiência fazendo Shaantis é completamente diferente da minha e nós já tivemos uma discussão muito chata sobre isso quando estávamos em Banff na semana do natal, ou você não se lembra?
– Lembro. Lembro inclusive de você ter dito que também não faria Shaantis, o que você vem descumprindo há bastante tempo. Não é justo que você possa fazer Shaantis a torto e a direito e só eu tenha que cumprir o nosso acordo.
Puxo ar lentamente para os meus pulmões, pois preciso pensar em algo rápido para acabar com essa discussão.
– Jake, você quer ou não quer que eu passe o maior tempo possível com você, sem a gente sofrer com a compatibilidade, além de diminuir os seus riscos de ser encontrado por um desintegrador?
– Quero, mas eu também quero que você não vá nesse jantar com o Arthur. Ou, se for, que esteja com esse Shaanti aí.
– Isso não vai acontecer, Jake. O Arthur é meu amigo e eu sei me controlar perto dele.
– Então eu quero ir junto.
– O quê?
Estou acostumada com Jake se convidando para os programas que eu planejo, mas essa é a primeira vez que Jake faz isso por ciúmes.
– A gente chama o Shane também e saímos nós seis para essa despedida da Heidi. Eu tenho certeza de que o Shane vai gostar de fazer alguma coisa que não seja ir para a faculdade ou passar o resto da noite trancado em casa jogando no computador. Assim a gente pode ficar juntos. O que acha?
Dizendo bem a verdade, eu não me importo de Jake e Shane irem, mas Arthur e Heidi precisam concordar com isso e essa parte eu não sei como vai funcionar. Jake está propondo esse jantar a seis pelas piores razões possíveis, especialmente porque quer ter certeza de que Arthur não vai tentar nada comigo.
Ciente do ciúmes que também tenho de Jake, eu acho que ficaria mais segura se pudesse fazer o mesmo caso estivéssemos em posições opostas. Por isso, não faço cara feia nem nada.
– Eu vou falar com o Arthur e com a Heidi. Se eles disserem que está tudo bem, vamos nós seis – digo, enfim. Pela nossa empatia, sinto que ele está satisfeito porque eu ter aceitado a sua ideia mostra que não estou escondendo nada dele. – Agora, por favor, lê o Shaanti com a intenção que eu te falei. Eu vou abrir a janela.
Vou à janela enquanto Jake lê o que Arthur escreveu no caderno e a abro o máximo que consigo, o que acaba sendo só uma frestinha de um palmo. É melhor eu entoar um encanto para não deixar o cheiro escapar pela porta.
Faço exatamente isso e fico aguardando Jake terminar a sua parte.
Não sinto cheiro de magia Heller ao nosso redor. Tiro o encanto que fiz para mim a fim de descobrir se funcionou com Jake e constato que agora a nossa compatibilidade de 95% está aparente de novo.
– Não deu certo – ele diz.
– Você estava com a intenção correta?
– Sim.
Sento-me novamente no colchão e toco a perna dele mais uma vez para ver quantos pontos de Enon Jake perdeu, se é que perdeu algum. É aí que me lembro que ele está com o Enon mascarado. Seria um milagre ele conseguir entoar um encanto desse jeito.
– Eu vou fazer uma coisa aqui com você que vai te ajudar a entoar esse Shaanti e depois desfaço senão você pode se machucar com possíveis canais abertos, okay?
– Okay.
Desmascaro o Enon dele e Jake tenta de novo. Com a mão ainda em sua perna, vejo os seus pontos de Enon caindo e o cheiro de magia Heller empesteando o quarto com esse odor de morte que quase me faz enfiar o rosto no travesseiro para evitar inalar. Minha maior vontade é ensinar Jake a esconder esse cheiro, mas se eu o fizer, não tenho como garantir que ele vai se manter longe de Shaantis.
A compatibilidade entre nós desaparece e eu mascaro o Enon de Jake novamente. Não consigo evitar abrir o maior sorriso do mundo quando o sinto como uma pessoa comum de novo. Enquanto me aproximo dele para beijá-lo como não fiz até agora, agradeço ao Universo mais umas dez vezes, até todos os nossos encantos caírem como sempre caem ao entrarmos em renovação.
-
8:51 a.m.
Meu pai me entrega duas folhas de papel na porta da sala de aula, uma minha e outra de Arthur, e me manda entrar de novo para que eu leia com calma tudo o que está escrito ali pois essa será a ementa da matéria que eu mesma irei dar à equipe de infectados. Espero chegar na minha cadeira, ao lado da de Shane e atrás de Arthur, para entregar a de Arthur a ele e começar a conferir o que tem escrito na minha.
Num canto vejo vários nomes, totalizando vinte pessoas, e no outro canto leio os tópicos que precisarei ensinar a essas vinte pessoas. Separar Enon, mascarar Enon, como usar Enon Heller, encantos básicos em Sulibar, como esconder o cheiro de magia, dentre outras coisas. Honestamente, acho uma pena que esses vinte infectados na minha lista não saibam pelo menos separar os Enons deles, mascarar os Enons deles e nem esconder o cheiro dos seus encantos. A vida como infectado sem isso é bem difícil.
Ao conferir os nomes na minha lista, vejo o meu pai, Dean, Arthur, Brian, Urszula e, por incrível que pareça, Zoey.
– Shane! – chamo o meu melhor amigo e me levanto da cadeira, conferindo rapidamente se o professor dessa matéria já chegou. Shane me encara confuso. – Eu tenho uma ótima notícia para te dar. Olha essa lista.
Coloco a folha de papel na mesa de Shane, que vai passando o olho por tudo o que está escrito, até a sua expressão se expandir em surpresa.
– Por que o nome da Zoey está aqui? – ele pergunta ansioso. Arthur se vira para nós movido a curiosidade.
– Aparentemente ela vai fazer parte da minha equipe de infectados – digo contente. – Shane, isso só pode significar que ela está vindo.
– Baixinha, ela não apareceu a semana toda na faculdade. Não foi um erro?
– Eu duvido muito que tenha sido um erro, Shane – Arthur comenta e Shane passa até a respirar diferente. – Na quarta-feira de noite, o Wayne me ligou para perguntar se eu queria fazer parte da equipe e questionou o mesmo a um garoto que faz a matéria de "Encantos e minerais" comigo. Tenho certeza de que alguém ligou para a Zoey também. Se ela não apareceu a semana toda na faculdade, deve haver um motivo, mas eu duvido que ela não apareça na segunda-feira para a aula com a Haley. – Arthur dá uma piscadinha com um meio sorriso, que deixa Shane mais alterado ainda.
– Eles te deram a opção de participar da equipe de infectados? – pergunto.
– Sim.
– E você aceitou mesmo tirando de letra tudo o que eu vou ter que ensinar?
– Sim. O seu pai também vai fazer parte da turma, não sei se ensinando ao seu lado ou como aluno, e eu achei uma boa ideia estar presente para aprender ou te dar suporte, se você precisar. Sei que você não gosta de falar em público e nem de chamar atenção, então aceitei o convite.
Fico contente por Arthur estar disponibilizando uma hora e meia de sua semana para me apoiar com a minha equipe. Ele realmente não mede esforços para ajudar os amigos.
– E a sua? Como vai ser? – questiono.
Enquanto Arthur pega a folha de papel para colocá-la sobre a minha mesa, noto Shane digitando algo em seu celular para alguém. Não sei se para Zoey ou para Jake. Como ele está sorrindo, deve ser para Jake, porque acredito que ele continue bloqueado dos contatos de Zoey.
– Eu acho que a minha vai ser com as ordens teóricas porque reconheço alguns dos nomes aqui na lista como sendo dos colegas com quem eu tinha aula uma vez por semana no último semestre em Ottawa. Eles querem que eu ajude a criar uma enciclopédia de encantos Hile e um dicionário de Sulibar. Também vai ser um grupo de estudos para tentarmos decifrar Ladiran e entender um pouco mais sobre as mensagens que eu vejo nas Skads.
– Você vai trabalhar de novo com as Skads por dinheiro?
– Não vou fazer leituras pessoais por dinheiro. Vou explicar o que eu vejo em cada carta separadamente e quando elas estão acompanhadas de outras. Parece que aqui eles têm muito interesse em tudo o que diz respeito a como Enon pode ser utilizado. Eu estou gostando.
Quando paro para pensar no assunto, concluo que eu também. Para todas as aulas que eu tive até agora, os professores levaram apresentações de slides com os encantos em três idiomas diferentes. Eles colocam em rosa o encanto versão Mijin, em azul a versão Arkan e num amarelo escuro a versão Folman. Não há outras classes de Encantadores por aqui, mas se houvesse, com certeza iriam incluir os encantos para esses Encantadores também. É bacana ter aula com gente de tantas partes diferentes do mundo e com uma bagagem tão diferente da minha ou de qualquer outro Encantador Mijin. Tenho aprendido bastante e olha que só tive três dias de aula até agora.
– Eu também estou gostando daqui – falo.
– Eu contei para a Heidi sobre as matérias que estou fazendo e ela ficou triste que só tenhamos vindo para cá depois dela se formar. Ela queria participar de todas as que eu me matriculei.
– Você sempre pode ensinar a ela, né?
– Sim, com certeza. Aliás! – Arthur abre a mochila atrás de sua carteira e puxa lá de dentro um caderno preto. Se ele não estivesse tão bonito, eu diria que é o caderno dele de encantos, o que ele deixou aqui quando foi para Ladiran. Arthur deposita esse caderno ao lado da sua folha sobre a minha mesa. – Como o nosso caderno chegou ao fim, encantei esse outro para podermos continuar escrevendo os nossos encantos. Eu pretendo começar a fazer experimentos com Enon Hile em gemas na aula de "Encantos e minerais". Não sei você está fazendo alguma matéria que te permita fazer experiências também, mas seria bacana continuarmos o nosso legado com esse caderno novo.
– Claro! Obrigada, Artie! – digo e pego o meu segundo caderno encantado, o guardando na minha mochila, super animada. – Também não vou poder mostrá-lo a ninguém, certo?
– Certo, a ideia é que ele seja só nosso – Arthur sorri para mim.
Quando Arthur diz isso, Marvin pulsa nas minhas costas.
Haley, você prometeu ao Jake que iria contar ao Arthur o quanto antes sobre o namoro de vocês. Pelo jeito que o Arthur está te olhando agora, acho que essa seria uma excelente hora. Até porque o seu professor não chegou ainda.
Com uma leve tensão pesando no meu estômago, decido fazer o que Marvin quer.
– Nosso jantar está de pé, certo? – pergunto e Arthur assente. – 8:30?
– Isso.
– Okay... Deixa eu te perguntar... O Jake e o Shane podem ir com a gente?
Ele passa os olhos por Shane, que continua digitando em seu celular com um sorriso besta no rosto.
– O Shane eu não vejo problema, mas o Jake... – Arthur fala em Sulibar. – Depois do que aconteceu na faculdade, eu não acho que a Heidi vá conseguir ficar perto dele.
– Você não limpou os traumas dela como fez comigo?
– Não. Eu nem me lembrava disso, na verdade. Parece que faz um ano que eu prometi isso a ela.
– De repente, se você fizer esse encanto, ela não se importe com ele indo.
– Sendo sincero, eu acho que não tem muito a ver ele ir. Por que você quer que ele vá?
Shane agora largou o celular e está me olhando. Como quero garantir que eu terei alguém para explicar a Jake que eu tentei inclui-lo no jantar de hoje e não consegui, respondo em inglês mesmo.
– Quando eu contei para o Jake que iríamos só nós quatro, ele não gostou da ideia porque ficou parecendo que seria um encontro duplo com um ex-namorado que talvez ainda tenha interesse em mim – explico. O cantinho do lábio de Arthur sobe, achando graça. – E como eu e ele estamos juntos de novo desde junho, o Jake preferiu estar presente para ter certeza de que a suposição dele foi infundada.
Arthur coça a barba tentando esconder a surpresa causada pelas minhas palavras e a Professora Klein, que eu nem notei que já tinha entrado em sala de aula, liga o data show. Ela é um pouco mais velha do que os outros professores que tive até agora e usa os cabelos loiros pintados bem curtinhos. Ela tem a barriga saliente e quadril largo. Parece um pouco com Mrs. Brown.
– Eu não vejo problemas em ele ir se você me garantir que ele não vai tentar quebrar os meus dedos de novo ao me cumprimentar – Arthur diz num tom neutro, mas sua expressão deixa claro que ele não está nem um pouco feliz.
– Eu garanto. Pode deixar que antes do jantar, eu vou ter uma conversa séria com ele para evitar qualquer desconforto, mas antes eu preciso ter certeza de que a Heidi vai concordar.
– Okay. – Arthur se vira de frente para o quadro. – Eu ligo para ela no intervalo e te dou uma resposta final.
– Obrigada.
Parece que tirei uma tonelada dos ombros ao finalmente contar para Arthur sobre Jake e eu, mas esse alívio não sobrepõe o sentimento de culpa por tê-lo magoado. Espero que isso não afete a minha amizade com ele, ainda mais agora que Arthur entrou na minha equipe e faremos três matérias juntos.