Aquele com o cara sem camisa
O quarto estava girando. Ou talvez fosse eu? Não sei dizer, mas sei que o barulho do meu despertador nunca pareceu tão alto e irritante. Sem nem levantar minha cabeça, enterrada no travesseiro, tateei a cama em busca do aparelhinho que estava tentando me matar com aquele som. O encontrei perto da cabeceira e logo ele já estava desligado e a paz restaurada! Pelo menos foi isso que eu pensei.
Nem um minuto tinha se passado quando a porta do quarto se abriu e comecei a escutar alguém gritar meu nome:
- Vamos Louis, você não pode atrasar de novo! Vai, levanta!
- Me deixa dormir, mãe! Minha cabeça tá doendo! - Não tinha certeza de ser minha mãe, mas quem mais seria a essa hora, me acordando desse jeito? Confesso que minha cabeça latejava tanto que não consegui distinguir nem se era um homem ou uma mulher que me chamava.
- Mãe? E eu lá tenho idade para isso? Eu sinto muito pela sua cabeça, mas nada que uma aspirina não resolva! Vamos, ou vou ter que chamar a dona Jay de verdade pra te tirar daí? - O completo estranho dizia enquanto me puxava delicadamente pelos tornozelos para fora da cama.
- AAAAAA, 'tá bom! - Me virei na cama bufando e dando de cara com brilhantes olhos verdes que me encaravam. Num pulo me coloquei sentado, encostado na cabeceira, e sabia que em meu rosto uma mistura de medo e confusão estava estampada. - Quem é você?
- Ha ha ha, muito engraçado, mas anda logo, a aula começa daqui meia hora - disse a misteriosa figura alta se encaminhando para a cama à minha frente. Ele usava apenas uma calça de moletom cinza e por um minuto me perdi no emaranhado de tinta preta que preenchia a sua pele branca, pelo tronco e pelos braços, formando lindos desenhos. Os cabelos cacheados caiam sobre os ombros tornando a figura uma obra grega viva. Só sai do meu transe quando ele começou a abaixar as calças, mostrando uma boxer preta.
- Quem é você? É sério! - eu me encolhia tanto na cama que hora ou outra ia acabar sumindo.
- Louis?! O quanto você bebeu ontem? - Ele se aproximou de mim, já com a calça jeans vestida, e se sentou na ponta da cama em que eu estava.
- E-eu, eu...não muito? - foi quando realmente me dei conta de que não estava no meu flat. - Onde eu 'tô?
- Em casa! Lou, você tá passando mal?
- Não, eu, eu ...
Definitivamente eu tinha bebido demais! Como eu fui parar na casa daquele cara? E porque ele me chamou de Lou? Só minha família e Zayn tinham essa intimidade. De súbito me levantei da cama e fiz o que qualquer pessoa sensata faria... sai correndo! Passei como um vulto pela cozinha e para a minha sorte a porta da frente estava destrancada. Corri pelas escadas do edifício sem prestar atenção em nada e foi só quando cheguei no lobby que percebi que aquele era meu antigo prédio.
Olhei para baixo e ainda estava com a minha roupa de ontem. A calça preta justa ainda estava lá, assim como o Vans e camiseta vermelha vinho que usei para ir até o trabalho. O Senhor Rodriguez ainda estava lá também - ele definitivamente era o melhor porteiro que eu já tinha tido! Acenei para ele com um falso sorriso no rosto, apenas para ser simpático, e sai pela porta. O frio me engoliu.
Droga, o meu casaco!
Provavelmente ele estava na casa do bonitão de olhos verdes, mas eu não podia voltar buscar, podia? Comecei a tatear os bolsos a procura da minha chave e celular, "tudo bem, eu só tenho que chegar em casa", mas era óbvio que o universo ia me sabotar de novo. A única coisa que encontrei foi o relicário da noite anterior. Pronto, acho que agora eu já posso sentar no chão e chorar.
Eu não sabia nem que horas eram, muito menos tinha dinheiro para pedir um táxi ou celular para ligar para Zayn..."Zayn, é isso! Nosso antigo prédio, ele ainda mora aqui!"
Voltei para dentro do edifício e a essa altura Senhor Rodriguez já tinha certeza da minha loucura. Avisei rapidamente que ia subir para o apartamento do meu amigo e ele só assentiu em dúvida. Perfeito, tudo ia ficar bem! Ainda era de manhã, disso eu tinha certeza, o que quer dizer que Zayn está em casa, dormindo provavelmente, mas ainda em casa. Só tenho que pedir para ele buscar minhas coisas no apartamento do bonitão e pronto, tudo resolvido. Sai do elevador no oitavo andar, indo em direção ao apartamento 82.
- Zee! - comecei a esmurrar a coitada da porta. - Abre a porta, preciso de ajuda!
Querido universo, porque você me odeia?
Atenciosamente, Louis!
Isso não era possível! Minha boca ficou em um perfeito "O" quando o cacheado abriu a porta, ainda sem camisa, diga-se de passagem. Aquele era o apartamento do Zayn, eu tinha certeza. Ele nunca se mudou! Mas o que ele fazia aqui?
- Louis, o que está acontecendo?
- E-eu... Cadê o Zayn?
- Na casa do Liam! - quem é Liam? - E a gente deveria estar na faculdade! Vem logo! - Ele me puxou pelo pulso me levando para dentro da casa. Era o meu antigo apartamento, agora eu sabia. E o meu quarto ainda estava lá com as minhas coisas. A diferença é que tinha mais uma cama e uma cômoda branca que não faço ideia de quem seja. - Se troca rápido que a gente tá atrasado! Vou terminar meu chá e a gente sai.
O "cacheado misterioso" - acho que vou chamá-lo assim por enquanto - disse já saindo do quarto. Aquilo tudo era muito confuso, muito estranho. Não era possível! Ainda assim obedeci às ordens. Já que o universo quer brincar, vamos aprender as regras antes da primeira jogada.
E lá estava eu: sentado no banco do passageiro do carro do cacheado misterioso sem saber se ele ia me sequestrar, me matar e esconder meus restos mortais ou não. "Será que ele vai vender meus órgãos?" Meus olhos estavam vidrados naquela figura desconhecida, mas ainda assim encantadora. Foi quando paramos em um semáforo:
- Louis, de verdade, o que você tomou ontem? - disse se virando para mim.
- Eu não sei!
- Meu Deus, vou matar o Zayn quando a gente chegar em casa, já falei pra ele não te dar nada muito forte!
- Quem é você?
- De novo isso? - Ele me olhava com pura confusão e um pouco...magoado? - Está bem! Oi Louis, eu sou Harry Styles, seu colega de quarto! Mais alguma pergunta?
- Colega de quarto? - okay, tudo tinha se tornado um pouco mais confuso agora!
- Cristo! Acho que vou ter que te levar pra fazer uma lavagem nesse estômago. Isso só pode ser efeito de drogas, com certeza! - ele revirou os olhos e voltou a dirigir.
Algum tempo depois chegamos a faculdade. Sim, na faculdade que eu tranquei um ano atrás! Não sei o que estou fazendo aqui e sinceramente, acho que estou com medo de descobrir. Sigo o cacheado misterioso, ou Harry - eu sei que já escutei esse nome, mas não me lembro onde - até uma das salas. As cadeiras colocadas em formato esférico em torno da lousa lembravam muito um teatro grego. Me sento ao lado dele e começo a mexer na minha mochila, afinal já era hora de descobrir o que tinha ali dentro. Infelizmente não era nada demais, apenas alguns cadernos e um livro da biblioteca com a data de devolução marcada para dali três dias.
Em meio a todas as coisas estranhas que tinham acontecido, descobri que hoje era dia 15 de dezembro, o que quer dizer que posso tirar viagem no tempo da minha lista de "por que estou aqui e o que está acontecendo?".
- Que aula é essa? - cochicho para o cacheado ao meu lado que estava concentrado em digitar alguma coisa no celular.
- Sociologia.
- Você também faz psicologia?
- Não, eu faço ciências sociais e você sabe disso Lou! - ele me encarava com aquela cara de confusão de novo.
- Claro! Desculpa!
- Tudo bem, eu só...'tô preocupado, você 'tá muito estranho! E parece que não lembra de nada.
- Eu não lembro!
- Como assim? - Fomos interrompidos por uma professora alta e de cabelos pretos, Paola é seu nome.
Ela era gentil e realmente uma ótima professora, mas extremamente rígida, principalmente quando se tratava de conversas paralelas. Isso fez com que os questionamentos que rondavam minha cabeça precisassem esperar até o intervalo para serem despejados em Harry, que pela cara também tinha vários. Três horas depois estávamos liberados para o almoço. Caminhamos em silêncio até o refeitório do campus, nenhum dos dois se atrevendo a começar aquela conversa.
- Eu chamei o Zayn, o Liam e o Niall para almoçar - ele disse finalmente.
- Tudo bem! - pelo menos um daqueles nomes eu conhecia, e tinha a impressão de já ter escutado Zee falar algo sobre um Liam que estudava com ele. Alguns minutos depois, os três se juntaram a nós. Comemos em silêncio e o ar pesado era palpável, ninguém sabia o que dizer ou o que fazer.
- Se ninguém começa, falo eu! O que vocês deram para ele ontem? - disse Harry.
- Nada de mais, o Lou só tomou uma cerveja e foi para casa - respondeu o garoto de cabelos castanhos sentado ao lado de Zayn. Eles tinham as mãos unidas, mas decidi ignorar essa informação por enquanto, já tinha muita coisa para pensar.
- E como é que ele não sabia nem quem eu era hoje de manhã?
- E se ele bateu a cabeça? - se pronunciou o loiro desconhecido.
- Eu não bati a cabeça! - disse pela primeira vez e todos focaram em mim. - Olha, eu realmente não sei o que aconteceu, mas eu não bati a cabeça e também não bebi a ponto de esquecer tudo desse jeito.
- Do que você se lembra? - foi a vez de Zayn falar.
- Eu tava no bar com você e tava bebendo porque eu fui demitido...
- Você foi demitido? - o loiro esbravejou.
- Sim?!
- Ignora ele e continua - disse Harry.
- Então, eu estava lá e você me colocou em um táxi - apontei pra Zee - eu cheguei em casa e dormi. Quando acordei, eu estava aqui!
- Nós temos um problema bem sério pelo jeito - completou o de cabelos castanhos.
- Okay, vamos ver o quão grave! Lou, qual seu nome completo? - voltou a dizer o loiro.
- Louis William Tomlinson.
- Que dia é seu aniversário?
- 24 de dezembro.
- Tá e que dia é hoje?
- 15 de dezembro.
- Quais os nossos nomes?
- Zayn, ele é o Harry e... e-eu não sei o nome de vocês - percebi o olhar deles cair.
- Isso definitivamente é bem pior do que a gente achou! - Disse Zayn.
- Vocês sabem o que está acontecendo comigo?
- A gente não sabe Lou, mas ontem nós realmente estávamos no bar, e você tomou só uma cerveja e foi para casa. Ninguém te colocou no táxi e você não foi demitido. Você nem trabalha! - completou o mesmo.
- O que? - Minha cabeça já estava girando há algum tempo, mas saber que o resto da minha memória estava equivocada só fez tudo rodar mais rápido. Antes que percebesse, tudo tinha ficado preto e meus sentidos já não trabalhavam a meu favor.
***
- Onde eu tô? - foi a primeira coisa que disse quando abri os olhos com dificuldade, sendo quase cegado pela branquitude do lugar. Zayn estava do meu lado.
- Você desmaiou e está no hospital Lou. Mas está tudo bem! Os médicos já te examinaram e só estavam esperando você acordar para te liberarem.
- Nossa, eu tive um sonho tão estranho, - falei levando uma das mão a cabeça - tinha um cara de cabelo comprido que morava no nosso apartamento, junto com a gente. E eu ainda estava na faculdade, parecia que eu estava em um universo paralelo. Tinha mais dois caras no sonho também, mas não sei quem eram e ... - ia continuar quando a porta foi aberta e o cacheado de olhos verdes entrou no quarto segurando dois copos da Starbucks.
- Oi Lou, você 'tá melhor?
Olhei para Zayn, mas ele só abria e fechava a boca sem dizer nada, desviando o olhar entre mim e Harry. Foi aí que soube que aquilo não era um sonho e que, por mais estranho que parecesse, aquela era a minha nova realidade.
*****
Oiooi!
O que estão achando?
All the love, L.