Acompanhante de Luxo

By johnsonmayi

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Já passou da hora de Ana se casar e constituir família - pelo menos é isso que sua mãe acha. Mas se relaciona... More

Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Epílogo

Capítulo 12

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By johnsonmayi




Jab, jab, cruzado. Jab, jab, cruzado. Cruzado, cruzado, cruzado.

O suor escorria para os olhos de Christian, fazendo-os arder. Ele passou o antebraço no rosto antes de cerrar o punho e atingir de novo o saco de pancadas. Quando algum pensamento se infiltrava em sua mente, batia mais forte. Pensamentos demais, sentimentos demais.

Jab, esquiva, gancho. Jab, cruzado.

Seus braços queimavam. Era uma dor bem-vinda, que incinerava tudo dentro de sua cabeça. Não havia nada além da resistência pesada da areia dentro do saco e do grave impacto que provocava ondas de choque pelos braços e pernas.

Jab, jab, jab, cruzado, cruzado, cruzado. Mais forte. Será que conseguiria derrubar o saco de pancadas preso por correntes? Talvez. Cruzado, cruzado, cruzado, cruzado...

Batidas escandalosas na porta o interromperam no meio de um soco, e ele olhou feio naquela direção. Sua irritação logo se transformou em receio. Poderia ser o senhorio querendo falar sobre o aluguel?

Jogando uma toalha sobre o pescoço, Christian abriu a porta.

__E aí? - Steve passou por ele, colocou um pacote com seis long necks na mesinha de centro e atirou a jaqueta de motoqueiro sobre o sofá. Sem se dar ao trabalho de olhar para Christian, foi até a cozinha e abriu a geladeira. __Tem alguma coisa para comer?

__Quem trabalha num restaurante é você, - Christian respondeu, voltando aos socos.

O saco de pancadas ainda balançava por causa da sequência de golpes que tinha desferido. Christian o endireitou antes de cravar o punho outra vez no couro gasto. Enquanto atingia o equipamento, ouviu uma série de bipes de micro-ondas.

__Vou comer as sobras que encontrei aqui, - Steve avisou. Christian o ignorou e continuou batendo.

O micro-ondas apitou. Pouco depois, Steve apareceu com uma tigela fumegante, sentou no sofá e começou a devorar o jantar de Christian. Fazendo bastante barulho.

Quando cansou de aturar aquilo, Christian parou de bater e falou:

__A maioria das pessoas come na mesa da cozinha.

Steve deu de ombros.

__Prefiro o sofá. - Ele enfiou uma garfada de
macarrão na boca e chupou os fios pendurados. Em seguida lançou um olhar para o primo como quem pergunta "que foi?".

Christian cerrou os dentes e tentou retomar o ritmo.

__Você anda puxando ferro? Seus braços estão maiores. Parece até que você tem uns pãezinhos escondidos aí, cara.

Endireitando o saco de pancadas, Christian perguntou:

__O que está fazendo aqui?

__Você vai se desculpar comigo ou não? Porque está sendo um primo de merda. De verdade.

Ele fechou os olhos e soltou o ar com força.

__Desculpa.

__Vou ter que pedir para você tentar de novo.

Ele se afastou do saco de pancadas e se jogou no sofá ao lado do primo.

__Desculpa mesmo. As coisas estão complicadas para mim e... - Christian apoiou os cotovelos nos joelhos e cobriu o rosto com as mãos enfaixadas. __Desculpa.

__Não entendo por que mentiu sobre ter namorada. 'Ninguém especial' o cacete. Está com medo de que ela não goste da família ou coisa do tipo? - Steve  perguntou com um risinho de deboche.

Christian teve que se segurar para não arrancar os cabelos.

__Não quero falar sobre isso.

__Porra, Christian. - Steve pôs a tigela na mesinha ao lado das cervejas e pegou
a jaqueta. __Tô caindo fora então. - Ele foi até a porta e virou a maçaneta.

__Tive um dia de merda, tá? - Christian começou a tirar as bandagens das mãos. __Tudo bem que só ando tendo dias de merda, mas hoje foi pior. Pensei que a minha mãe tivesse morrido. Eu a encontrei jogada na
poltrona, achei que não estava respirando. Fiquei desesperado.

Steve se virou, com a preocupação estampada no rosto.

__Ela está bem? Por que não fiquei sabendo disso? Foi que nem das outras vezes
em que você a encontrou no banheiro? Ela foi para o hospital?

Terminando de remover as ataduras de uma mão, Christian passou para a outra, revivendo o medo, o alívio e a vergonha que sentiu.

__Ela está bem. Só estava dormindo. Brigou comigo por causa de toda a comoção que causei.

A expressão de Steve passou de alívio a divertimento.

__Você é um filhinho da mamãe mesmo, sabia?

__Como se você não fosse.

__Diz isso pra minha mãe. Quem sabe ela começa a me tratar melhor?

Christian revirou os olhos, ainda desenrolando as bandagens.

__Depois, apareceu alguém procurando meu pai. Querendo entregar uma intimação a ele. Não sei se era a mesma pessoa da outra vez, a Receita Federal ou alguém novo.É sempre engraçado ver a expressão na cara desse pessoal quando digo que sou filho dele. Dá para perceber que me medem dos pés à cabeça e começam a tirar conclusões. Quando digo que não faço ideia de onde ele está, que nem sei se está vivo, preciso encarar a desconfiança ou pena. Minha mãe passou o resto do dia repetindo a ladainha, reafirmando o merda que ele é.

__Ela só fala sobre isso com você, sabia? Nem com a minha mãe entra no assunto, e as duas são assim. - Steve cruzou os dedos para mostrar como eram próximas. __Precisa deixar sua mãe desabafar.

__Eu sei. - Christian entendia que falar a respeito fazia bem para a mãe e, na maior parte das vezes, conseguia lidar bem com a situação. Mas estava ficando cada vez mais difícil. Porque ele também era um cuzão egoísta.

Tal pai, tal filho.

Estava tentado a aceitar a proposta de Ana, apesar de lá no fundo saber que devia recusar. Era melhor que ela passasse o tempo com figurões do mercado de tecnologia e ganhadores do prêmio Nobel — pessoas com quem de fato combinasse e que pudessem acompanhar financeiramente seu estilo de vida.

Não era o caso de Christian. Embora estivesse disposto a fazer o que fosse possível para tirar o dinheiro da equação, as contas não paravam de chegar, então ele não podia parar de trabalhar.

__Quer que eu vá embora? - Steve perguntou da porta.

Christian pegou duas cervejas, abriu a tampa de uma usando a outra e pôs a aberta sobre a mesa.

__Fica aí.

Steve a apanhou e sentou ao lado do primo no sofá. Depois de um longo gole, trocou a cerveja pelo macarrão e recomeçou de onde havia parado, fazendo menos barulho.

Christian abriu sua cerveja na beirada da mesa, ligou a TV e bebeu enquanto trocava distraidamente de canal.

__Então, sobre a sua garota... - Steve começou. __Há quanto tempo vocês estão juntos?

Christian deu outro longo gole na cerveja. Ia precisar de um incentivo alcoólico para levar aquela conversa adiante.

__ Ana não é bem 'minha garota'. E faz só algumas semanas.

__Que seja, cara, você tem as manhas. Se quiser que uma garota seja sua, ela vai ser.

Christian soltou um risinho de deboche e bebeu mais um pouco.

__Não quero uma garota que goste de mim só porque sou bom de cama.

Ele queria uma garota que gostasse dele por quem era.

__Que puta papo furado.  - Steve trocou a tigela vazia pela cerveja e deu um gole. __Ela quase chorou quando aquela loira se jogou em cima de você. Está totalmente na sua.

O coração de Christian ameaçou dar saltos mortais dentro do peito quando ele ouviu aquelas palavras do primo. Teve que se repreender mentalmente enquanto se forçava a encarar a garrafa. Steve devia estar exagerando. Era melhor não tirar conclusões precipitadas.

__Legal.

__Legal? - Steve arqueou uma sobrancelha. __Você não está mais no colégio, cara. Deveria ficar superfeliz, me agradecer por ter falado, já que não consegue sacar porra nenhuma. Precisa de conselhos na cama também? Conheço umas paradas boas.

Christian teve que gargalhar.

__Não, estou tranquilo. Valeu. Mas se você precisar de umas dicas...

Steve começou a cutucar o rótulo da cerveja, como se tivesse alguma coisa a dizer, mas não soubesse como. Com um olhar bem sério, por fim perguntou:

__Você reparou que ela é meio parecida com o Khai?

Christian abriu um leve sorriso.

__Um pouco, acho. - Ana não tinha muito traquejo social, mas era bem mais expressiva e sensível que Khai. __Por quê?

Steve levantou as sobrancelhas e continuou bebendo a cerveja.

__Por nada. - Depois de um tempo, ele apontou a garrafa para Christian. __Então
vocês dois já...? Você sabe.

Christian deu um longo gole na cerveja.

__Não.

__Sério? - Steve fez uma careta. __Ela é virgem? Porra, é do tipo que quer se preservar para o casamento? Sai dessa logo.

Christian encolheu os ombros.

__Ela precisa que eu vá mais devagar. Não
ligo. Estou até gostando. - A cada nova reação de Ana ele se sentia melhor, como se a estivesse conquistando. Talvez porque naquele aspecto as coisas sempre tivessem sido fáceis demais para ele.

__Mentiroso do caralho. Deve estar tocando punheta umas dez vezes por dia.

__Eu não disse que não estava.

Steve passou para a ponta do sofá num pulo.

__Ah, caralho. Aqui no sofá?

__Quer mesmo saber? - Christian perguntou com um sorrisinho.

__Você é doente, sabia? - Steve levantou e foi sentar na mesa de centro, se esfregando como se tivesse sido contaminado.

Christian caiu na risada, depois os dois passaram um bom tempo em
silêncio, se ocupando só das cervejas.

Quando não conseguiu mais se segurar, Christian perguntou:

__O que você achou da Ana? Gostou dela? - Ele se preparou psicologicamente para a
resposta, percebendo que se importava de verdade com a opinião do primo.

Que idiotice era aquela? Mesmo se aceitasse a proposta, seria só o namorado de mentira dela. A simulação de relacionamento terminaria assim que Ana ganhasse confiança para se envolver de verdade com alguém melhor.

__Ah, sim, ela é bonita, e bem mais meiga que as garotas com quem você costuma se envolver. Sua mãe vai pirar nela.

Christian pôs a cerveja sobre a mesa. Era pouco provável. As duas teriam que se conhecer primeiro, o que não ia acontecer.

__Qual é o sobrenome dela? - Steve perguntou, sacando o celular.

__Por quê?

__Quero ver se tem perfil no LinkedIn. Faço isso com todos os caras com que minha irmã sai. Você não fica curioso? - Sim, ele estava curioso.

__Steele. Ana Steele.

                                        ****

Um zumbido persistente despertou Ana de mais um sonho quente com Christian. Durante toda a semana, não conseguira parar de pensar nele.

No trabalho, tentava se concentrar nos dados, mas as palavras e os números se transformavam em partes corporais que se harmonizavam de formas fascinantes. Ela fantasiava com as mãos, a boca, o sorriso, os olhos, as palavras, a risada — enfim, com a presença dele.

Quando dormia, era atormentada pelos sonhos, tão intensos que o desejo a acordava no meio da madrugada.

A sexta-feira anterior a levara além dos limites. Quanto àquilo não havia dúvidas.

Ana estava oficialmente obcecada por Christian.

E eles poderiam nunca mais se ver. A sexta-feira havia chegado, e ele ainda não tinha entrado em contato nem por mensagem nem por telefone. Seria uma daquelas situações em que o não era irreversível? Seu coração estava apertado e seu corpo pesava de tristeza.

O zumbido infernal continuava, distraindo-a. Ela tateou no criado- mudo até encontrar o celular. Estreitou os olhos para ler o nome na tela e viu que era a faxineira.

Ana deu uma tossida antes de atender, como que para tirar o sonho erótico da garganta.

__Alô?

__Srta. Steele, não vou conseguir ir hoje. Minha filha ficou doente e tenho que ficar com ela.

__Ah, tudo bem. Obrigada por avisar. Espero que ela melhore logo.

__Posso compensar na semana que vem?

__Claro, sem problemas. - Ana olhou para o relógio, e seu coração quase saiu pela boca. Eram quase oito horas. Àquele horário ela costumava já estar a postos em sua mesa.

Estava quase desligando quando ouviu a faxineira dizer:

__Talvez você deva levar as roupas na lavanderia, já que não vou hoje.

__É verdade. Obrigada por me lembrar.

__Imagina. Tchau.

Ana chegou a pensar em desistir da ida à lavanderia. Além de não saber onde havia uma, não gostava da ideia de incluir uma tarefa extra na rotina matinal. Era... irritante, e mais um motivo de ansiedade. Um lugar novo. Com pessoas novas. Depois do desastre da casa noturna, sua tolerância a novidades batera um recorde negativo.

No fim, foi o pensamento de que não teria o número certo de saias e camisas penduradas no armário que a levou a procurar na internet lavanderias próximas à sua casa. Ela escolheu o estabelecimento com a melhor avaliação, apesar de ficar meio fora de mão.

Sem tempo a perder, porque o chefe provavelmente chamaria a polícia se não a encontrasse no escritório assim que chegasse, Ana foi por El Camino Real, saindo de Palo Alto e entrando em Mountain View. Depois de mais ou menos quinze minutos, estava no estacionamento de uma pequena galeria comercial com uma fachada de madeira bem conservada e carvalhos alinhados junto à calçada. Letreiros à moda antiga assinalavam a presença de um café, uma academia de artes marciais, uma lanchonete e o local que procurava: a Lavanderia e Alfaiataria Paris.

Ela pôs a bolsa e a sacola com as roupas no ombro e atravessou o estacionamento asfaltado. Uma senhorinha corcunda e miúda, com bochechas de esquilo e lábios retraídos, estava parada diante da porta. Uma echarpe estampada cobria sua cabeça, amarrada sob o queixo. Devia ser o adulto mais fofo que Ana já tinha visto na vida.

Ela segurava uma tesoura de poda nas mãos enrugadas, que brandia em vão na direção do carvalho em frente à lavanderia.

Ana deteve o passo, surpresa e encantada com o que via. A velhinha sacudiu a
tesoura com movimentos perigosos, quase abrindo um corte na própria perna. Então estendeu o cabo da ferramenta, apontou para Ana e depois para a árvore.

Ana olhou para trás, mas, como imaginava, a senhorinha estava mesmo se referindo a ela.

__Acho melhor eu não...

A velhinha apontou para um galho baixo na árvore.

__Corta.

Ana percorreu o estacionamento com os olhos, mas não havia ninguém por perto. Então subiu na calçada e pegou a tesoura gigante e pesadíssima da mão da mulher. Aquilo era um acidente anunciado.

__É melhor chamar uma empresa de
jardinagem. Sem dúvida vão ter alguém para...

A velhinha sacudiu a cabeça. Mais uma vez, apontou para Ana e para a árvore.

__Corta.

__Está falando disso? - Ela apontou com a ponta da tesoura para o galho baixo.

__Hummm. - A mulher fez que sim com a cabeça com todo o vigor. Seus olhos
escuros reluziam no rosto enrugado.

Ana não tinha escolha. Tinha medo de que, se não fizesse aquilo, a velhinha
tentaria de novo e talvez se ferisse seriamente no processo. Não sabia nem como ela conseguia segurar aquela tesoura sem deslocar todas as vértebras da coluna.

Com movimentos desajeitados sobre os saltos altos — já tendo a bolsa e a sacola no ombro, além da tesoura pesada —, Ana se posicionou sobre a grama na base da árvore para poder se aproximar do galho.

__Não, não, não, não, não.

Ela ficou paralisada com uma perna no ar e o coração pulando no peito como um acrobata de circo.

A velhinha apontou para o gramado que, visto mais de perto, parecia... um canteiro de hortaliças.

Com todo o cuidado, Ana posicionou o pé na terra entre as plantas.

__Hummm, - a velhinha murmurou antes de apontar de novo para o galho. __Corta.

Com uma força milagrosa e sobre-humana gerada pela adrenalina, Ana ergueu a tesoura sobre a cabeça, posicionou-a em torno do galho estreito e o cortou com um estalo. O galho despencou sobre a calçada como um passarinho caído do ninho. A velhinha levou a mão ao joelho, pronta para se agachar e recolhê-lo, mas Ana se afastou às pressas da árvore e fez isso por ela.

A mulher sorriu ao pegar o galho na mão, então deu um tapinha no ombro de Ana. Em seguida viu a sacola de roupas dela, deu uma espiada lá dentro e pôs a mão na alça, puxando-a para a lavanderia. Abriu a porta de vidro com uma força surpreendente. Depois que entraram, ela pegou a tesoura da mão de Ana, escondeu atrás das costas como se aquilo fosse impedir alguém de vê-la e desapareceu por uma porta atrás do balcão vazio.

Ana olhou ao redor, notando a presença de dois manequins sem cabeça na vitrine, vestindo um smoking preto bem cortado e um vestido de noiva de renda com caimento perfeito. As paredes eram de um tom de azul tranquilizador, e havia cortinas brancas esvoaçantes e bastante luz natural.

Uma prova de roupa acontecia numa sala adjacente. Uma matrona de aspecto respeitável vestia um macacão branco sem mangas sobre uma plataforma elevada entre três espelhos.

Ana ficou imóvel, totalmente perplexa.

Ajoelhado aos pés da mulher estava Christian.

Ele usava uma calça jeans larga e uma camiseta branca justa nos bíceps. Parecia lindo, totalmente à vontade. Havia uma fita métrica em seu pescoço, caindo sobre o peito, e uma almofada repleta de alfinetes afiados em seu pulso. Ele tinha até um lápis azul atrás da orelha direita.

__Que tipo de sapato você pretende usar com essa roupa? - ele perguntou à mulher.

__Estes mesmos, na verdade. - A mulher puxou a barra da calça para revelar sapatos de salto alto convencionais.

__É melhor usar um aberto nos dedos, Margie. E uns três centímetros mais alto.

A mulher comprimiu os lábios, olhou para o pé e inclinou a cabeça para um lado e depois para o outro. Depois de um momento, assentiu.

__É verdade. Tenho o sapato perfeito em casa.

__Vou subir um pouco a bainha então. Como está na cintura?

__Confortável até demais.

__Imaginei que você fosse comer quando usasse a roupa.

__Você pensa em tudo, não é mesmo? - Ela se virou para ver no espelho a cintura ajustada com alfinetes de perfil.

Christian revirou os olhos, mas sorriu.

__Não se esqueça do batom.

__Como poderia esquecer? Bem vermelho. Vai ficar pronto até sexta que vem?

__Vai.

__Ótimo.

Ela se retirou para um provador ainda com o macacão, e Christian apanhou uma peça de estampa florida no encosto de uma cadeira. Ele ajustou os alfinetes e tirou o lápis da orelha para marcar o tecido, com os olhos focados e as mãos se movendo com competência.

Na cabeça de Ana , as peças dispersas finalmente se encaixaram. Aquele era Christian em seu estado natural. Aquilo era o que ele fazia quando não estava trabalhando como acompanhante. Ele era um alfaiate.

Christian sacudiu o tecido e o pendurou no braço antes de ir buscar mais uma peça marcada com alfinetes.

Quando notou a presença dela de canto de olho, falou:

__Atendo você num segun... - Os olhos dos dois se encontraram, e ele ficou boquiaberto.

Christian congelou.

Ana congelou.

__Como foi que você...? - Ele olhou pela vitrine como se pudesse encontrar a resposta do lado de fora do estabelecimento.

Seu coração disparou. Aquilo não parecia nada bom, e sim um caso de obsessão absoluta. Mas não era justo. Ana só concluíra que estava obcecada por ele naquela manhã. Não tivera nem tempo de rastreá-lo e persegui-lo. Sua chance mínima de um acordo em tempo integral tinha sido jogada pela janela.

Ela deu um passo para trás.

__Eu já vou indo.

Christian transpôs o recinto em passos acelerados e a pegou pela mão antes que saísse.

__Ana...

O braço dela foi percorrido por uma onda de eletricidade em reação ao toque. Ana sentiu vontade de chorar.

__Trouxe minhas roupas para lavar. Nem sabia que você trabalhava aqui. N-não estou perseguindo você. Sei que não é o que parece.

A expressão dele se atenuou.

__Na verdade, parece que você trouxe roupas para lavar. - Ele pegou a sacola do ombro dela. __Já te atendo.

Christian colocou suas coisas sobre o balcão e começou a contar as camisas com a eficiência de um profissional. Suas bochechas, no entanto, tinham um rubor incomum.

__Isso é constrangedor para você? - Ana perguntou, detestando deixá-lo sem jeito.

__Um pouco. Acredite ou não, é a primeira vez que uma cliente vem aqui. Sete camisas. Devem ser sete saias também, então. - Ele as contou e deu uma boa olhada em Ana. __Você trabalha todos os dias da semana?

Ela assentiu com um movimento exagerado.

__Prefiro o escritório nos fins de semana.

Ele inclinou um pouco o canto da boca.

__Entendo. - Não havia nenhum julgamento em seu tom de voz, nenhuma crítica, nada que insinuasse que se tratava de algo prejudicial à saúde ou à vida social dela. Christian não achava que havia algo de errado com Ana. Ela teve vontade de pular o balcão e se jogar nos braços dele.

Só então Christian percebeu que havia algo mais na sacola. Quando a virou, o vestido azul caiu.

Os olhos dele se ergueram e se acenderam ao encontrar os dela.

Ana se agarrou ao balcão quando as lembranças do sorvete compartilhado vieram à sua mente. Lábios gelados e sedosos, menta com chocolate, o gosto da boca dele. Beijos sem pressa num lugar lotado.

__Alguma instrução especial? - ele perguntou, meio rouco.

Piscando várias vezes para afastar as lembranças, Ana forçou sua mente a se concentrar no presente.

__Não precisa engomar. Não gosto de sentir o tecido duro na...

__Sua pele, - ele completou, passando o polegar sobre o dorso da mão dela.

Ana confirmou com a cabeça e tentou pensar em algo para dizer. Seu olhar acabou pousando no vestido azul.

__Comprei essa roupa porque gostei da cor e do tecido. - A peça sedosa e bem estruturada tinha sido um belo complemento para o terno de Christian... __O terno, - ela murmurou. __Foi você que fez?

Ele baixou os olhos e abriu um sorriso de menino envergonhado.

__Foi.

Ela ficou boquiaberta. Se ele consegue fazer isso, por que trabalha como acompanhante?

__Meu avô era alfaiate. Pelo jeito, está no meu sangue. Gosto de fazer roupas.

__Você faria uma para mim?

__Você teria que ficar um tempão de pé. Não é nada legal. Tem certeza de que ia querer?

O tom de voz dele era cheio de convicção, mas não a expressão em seus olhos. Ana demorou um tempinho para perceber que aquilo o fazia se sentir vulnerável.

Seria possível que Christian duvidasse que alguém pudesse se interessar por ele não só por causa do corpo que tinha?

__Tenho roupas feitas sob medida, lembra? Sei como é. E acho que vale a pena. Você tem talento. Quero usar seus modelos.

__É verdade. Tinha esquecido. - O sorriso de menino apareceu de novo, quase tímido. Ela sentiu vontade de abraçá-lo e não soltar nunca mais.

__Fiquei esperando notícias suas, - ela murmurou.

O sorriso desapareceu do rosto de Christian, e sua expressão ficou séria.

__Eu precisava pensar.

__Vai aceitar minha proposta? - Por favor, diz que sim.

__Ainda está de pé?

__Claro. - Ela não conseguia pensar em uma única razão para mudar de ideia.

__Nada de sexo?

Ela respirou fundo e assentiu.

__Isso mesmo.

Ele se inclinou para a frente e perguntou baixinho:

__Porque você quer ter certeza de que o próximo homem que te beijar e tocar vai fazer isso só porque está a fim?

__I-isso. - Ela se inclinou na direção dele à espera da resposta, quase com medo de soltar o ar dos pulmões.

__Eu aceito.

Ana sorriu, atordoada e aliviada.

__Obriga...

Ele levantou o queixo dela e a beijou. Uma sensação de eletricidade pura pulsou dentro de Ana. Se não estivesse se apoiando no balcão, teria caído. Quando ela murmurou, ele intensificou o beijo, dominando sua boca com a língua como ela queria que...

A porta atrás do balcão se abriu.

Eles se separaram às pressas, como dois adolescentes pegos em flagrante. Christian limpou a garganta e tratou de se ocupar das roupas no balcão. Ana comprimiu os lábios, sentindo o gosto dele em sua pele e limpando a umidade com o dorso da mão.

Pela expressão no olhar da mulher que entrara, havia visto tudo... e estava curiosa. Tinha óculos redondos no alto da cabeça, num ângulo que desafiava a gravidade, e os cabelos pretos presos num rabo de cavalo, com várias mechas soltas. Vestia um suéter estampado e calça xadrez verde. Como Christian, tinha uma fita métrica pendurada no pescoço.

Ela estendeu um traje desconstruído para Christian e apontou para uma parte da costura. Os dois começaram a conversar num idioma acelerado e tonal que parecia ser vietnamita.

Quando Christian se inclinou sobre a peça com uma expressão pensativa no rosto, a mulher abriu um sorriso distraído para Ana e deu um tapinha no braço dele.

__Ensinei tudo para ele quando era pequeno, agora é ele quem me ensina.

Ana forçou um sorriso. A mãe de Christian havia pegado os dois se beijando? Tentou encontrar semelhanças entre os dois, mas nada se destacou a princípio.

O impressionante rosto de Christian equilibrava feições orientais com ângulos ocidentais. Seus ombros largos e sua estrutura forte e vigorosa estavam muito distantes daquela mulher miúda.

Ana ajeitou os óculos no rosto e passou as mãos na saia, desejando estar usando um jaleco e um estetoscópio.

Do outro lado da porta aberta, cabides com roupas em diferentes estágios de
confecção e máquinas de costura profissionais preenchiam o amplo espaço de trabalho. Uma arara circular mecanizada que transportava roupas protegidas por plástico ocupava o lado esquerdo do recinto, e incontáveis carretéis cobriam as paredes. A velhinha de antes estava sentada em um sofá gasto no canto direito, vendo televisão sem som. A tesoura de poda não estava em lugar nenhum à vista.

__Com que você trabalha? É médica? - a mulher perguntou com uma esperança mal disfarçada.

__Não, sou econometrista. - Ana contraiu os dedos e olhou para os próprios sapatos, esperando uma reação decepcionada.

__É o mesmo que economista? -
Os olhos de Ana se ergueram rapidamente, surpresos.

__Parecido, só que envolve mais matemática.

__Sua namorada já conheceu Janie? - a mãe perguntou a Christian.

Ele ergueu os olhos da peça com uma expressão preocupada.

__Não, ela não conheceu Janie, e não é a minha... - Então se deteve, olhando para a mãe e depois para Ana.

O dilema estava bem claro. Como deveriam se apresentar em público?

__Ela não é o quê? - a mãe perguntou, confusa.

Ele pigarreou e se concentrou na peça de roupa que estava em suas mãos.

__Ela não conheceu Janie.

Uma onda de calor inesperada se espalhou pelo corpo de Ana. Ele não corrigiu a mãe. Aquilo significava que iam agir como namorados em público?

Um desejo desesperado tomou conta de Ana, numa intensidade que a surpreendeu.

__Quem é Janie? - ela encontrou forças para perguntar. Já tinha ouvido aquele nome antes.

__A irmã dele. - A mãe pareceu pensativa por um tempo. Em seguida seus olhos brilharam e ela falou: __Você deveria ir jantar lá em casa hoje à noite. Pode conversar com Janie sobre economia. Ela está estudando em Stanford, e anda tentando arrumar em emprego. Minhas outras filhas também vão querer conhecer você. Ninguém sabia que Christian estava namorando.

As palavras da mãe soterraram qualquer outra emoção que Ana pudesse sentir. De novo, ela dissera que era namorada de Christian. Casa. Jantar. Irmãs. As palavras dançavam em sua cabeça, se recusando a fazer sentido.

__É só aparecer. Mesmo se tiverem planejado alguma coisa, vão precisar comer antes. Christian pode fazer bún. É muito gostoso... Me esqueci de perguntar: qual é seu nome?

Atordoada, ela respondeu:

__Ana. Ana Steele.

__Pode me chamar de Grace...

__Grace.? - repetiu Ana.

Ela sorriu em sinal de aprovação.

__Não coma nada antes de ir.
Sempre tem um monte de comida em casa.

Ela juntou as mãos como se estivesse tudo combinado, preencheu o recibo da lavagem das roupas de Ana e o entregou.

__Ficam prontas na terça de manhã.

Em estado de pânico, Ana enfiou o recibo na bolsa, murmurou um agradecimento e saiu em direção ao carro, passando pela horta da avó dele — ou pelo menos era o que achava que a velhinha era. Quando se acomodou no assento do motorista, as palavras de Grace ecoaram em sua cabeça.

Casa. Jantar. Irmãs.

A porta da lavanderia se abriu, e ele correu até ela. Ana baixou o vidro, e Christian apoiou as mãos na lateral do carro.

__Não precisa ir se não quiser. - Ele franziu a testa, hesitante. __Mas talvez...

__Talvez o quê? - ela se pegou dizendo.

__Talvez seja útil pra você.

__Vamos usar sua família para treinar? - O fato de Christian confiar nela o bastante para deixar que se envolvesse com as pessoas mais importantes da vida dele a deixou comovida de uma forma até difícil de entender. Aquele desejo de antes voltou.

__Você vai tratar todo mundo bem? - ele perguntou com uma expressão bem séria.

__Sim, claro. - Ela sempre se esforçava para aquilo.

__E vai manter a questão do nosso acordo entre nós? Ninguém lá sabe sobre... o que eu faço.

Ana assentiu. Ele nem precisava ter dito aquilo.

__Então por mim tudo bem. Se você quiser.

__Eu quero. - Mas não porque precisava praticar.

__Então vamos em frente. - Os olhos dele se voltaram para seus lábios. __Chega mais perto.

Ana se inclinou na direção dele, mas olhando para a frente da loja.

__Ela pode estar olhan...

Christian a beijou de leve na boca. Só um beijo. E logo se afastou.

__A gente se vê hoje à noite.

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