— Pelo amor de Deus, pare ali!
Estacionei com urgência na primeira lanchonete que nos apareceu. Chequei o horário, tínhamos apenas vinte minutos para chegarmos à delegacia.
— Me fale o que vai querer! — pedi para Felton.
— Pode deixar que eu vou olhar lá, não se pre...
— Temos pouco tempo, olhe! — apontei para o painel que marcava cinco e quarenta e três — Me fale o que vai querer e comemos no caminho.
Anotei mentalmente o pedido de Felton e corri para dentro da lanchonete, o estômago roncando ao implorar por alguma comida verdadeiramente calórica.
O atendente, vendo minha farda, sentiu-se intimidado a me atender com mais urgência. Agradeci aos céus pelos privilégios, mesmo que hipocritamente.
Apanhei os pedidos e notei um machucado que não sabia de onde vinha. Dei de ombros, esse tipo de coisa acontecia com frequência.
Voltei para o carro na mesma velocidade que saí dele, Felton tinha as mãos e pernas inquietas; tamborilava os dedos pelo painel, balançava as pernas pelo impulso do calcanhar e suava frio.
— Tome! — taquei a sacola para ele que a segurou e enfiou a mão nela em busca de seu lanche — Agora, precisamos ir. Abra meu burrito para mim.
Levamos cerca de quinze minutos para chegarmos na delegacia, pontualmente e com a barriga cheia. Felizes e abastecidos para mais um dia de trabalho.
Devida a correria, mal tive tempo de reparar no quanto Beacon Hills tinha mudado; grandes prédios ocupavam o que um dia foram casas e parques, postes a cada cem metros que provavelmente faziam da noite um momento brilhante e restaurantes do mais variados tipos espalhados pela cidade. Ver tudo aquilo de uma vez foi como um soco.
É amigo, o tempo passou. Minha consciência debochou.
Quem nos recebeu foi uma jovem de cabelos castanhos num corte chanel, olhos também castanhos e uma feição nada amigável.
— Malia!
Foi quase um alívio ver alguém que conhecia depois de anos distante. Minha voz quebrou a carranca que ela tinha e despertou um sorriso largo e genuíno.
Nos abraçamos saudosos.
— Não acredito que está aqui! — Bateu em minhas costas com força — como tem sido as coisas no FBI?
Engasguei um pouco antes de responder.
— Ah... hum... têm sido... eletrizantes.
O olhar da coiote tornou-se terno e compassivo.
— Soube de Lydia... — começou casualmente — Sinto muito.
Engoli a raiva que subiu pela cabeça. Sentia muito? Por quem? Por acaso ela estava morta?
— Tudo bem. Vamos entrar.
Assim como o resto da cidade, a delegacia tinha mudado. Estava maior, com mais funcionários e salas. O hall também tinha uma maior quantidade de cadeiras e no cômodo principal, fileiras e mais fileiras de escrivaninhas pessoais ocupavam o lugar.
Não foi difícil identificar uma cabeleira castanha no meio da muvuca que ali se formava, Parrish — o então xerife de Beacon Hills — se destacava de todas as formas ali.
— Escute, Johnson, preciso que libere a sala B4 para o Agente Stilinski e o Agente Felton, pedido da Detetive Marriott, é urgente.
Franzi o cenho um pouco confuso antes de me posicionar perto do hellhound e estender a mão com um sorriso ético no rosto.
— Ah! Stiles! — ele a segurou com firmeza — já estamos preparando a sala de vocês dois, é logo ali.
Felton, que permaneceu em silêncio a maior parte do tempo, não resistiu à dúvida que crescia não apenas em sua mente, como também na minha.
— Uma sala?
— Agente Marriott disse que terá de fazer duas investigações simultaneas e, por isso, precisará de reforços dobrados.
Assenti apenas com o corpo, minha mente, por sua vez, estava confusa e ansiava por explicações. Meu maior medo era de tudo aquilo não ser apenas uma faxada para me impedir de participar da investigação principal devido... Bem, devido aos eventos anteriores com a mulher.
E pior; se este fosse o caso, afetaria também a Felton que não tinha nada a ver com nossa apatia um com o outro.
— Vamos, teremos uma reunião geral dentro de três minutos — Parrish interrompeu meu raciocínio.
Toda a movimentação foi direcionada para o que antes era a sala de meu pai, mas que no dado momento tinha a característica mesa ocupando todo o local, um data show e quadros negros e verdes — daqueles que usamos para pregar avisos na escola.
Sentei-me entre Malia e Felton e observei Marriott e Parrish ficarem lado a lado para o início de uma nova jornada.
— Gostaria de cumprimentar a todos que estão presentes, eu sou Jordan Parrish, xerife de Beacon Hills desde 2019 — o hellhound começou — Essa reunião foi convocada para atualizarmos a todos sobre a investigação dos três assassinatos que aconteceram nas últimas semanas.
"Nós, da polícia local, iniciamos a investigação, mas optamos pela ajuda do FBI que nos enviou a Agente Marriott e sua equipe", Parrish, de pé em frente ao data show, abriu espaço para a detetive.
A mulher usava a farda do FBI como todos os integrantes da unidade, os cabelos estavam molhados e jogados para trás em ondas castanhas, resquícios de uma tatuagem manchavam o pescoço.
— Obrigada pela recepção, xerife. É um imenso privilégio para nós estarmos aqui como uma equipe digna de confiança para trazer paz à cidade de vocês. Gostaria de apresentar minha equipe para a melhor desenvoltura de nossos relacionamentos.
"Temos minha assistente, Agente Javier", uma mulher de cabelos e olhos castanhos, com traços latinos e pele morena, sorriu levemente e acenou para os demais oficiais. "Também temos os agentes Jackson e Harrison, que cuidarão bem de toda a documentação do caso", ambos os homens eram esguios e de altura mediana, mas apenas Harrison usava óculos quadrados e carregava uma pasta.
— E, não que vocês não conheçam ele, estamos com o Agente Stilinski e seu assistente, o Agente Felton.
Levantei meus olhos para os policiais e sorri para algumas caras conhecidas que retribuiram o cumprimento com certa timidez.
O resto da reunião foi direcionada aos dados que já tínhamos recebido de antemão. Eu e Felton já estávamos mortos de tédio quando finalmente fomos dispensados.
Juntei os papéis entregados com uma só mão e avancei porta afora, dando de cara com um cara baixo, de cabelos cacheados grandes como eram no primeiro ano do ensino médio, pele morena e duas linhas pretas traçadas no braço.
Era Scott.
Uma leve palpitação me acordou do transe, um sorriso se estendeu em meu rosto e puxei o alfa para um abraço firme e repleto de saudade, os papéis se amassando entre nossos corpos.
— Ah, depois dessas drogas de cinco anos! — exclamei, feliz — O que está fazendo aqui?
— Vim trazer o almoço da Malia — levantou o pano que envolvia uma vasilha plástica — ela não curte muito comer nos restaurantes aqui perto, fala que gasta muito dinheiro.
— E com razão — concordei — você não faz ideia do quanto que isso me custou em Nova Iorque.
— Nova Iorque, é? — Scott cotovelou minhas costelas sem muita força — E como é lá?
— Pra falar a verdade, não sei muito. Fiquei pouco tempo e apenas indo de um lado para o outro por conta do caso. Mas e aqui? Como anda a cidade com todo o rumor...
— Tensa — o alfa respondeu de prontidão — Três mortes em três semanas, todas na reserva e as vítimas sempre marcadas pelo círculo com um triângulo no meio. É claramente um lobisomem.
Mordo os lábios, intrigado.
— Inclusive — Scott se aproximou de mim e começou a cochichar — Parrish vai separar uma equipe para me acompanhar numa ronda que irei fazer no final da semana. O que acha?
Ponderei.
Uma equipe de policiais — provavelmente sobrenaturais — espalhados pela reserva florestal em busca de um serial killer... o que poderia dar errado?
— Estou dentro. Quando nos encontramos?