A Pecadora (Concluído)

By Niih_Potato

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Lisie Yamazaki é uma agente especial de uma divisão secreta que investiga acontecimentos sobrenaturais. Ao se... More

Agradecimentos
Apresentações e Recados
Um: Ligações na madrugada
Dois: Marcas de um crime
Três: Boate dos mortos
Quatro: Intimidações entre quatro paredes
Cinco: Proposta indecente
Seis: Café e sangue
Sete: Jogo para dois
Oito: Inocentes mentiras, cruas verdades
Nove: Mágicas ameaças
Dez: Gato e Rato
Onze: Mais um para a conta
Doze: Difíceis decisões
Treze: Vampiro mágico
Quatorze: Questão pessoal
Dezesseis: Ventos de liberdade
Dezessete: Assassino ilusório
Dezoito: O homem que não se surpreende
Dezenove: Flor-de-Lis
Vinte: Pecado original
Vinte e Um: Real significado de monstro
Epílogo: Mortos não enxergam
Capítulo Bônus: Entrevistas

Quinze: Os mortos ressurgem

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By Niih_Potato

- Nyati? Quem são eles? - eu perguntei, ainda olhando a figura da serpente no livro.

- O clã dos Nyati foi um dos clãs de bruxos mais antigos e poderosos que existiu, todos que nasciam nessa família eram naturalmente dotados de grandes poderes mágicos. - Eleanore explicou.

- Foi? - Nikolay perguntou, chegando mais perto para examinar o livro. - O que aconteceu com o clã?

- A última descendente deles foi uma bruxa muito poderosa, Danna Nyati. Aos doze anos, ela já era um prodígio; com apenas dezoito anos, fez parte do extinto Alto Conselho dos Bruxos, que foi criado para auxiliar o Millenium. Depois da sua morte, os Nyati não tiveram mais nenhum descendente, culminando na extinção da ramificação principal do clã. - a bruxa terminou de ler as últimas linhas do capítulo destinado àquela família.

- O que aconteceu com ela? - eu perguntei. - Como ela morreu? Bruxos morrem, assim como humanos?

- Bruxos são seres muito interligados à natureza e ao misticismo que ela possui. Produzindo a sua magia e, automaticamente, mantendo a sua própria vida através de elementos da natureza. Enquanto a natureza perdurar, os bruxos também perdurarão. - Nikolay explicou. A bruxa apenas meneia a cabeça em confirmação para nós.

- Então, como uma bruxa tão poderosa assim morreu? - eu repeti a pergunta.

- Ela foi morta... Por nós, pelo Millenium. - Eleanore suspira, passando a mão pela testa. Um claro sinal de preocupação. - Ela era extremamente talentosa, mas herdou a arrogância dos Nyati. Ao fazer parte do Alto Conselho dos Bruxos, ela começou a incitar os outros bruxos contra nós, em uma clara tentativa de obter o poder. Eventualmente, os seus planos foram descobertos e a única forma de dar fim a tudo, antes que as coisas piorassem, foi matando-a.

- Ou pelo menos, foi essa a versão da história que os nossos predecessores deram ao restante do mundo sobrenatural. - Markhan falou, passando as mãos pelos cabelos, parecendo frustrado. Pela primeira vez, eu vejo algum tipo de fragilidade e preocupação nesse homem. - Antes de nos passar o cargo de representantes, os antigos responsáveis pelo Conselho Millenium nos revelaram o verdadeiro porquê de terem matado Danna Nyati: ela estava envolvida com magia de reanimação de cadáveres, junto a um outro grupo de bruxos. Eles tinham a ambição de reanimar cadáveres, mas não apenas como corpos sem inteligência e sim como seres possuídos por almas de bruxos e outros seres sobrenaturais já mortos.

- Vocês conseguem imaginar o desastre que isso seria? - Eleanore perguntou. - Corpos imortais, sem nenhuma fraqueza, possuídos eternamente por toda a sorte de criaturas perigosas. Eles seriam capazes de trazer monstros há muito extintos de volta à vida.

E isso seria um completo cataclismo, para dizer o mínimo.

- Todos os envolvidos nessas "pesquisas" foram mortos, obviamente, e pensaram ter acabado com todo o material de análise e amostras deles. Mas Danna parece ter conseguido dominar essa técnica e a aprimorado antes de darem um fim à situação. - Markhan confessou.

- E com base nesse conhecimento, ela tentará trazer o seu espírito de volta a esse mundo, para terminar o que começou. - Nikolay constatou, passando a mão sobre o seu cavanhaque, pensativo.

Os bruxos se entreolham, o sentimento de vergonha mais do que nítido em seus olhos, e depois assentem ao mesmo tempo para mim e para o vampiro. Eu fico tentada a sentir um pouco de pena desses dois, afinal, toda essa situação aconteceu antes que eles tomassem os cargos de representantes, então, como nós, eles também foram arrastados contra a própria vontade para essa tormenta.

Deus, agora as peças se encaixam: Danna quer voltar à vida e tomar o Conselho dos bruxos. Ela tentou se vingar do Millenium, colocando o símbolo deles nas vítimas, apenas para criar falsas provas e nos despistar, nos distraindo para que não conseguíssemos descobrir as suas verdadeiras intenções. A morte dela é apenas uma das motivações, ela quer se vingar por ter sido passada para trás por aqueles a quem tentou derrubar.

Mas algo não está encaixando.

- Se Danna é a responsável por tudo o que está acontecendo, por que o assassino é um homem? Qual relação eles teriam? - eu perguntei.

Markhan me olha desconfiado, mas não faz nenhuma pergunta, apenas volta a buscar informações no livro, lendo silenciosamente as linhas que contam a história dos Nyati.

- Aqui diz que Danna teve um irmão mais novo, Darion Nyati. É muito provável que o assassino seja ele. - o bruxo constatou.

- Mas Eleanore disse que a linhagem do clã terminou com Danna. - o vampiro apontou.

Markhan franze o cenho, em evidente irritação por estar sendo questionado, e volta a olhar as anotações no livro.

- Ele foi o único dos Nyati que nasceu sem poderes. Para um clã de bruxos tão poderoso, um bebê sem poderes é o mesmo que um bebê natimorto. Há apenas uma menção do nome e do dia em que ele nasceu, nada mais. - Markhan explicou.

Parece que nem mesmo os seres sobrenaturais estão isentos de uma espécie de segregação e preconceito, não é mesmo? Mal consigo imaginar que tipo de infância esse homem deve ter tido.

- Há quanto tempo Danna foi assassinada? - Nikolay perguntou. - Se esse clã Nyati é tão antigo, há quanto tempo essa bruxa está tentando voltar à vida? Não sabemos quanto de conhecimento ela provavelmente adquiriu. Mesmo com a sua morte, se a alma dela continuou a vagar por esse plano, ela com certeza aperfeiçoou as tentativas de volta a viver fisicamente.

- Danna foi morta em 1.861, pelos representantes do Conselho antes de nós. - Eleanore falou.

Deus, isso dá cento e sessenta anos de planejamentos para essa bruxa. É provável que ela esteja mais do que preparada para qualquer coisa que tente impedi-la de completar esse ritual de ressurreição.

- Como esse tal Darion pode estar vivo, depois de todo esse tempo? - o vampiro apontou. - Se ele não nasceu bruxo, ele é o mesmo que um mortal comum. Como pôde viver por mais de um século e meio?

- É provável que a irmã o mantenha vivo desde então, utilizando os próprios poderes para tal feito, ignorando mais uma regra para o uso da magia. Danna deve estar guiando ele para realizar o ritual, canalizando os poderes dela através dele, para fazer os símbolos de ligação nas vítimas. Ligando as auras dos assassinados ao ritual. - Eleanore sugeriu, após pensar por alguns segundos.

Se sem possuir um corpo físico, essa bruxa consegue ser tão poderosa a ponto de canalizar os próprios poderes em outra pessoa e guiar os preparativos para um ritual de ressurreição, eu não consigo imaginar o poder que ela teria se pudesse vir para esse plano, caso possuísse um corpo físico.

- Como funciona esse ritual de ressurreição? - Nikolay questionou.

- No momento em que o círculo de ressurreição for ativado, as marcas canalizarão as auras dos homens mortos até Danna, que as utilizará para fortalecer o seu espírito e começar o processo de transição. Uma vez que ela estiver forte o suficiente após absorver as auras, será capaz de possuir o corpo da psíquica, completando o processo e usando a alma da sua amiga como "moeda de troca". Destruindo-a para sempre. - o bruxo falou.

É como eu suspeitava, nós perderíamos Candice para sempre. Apenas o pensamento é o suficiente para dilacerar o meu coração ainda mais. Uma simples pergunta surge no fundo da minha mente: o que eu faria se algo assim acontecesse?

- Vocês sabem dizer quando esse ritual vai acontecer? - Nikolay perguntou.

Eu estou tão abalada, que Nikolay está praticamente fazendo o meu trabalho por mim, pois eu não me sinto mentalmente capaz de fazer nenhuma dessas perguntas. Na minha mente, elas praticamente ditam o fim de Candice e eu sou simplesmente incapaz de sequer considerar algo do tipo. Mesmo tentando manter o foco, a única coisa que a minha mente é capaz de processar, é o fato de que eu posso perder uma pessoa importante para mim. Céus, eu não consigo, eu não consigo passar por isso. Por favor, não me faça passar por isso.

- Dadas as circunstâncias, para conseguir energia suficiente e abastecer a conexão sobrenatural que será feita, o Halloween é a data mais provável para executar o processo. - o bruxo falou. - Para angariar todo o poder necessário, o assassino, muito provavelmente, começará o ritual à meia-noite do dia trinta para o dia trinta e um, já que Danna não é suficientemente forte para realizar algo como esse complexo ritual sozinha.

Ah, merda, dia trinta é daqui menos de uma hora! O que nos dá, exatamente, vinte e quatro horas para montar um plano e executá-lo, antes que uma bruxa louca solte a sua ira sobre o mundo, e condene a minha chefe no processo.

Por que essas coisas têm que acontecer sempre na porra do Halloween? Por que não na maldita Páscoa? Foda-se se o véu entre o natural e o sobrenatural se torna tangível justamente nesse dia!

- Vocês conseguem rastrear o assassino através desse símbolo dos Nyati? - eu perguntei à dupla de bruxos, que se entreolham.

- Podemos tentar, mas seria mais eficaz se tivéssemos alguém que teve contato com ele, ou pelo menos com algo relacionado ao símbolo. - Eleanore explicou.

Bem, não tenho escolha, preciso contar sobre o sonho.

- Eu tive contato com o assassino, pelo menos através de um sonho. - contei resumidamente o ocorrido, vendo a expressão dos bruxos passar de "descrente" para "bizarramente encantado". Deus, quem entende o que se passa pela mente deles? - E em dado momento do sonho, eu o toquei, foi assim que eu vi o símbolo. Não sei se esse toque vale para o "mundo real", mas pareceu muito real para mim.

Eu olho para a palma da minha mão, praticamente revivendo a sensação do toque. Não senti calor ou frio, nenhuma sensação de textura ou algo do tipo ao tocar no braço do assassino no sonho, mas eu senti o contato da minha mão no seu braço, isso é incontestável.

- O que aconteceu entre você e ele foi uma espécie de ligação. - Eleanore falou, escondendo a sua admiração, ou o que quer que seja, com uma expressão desconfiada. - De alguma forma, vocês dois possuem algo em comum, algo que marcou tão fundo a essência de vocês, que quando vocês se tocaram, uma ligação foi criada. Por isso você conseguiu ver o símbolo.

- Uma ligação? Como uma ligação de auras? - eu questiono a bruxa.

Eleanore assente. Céus, se as nossas auras foram ligadas de alguma forma sobrenatural bizarra, isso pode explicar o porquê de somente agora eu ter conseguido sentir a aura do assassino, somente naquela cena de crime.

A raiva me invade ao pensar que eu posso ter algo em comum com aquilo. Não vejo que tipo de ligação eu teria com um maldito assassino sequestrador, mas se isso existe, eu tenho que usar ao meu favor.

- Nós podemos tentar rastreá-lo através de você. - Markhan falou, tirando um mapa da cidade de uma das gavetas da mesa.

O bruxo coloca a mão sobre o mapa e murmura algumas palavras ininteligíveis, imediatamente o papel fica suspenso no ar e começa a brilhar em tons de laranja vibrante, parecendo pegar fogo. A sala mergulha na escuridão, apenas o brilho alaranjado do mapa fornece luz suficiente para que uma reles mortal como eu possa enxergar.

- Eu preciso do seu sangue, agente. Algumas gotas devem bastar. - o bruxo pede, seus habituais olhos azuis agora são substituídos pela mesma cor alaranjada que as chamas do mapa, brilhando e tornando a sua aparência quase fantasmagórica.

- Normalmente essa fala é minha. - Nikolay murmura maliciosamente no meu ouvido.

Eu prendo a respiração, forçando o meu cérebro a ignorar o comentário do vampiro.

Olho fixamente para o bruxo, praticamente lhe perguntando "por que?" com a minha expressão desconfiada.

- Sua essência vital agora contém uma pequena parte do assassino, já que uma ligação entre vocês foi criada. Eu preciso de algo que contenha essa ligação para tentar rastreá-lo, seu sangue é o responsável pela sua vida, sua essência e sua aura, então, ele é a melhor opção que nós temos. - o bruxo se justificou.

Eu olho para Nikolay, tentando decifrar em seus olhos se isso faz sentido para ele, já que o vampiro possui mais conhecimento nas sutis artes do mundo sobrenatural do que eu. Na verdade, talvez eu tenha olhado para ele apenas para pedir algum tipo de conselho, ou simplesmente pelo fato de sangue ser a sua especialidade. Independente do porque eu olhei para ele, o vampiro sorri descaradamente para mim, meneando a cabeça na direção do mapa flamejante.

- Sangue é vida, mestre. - o vampiro recita a famosa fala do personagem de Bram Stoker*.

* Abraham "Bram" Stoker ficou mundialmente conhecido por seu romance gótico, intitulado "Drácula".

Eu bufo e balanço a cabeça em negação, mas me dou por vencida. Ninguém poderá dizer que eu nunca dei o meu sangue por esse trabalho. Literalmente.

- Você tem uma faca aí? - eu perguntei ao bruxo.

- Isso não será necessário, eu faço esse árduo trabalho. - o vampiro se voluntaria para sabe-se lá o que.

Antes que eu possa perguntar o que ele tem em mente, Nikolay toma o meu braço gentilmente e leva a minha mão até os seus lábios. Quando o entendimento do que o vampiro pretende me atinge, eu puxo o meu braço com toda a força que tenho, mas ele apenas segura a minha mão com mais firmeza, não parecendo notar a força que eu emprego no movimento. O vampiro dá um beijo suave no meu pulso e resvala as suas presas na minha pele.

Os olhos de Nikolay brilham como dois faróis na escuridão quando ele morde levemente o meu pulso com as presas, mas sem fechar a boca sobre a minha pele, fazendo um pouco de sangue fluir pelos dois pequenos furos. O carmesim intenso dos seus olhos parece me prender, eu não consigo desviar o meu olhar, não consigo puxar o meu braço, até mesmo a minha respiração parece ter parado. Nikolay sorri, expondo ainda mais as presas, mas abandona a minha pele e solta o meu braço, lambendo discretamente o lábio inferior um pouco manchado de vermelho.

Alguém parece pigarrear, me tirando dessa espécie de transe. Eu olho para Markhan, que apenas meneia a cabeça impacientemente na direção do mapa brilhante, então, eu estendo o meu braço na direção das chamas alaranjadas e deixo algumas gotas do meu sangue gotejarem sobre o mapa. Tal ato faz com que as chamas se agitem e se tornem mais altas. Eu coloco o meu pulso na boca, aparando as últimas gotas de sangue que escorrem e colocando a língua sobre os dois pequenos furos, esperando fechá-los.

Um rugido baixo, como o de um tigre, parece escapar do vampiro ao meu lado. Uma olhada rápida me dá a constatação de que os seus olhos ainda estão vermelhos como rubis.

Subitamente, as "chamas" no mapa emitem um som de crepitar e o cenário todo se altera, as paredes, prateleiras e livros da sala somem, dando lugar às ruas. Passamos muito rápido pelos transeuntes nas ruas, pelas boates, comércios e incontáveis avenidas, até que chegamos a uma estrada, que parece se estender por infinitos quilômetros, finalmente chegando à uma zona rural logo em seguida. As imagens continuam a correr muito rápido, a estrada de terra agora é ladeada apenas por uma extensa floresta, com árvores e arbustos grandes.

De repente, o frenesi de imagens diminui o ritmo, até pararmos à frente de um extenso espaço, onde a vegetação é ligeiramente mais baixa, se comparada ao restante da estrada. Nos deparamos com algo muito parecido com uma fazenda, o lugar tem um vasto campo, aparentando ser uma antiga plantação, mas agora o mato cresce desgrenhado e sem controle. À nossa direita, há uma pequena casa simples de tijolos, que parece ocupar o centro da propriedade, perdida no meio dessa grande área rural.

A imagem da fazenda se dissolve rapidamente e voltamos a contemplar a grande biblioteca, o mapa utilizado mostra um ponto cinzento bem vistoso, como se tivesse sido queimado, provavelmente marcando o local que vimos. Eu ainda estou aturdida pela suposta "viagem", então dou dois passos para trás, quase caindo.

Um braço de Nikolay me apara, segurando as minhas costas com firmeza, fazendo o meu corpo se arrepiar instantaneamente. Provavelmente algum tipo de reação retardada àquela "mordida" de minutos atrás.

- Cuidado, Lisie, mesmo sendo psíquica, esse tipo de magia é muito para você. - o vampiro falou.

Automaticamente eu me afasto do seu braço, colocando uma distância entre mim e ele, não querendo transparecer a reação do meu corpo ao seu toque. Eu massageio as minhas têmporas, para aliviar o nó que parece se formar no meu cérebro.

- Eu não faço ideia de onde fica aquela fazenda. - declarei a contragosto, ainda massageando as minhas têmporas. Céus, independente do que tenha acontecido ou o que tenha sido essa "viagem", eu nunca mais quero fazê-la novamente.

Os dois bruxos não fazem nenhuma menção de me ajudar, seus rostos continuam impassíveis. Claro, eu não imaginei que eles fossem se voluntariar para guia turístico.

- Eu sei onde fica. - o vampiro falou, me surpreendendo.

Essa já é a terceira ou quarta vez que eu vou ter que depender da ajuda desse vampiro e, mesmo não querendo isso, eu não tenho outra opção. Vidas estão em jogo, vidas que custam muito mais do que o meu orgulho.

- Então vamos agora. Precisamos salvar a Candice! - eu falei, pronta para sair.

- Vocês não podem. - Eleanore interrompe. - Como eu disse, a alma da sua amiga não está mais nesse mundo e sim em uma espécie de limbo, suspensa entre esse mundo e o outro. No momento de executar o ritual, Danna trará a alma de volta para usá-la, somente nesse momento vocês poderão salvá-la. Se vocês interromperem o processo antes, a alma dela ficará presa no limbo para sempre e ninguém poderá trazê-la de volta, já que Danna ligou a alma da sua amiga à si mesma.

Puta merda! Eu não tenho outra escolha, a não ser esperar pela "boa" vontade de uma bruxa louca e o seu irmão homicida.

- Fizemos a nossa parte, agente, agora você deve fazer a sua. Se Danna Nyati retornar, não medirá esforços para nos destruir, e se ela obtiver êxito, vocês serão os próximos. Haverão guerras sem fim e o mundo se tornará um caos. - Markhan apontou.

Deus, que homem arrogante.

- Vocês acham que a sua parte está limitada a apenas mostrar o local do ritual e mandar ela para o perigo iminente, sem qualquer outra ajuda? - Nikolay tomou a palavra.

Os bruxos o fuzilaram com o olhar, a tensão entre os três ficando tangível novamente.

- Não podemos fazer mais nada, se interferirmos ou formos junto, Danna sentirá a nossa aura e mudará o local do ritual, além de tomar medidas para não ser rastreada novamente, o que só piorará as coisas. Você está sozinha de agora em diante, agente Yamazaki. - a bruxa falou.

A sala volta a se iluminar, me fazendo piscar os olhos rapidamente pela claridade inesperada.

- Não há nada mais que vocês possam fazer? - eu perguntei. - Como Markhan disse, se eu não tiver êxito nisso, estamos todos fodidos. E se Danna é tão forte como vocês dizem, preciso de toda vantagem possível.

Eleanore e Markhan se entreolham por alguns segundos e depois meneiam a cabeça em afirmação, como uma espécie de acordo silencioso. Eu sou capaz de jurar que esses dois agem como se fossem interligados de alguma forma, como se pudessem ler os pensamentos um do outro.

- Podemos preparar uma poção para mascarar as auras de vocês, pelo menos vocês poderão chegar ao local sem serem notados. - Markhan disse. - Eu não sei se conseguimos fazer a poção a tempo, mas caso tenhamos êxito, mandarei entregar três poções amanhã à noite na La Petite.

- Vocês não conseguem nem sequer nos dar certeza sobre isso? - o vampiro perguntou, semicerrando os olhos. - Eu não quero depender dessa vantagem, sem ao menos saber se vocês são capazes de cumprir com a própria palavra!

Oh, não... Nós vamos morrer.

- Não insulte o orgulho desse Conselho, Nikolay Delyon! - a voz de Eleanore soa alta, parecendo reverberar por todo o cômodo, como se ela estivesse em uma caverna. Em um segundo, os olhos da bruxa adquirem um tom púrpura escuro, profundo como olhar para o pôr-do-sol do inverno. Um vento forte começa a soprar de lugar nenhum, reforçando a minha suspeita de que ela está causando isso. - Somos bruxos e, como representantes da própria força da natureza, possuímos o nosso orgulho. Não insulte o nosso valor, quando vocês vampiros não possuem nenhum.

Agora Markhan também tem os olhos brilhando naquele tom alaranjado fantasmagórico. As auras dos bruxos tomam todo o espaço da biblioteca, avançando cada vez mais na nossa direção.

- Exato, nós vampiros não possuímos valores ou crenças, muito menos devemos o nosso orgulho e valor à porra da Mãe Natureza. - Nikolay solta um riso sarcástico, isso parece irritar ainda mais os dois bruxos. - E isso se dá, principalmente, ao fato de que nós não precisamos ou queremos mostrar valor algum. Mas vocês bruxos parecem necessitar disso, como necessitam mostrar superioridade perante todos. Então, mostrem o seu valor, a sua superioridade ou qualquer merda do tipo providenciando essa maldita poção antes da noite cair novamente, em algumas horas.

Sempre bom contar com um vampiro como Nikolay para ganhar uma morte certa e dolorosa. Céus, ele disse que não tem medo dos bruxos, mas isso não é coragem, é pura estupidez!

- É uma poção difícil de ser feita, esconder totalmente a aura de alguém é algo difícil. Mesmo você, Sr. Delyon, que possui um talento para tal feito, não conseguiria se esconder de alguém como aquela bruxa. - Eleanore disse, seus olhos ainda brilhando púrpura. - É uma poção que exige um nível ridiculamente alto de poder e compreensão de feitiços.

- E vocês dois, com certeza, possuem os requisitos necessários. É sobre isso que estou falando, não para insultá-los, mas para dar a chance de mostrarem o que faz de vocês os bruxos representantes do Conselho Millenium. Se tudo acabar bem, vocês ainda sairão com os créditos por terem feito algo que nem mesmo os antigos representantes conseguiram fazer. - Nikolay sugeriu. - Dar um fim à Danna Nyati.

Subitamente, o forte vento para de soprar, como se nunca sequer tivesse existido. Os bruxos até mesmo parecem mais calmos, suas expressões se suavizando um pouco, embora as suas auras ainda estejam perigosamente perto. Anotação mental: bajulação disfarçada de insulto funciona para acalmar bruxos furiosos.

Tenho que dar o braço a torcer, Nikolay é um mestre na manipulação, fazendo jus à sua fama. Usando o orgulho dos bruxos contra eles mesmos para conseguir o que quer.

- O que você está ganhando com tudo isso, vampiro? - Markhan perguntou, os olhos semicerrados em desconfiança. - Essa insistência não é típica de você, muito menos da sua raça.

- Eu tenho os meus motivos. - Nikolay lança o seu melhor olhar de desafio ao bruxo.

- Nós nos comprometemos a entregar a poção amanhã à noite no seu estabelecimento, Sr. Delyon. - Eleanore falou, interrompendo antes que esses dois comecem mais uma sessão de insultos. O vampiro arqueia as sobrancelhas e meneia a cabeça na direção da bruxa, como se esperasse que ela dissesse algo mais. - Eu juro pela honra e pela glória do Conselho Millenium, pelos que vieram e pelos que virão.

Uma lufada leve de ar passa pela sala novamente, menos agressiva do que a última. Pelo jeito, esse não é um juramento apenas da boca para fora, é algo sério.

- Já ajuda... - eu murmurei. - Como deve ser feito?

- Antes de entrar na fazenda, tomem a poção. Ela não deve ser misturada com nenhuma outra bebida, ou perderá o efeito. Mas eu aviso: quando o círculo de invocação for ativado, existe a possibilidade da poção não fazer mais efeito. No máximo, se isso acontecer, vocês terão alguns segundos até que a sua presença seja notada. - Eleanore me entrega o mapa que foi usado para encontrar o local. - Sua amiga somente poderá ser resgatada quando o círculo for ativado, vocês terão pouco tempo antes que Danna possua o corpo dela e mate a sua alma para sempre, então, terão que ser rápidos.

- Por conta da poção, não seremos capazes de sentir as auras de vocês, e, como foi dito, não poderemos ajudar vocês sem nos revelar. Então, se o dia amanhecer e não tivermos notícias suas, entenderemos que vocês estão mortos e nos prepararemos para o pior. - Markhan falou com naturalidade.

Claro, quem se importa se nós morrermos, certo? Aposto que esses bruxos não chorarão sobre os nossos caixões.

- E lembrem-se: Darion é humano. Mesmo sem possuir uma forma física, tornando os poderes dela muito limitados, Danna pode ser capaz de usar o humano como catalisador dos seus próprios poderes. Então, vocês devem dar um jeito de neutralizá-lo antes que ela use os seus poderes através dele. - a bruxa pontuou. - Mesmo que seja impossível que um simples humano consiga utilizar, e até mesmo suportar, a totalidade dos poderes de um bruxo, isso ainda é algo para se tomar cuidado. Darion não precisa de poderes mágicos para ativar o círculo de ressurreição, então vocês devem aproveitar o momento da ativação para resgatar a sua amiga, antes que Danna se conecte ao irmão ou dê início ao ritual e se aposse do corpo da humana.

Eu assinto e agradeço, meio a contragosto, a ajuda desses dois. Apesar de tudo, sei que eles estão tentando nos ajudar, mesmo que do seu jeito estranho. E, claro, eu sei que os traseiros deles também estão na rota de colisão, assim como os nossos, então, eu posso confiar nas informações que estão sendo dadas

Eu me viro para ir embora, quando sinto uma mão segurar o meu braço com força e me puxar de encontro a olhos azuis como o céu.

Atrás de mim, eu escuto um rugido baixo de aviso escapar dos lábios de Nikolay, ao mesmo tempo em que eu confronto a expressão atônita de Eleanore. Nikolay parece fazer menção a avançar na minha direção, mas eu vejo Eleanore levantar uma mão em sinal de "pare" e menear a cabeça na minha direção e na do bruxo, que ainda tem o braço firmemente atado ao redor do meu. Eleanore parece pedir algo como "um minuto" com essa ação, na famosa frase "vamos ver que bicho isso vai dar".

O rosto sério de Markhan está a poucos centímetros do meu, os seus olhos parecem ser capazes de me fazer cair morta no chão.

- A sua alma está manchada de sangue, agente Yamazaki. Eu senti isso no momento em que a sua essência tocou a minha magia. - Markhan sussurrou perigosamente no meu ouvido. - E seja lá o porquê disso, sei que vai causar muitas mortes e sofrimento, e não somente para você, mas para todos nós. Se eu sentir que você, de alguma forma, é uma ameaça, eu não hesitarei em tomar as devidas providências.

Eu apenas semicerro os olhos, puxando grosseiramente o meu braço do aperto da mão do bruxo. Me viro e ando até a porta sem olhar para trás, deixando a biblioteca.

Já dentro do carro, eu sinto um enorme peso sobre todo o meu corpo mas, principalmente, sobre o meu coração. Deus, as coisas não poderiam ficar piores: Candice sequestrada, uma missão suicida e agora isso, um bruxo psicótico me ameaçando.

- O que ele quis dizer com aquilo? - Nikolay me perguntou, visivelmente desconfiado.

Eu suspiro pesadamente enquanto dou partida no carro, feliz por sair desse reduto de malditos bruxos loucos.

- Eu não faço ideia. - resmunguei.

Eai, meu povo, já tem os seus palpites? Quem será essa tal Danna? E Darion? Será que eles são mesmo culpados? Ou será que a Eleanore e o Markhan estão jogando com a Lis? Façam as suas apostas. 👀

Não se esqueçam de votar e até a próxima <3.

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