Emma
As horas passaram tão despercebidas, já era de madrugada e o pessoal da empresa estava na maior farra, todos felizes se divertindo, eu me contagiava com cada sensação de alegria que eles transmitiam. Parei de beber já tem umas três horas, eu nunca passo do meu limite, da minha cota, e a minha já tinha se extrapolado, por isso passei o resto da madrugada bebendo água.
- Chefe você é demais! - disse Amanda um pouco embriagada.
- Amanda, pelo amor de Deus, vamos que Dylan já está chegando! - disse sua prima.
- Precisa de ajuda? - perguntei.
- Ah sim por favor, não sei em quem essa menina se espelha para se comportar dessa forma! - disse.
Fiquei sem graça, afinal eu incentivava Amanda a curtir a vida, ela tinha apenas 20 anos e agora que tinha acabado de descobrir o mundo e as riquezas que ele pode oferecer, mas nunca disse a ela para exagerar em seu limite.
- Acho que fui a culpada, disse a ela para viver mais! - afirmo.
- Você é mesmo doida, mas não culpo você, aliás na idade dela eu fazia coisa pior! - rimos. - A propósito me chamo Sara! - falou.
- Eu sou Emma! - digo.
- Meu Deus você é a chefe dela, minha nossa, ela te venera sabia? - ela diz.
- Só um pouco eu acho. - digo envergonhada.
Peguei um braço de Amanda colocando em meu ombro, assim como Sara fez a mesma coisa do outro lado, enquanto andamos continuamos conversando.
- Ela fala sempre de você, se espelha demais na sua profissão! - disse Sara.
- Talvez eu não seja só uma má influência - sorri.
- É, podemos dizer que você mostra os dois lados da moeda! - falou.
Quando finalmente saímos do bar que estava lotado por ter sido inaugurado a poucos dias eu perguntei - Pra onde vamos?
- Vamos ao estacionamento, meu esposo já avisou que estava chegando lá!
- A gente não precisa mesmo ir, eu ainda consigo me divertir mais um pouco! - disse Amanda quase apagada.
- Não, você não consegue nem ficar em pé que é o básico, por hoje já deu! - falou Sara como uma irmã mais velha.
- Ah caramba, eu juro que consigo!
Amanda queria nos convencer, mas até eu sabia que ela não tinha mais nenhuma condição de permanecer ali.
-Você ultrapassou os limites Amanda, eu sempre digo a todos vocês para não ir além que o seu corpo permite! - digo.
- Mas eu estou bem!
Assim que ela terminou de falar vomitou em nossos pés, Sara tentou afastar os pés o que foi em vão, eu tentei segurar o cabelo de Amanda se não ia ficar com cheiro horrível de vômito, o que não adiantaria, afinal ela em si estava toda suja, mas ainda assim alguma dignidade deveria lhe restar.
- Mas que droga Amanda, você com certeza passou de todos os limites, isso que dá misturar bebidas! - falou Sara.
Eu soltei uma risada, Sara me encarou como se buscasse me entender - Olha você sabe que ela não vai ouvir seu sermão hoje né!? Na verdade ela provavelmente não se lembrará de nada! - falei.
- É eu sei, mas ainda assim não tira minha irritação!
- Ei vida, o que aconteceu com Amandinha?
- Se descontrolou como sempre! - respondeu ela.
Quando olhamos em direção da voz masculina logo deduzi que era o esposo de Sara, ele veio ao nosso encontro, pegou Amanda em seu colo e a levou até o carro.
Olhei ao redor vi uma mangueira próximo dali então cutuquei Sara mostrando e formos nos lavar, assim que terminamos nos aproximamos do carro, eu já estava preste a voltar para o bar quando ouvimos a porta do passageiro abrir, olhei na direção e vi o mesmo cara do elevador de mais cedo, isso só podia ser uma coincidência muito grande, então abri um sorriso, o mesmo me encarou de cara fechada, mas isso não impactou no meu humor, eu já tinha relaxado o suficiente para estar em paz, mesmo depois que o idiota do filho de Gonzales me fez quase perder a festa toda, enfim, eu já estava bem para ser educada novamente.
- Eu vou indo! - digo.
- Podemos te dar carona se quiser! - diz Sara.
O gato do elevador se mantinha em silêncio, mas nossos olhares permaneciam fixos sem interrupções. Mesmo não tirando minha atenção desse gostoso de homem, eu respondi Sara.
- Não quero incomodar, eu também já possuo carona!
- Ótimos, podemos ir? - disse ele impaciente.
- Quanta má educação de sua parte meu amigo, não liga não Emma, então esses são Dylan meu esposo e Théo nosso amigo! - disse ela apontando para cada um.
Fiquei estagnada no momento que ouvi esse nome Théo, minha mente puxou na memória uma situação do passado, conheci um único rapaz com esse nome, foi a pessoa que transformou a minha visão de diversão na simplicidade da vida, foi quem me fez enxergar o mundo diferente, quem me tornou quem eu sou hoje, olhei prestando atenção novamente em seu belo rosto, eu sentia que o conhecia ele de algum lugar, seu rosto não me era estranho, "será que era ele?", me questionei mentalmente.
- Eu te conheço? - perguntei ainda olhando em seus olhos escuros.
- Duvido muito! - respondeu.
- Tem certeza que não te conheço de algum lugar? - insisti.
- Não, definitivamente não, vamos embora Sara que essa mulher é doida! - falou.
- Grosso! - digo.
- O que disse? - ele falou.
- Que você é um grosso, e agora além de surdo, arrogante é muito mal educado! - falei.
Sara e o marido ficaram nos encarando, por breve segundos achei que ele responderia com ofensas para a minha pessoa, mas ao invés disso ele olhou para Sara e disse.
- Vamos Sara antes que consigam estragar ainda mais minha noite! - entrou no carro.
- O que tem de lindo tem de arrogante esse seu amigo Sara. - falei baixinho.
- Desculpa qualquer coisa, ele só não está numa fase boa! Espero te ver em breve! - falou se despedindo de mim.
- Foi um prazer Emma! - disse Dylan.
- O prazer foi meu, eu acho!
Assim que eles foram embora fiquei ainda mentalmente tentando identificar características que pudessem me dizer se aquele homem era o Théo que eu conheci a tempos atrás, na época em que os veteranos da universidade fizeram o trote com os calouros. Talvez ele estivesse certo e não era quem eu realmente pensei que fosse, afinal o Théo que conheci era dedicado, tinha uma boa conversa e jamais excluiria uma pessoa, muito menos destratar uma mulher, fora o brilho em seu olhar que era tão luminoso que deixava qualquer pessoa encantada. Eu confesso que o procurei no dia seguinte na universidade, mas eu não o encontrei, era como se ele tivesse sido abduzido do mapa, até hoje idealizo na minha vida um homem feito ele, cheio de vida e que acima de qualquer coisa sabe o significado de ser feliz.
Esse homem que apesar de ser lindo fisicamente, tem olhos opacos, como se sua alma não estivesse mais conectada com o corpo, como se viver não fosse bom e ele apenas existia, o tempo que olhei no fundo dos seus olhos eu via dor, mágoa e culpa. Quando levamos uma vida leve aprendemos a observar ainda mais as coisas ao nosso redor, e todo esse tempo que descobri o significado de viver pude perceber que os nossos olhos dizem muitas coisas sobre nós, com certeza esse homem tem alguma história triste para contar e provavelmente ele não é quem eu pensei que fosse, pois o Théo que conheci não se deixaria abater por qualquer coisa, ele era decidido, determinado, sabia exatamente o que queria.
(...)
O final de semana passou voando, depois que voltei pra casa do barzinho com um boy que me fez esquecer completamente dos problemas, principalmente do amigo irritante de Sara, fiquei ainda mais relaxa, o meu domingo foi tranquilo, como todos os outros, sempre passo o dia dentro de casa, a não ser que eu vá visitar os meus pais ou Gonzales com sua esposa, fora isso é paz e tranquilidade, todos devemos ter um dia de descanso, o meu domingo é exclusivamente para isso.
Hoje segunda-feira entro no prédio do escritório com um sorriso gigantesco como sempre faço, dando bom dia a todas as pessoas que olham em minha direção, assim que passo pela recepção Isis me informa que o Sr. Gonzales está me aguardando, então pego o elevador subindo para o último andar, quando chego olho para Vincent o secretário do Gonzales.
- Bom dia Vincent, Gonzales pediu para me ver! - digo.
- Sim, ele está com o filho, pediu para aguardá-lo alguns minutos que ele vem já ao seu encontro! - disse ele.
- Tudo bem!
Sentei em um dos sofás daquela ampla sala, aguardando o Sr. Gonzales. Não demorou uns cinco minutos e ele saiu de sua sala vindo ao meu encontro.
- Como foi o final de semana querida? - me abraçou.
- Bom, espero que no próximo domingo tenha aquela lasanha deliciosa que só Vivian é capaz de fazer! - digo o soltando do abraço.
- Ela provavelmente vai adorar fazer se souber que irá mesmo! - falou.
- Pode confirmar, eu irei! - afirmei.
Assim que terminei de dizer vejo o idiota do cara gato pra caramba, mas ainda assim idiota saindo da sala da presidência, eu fiquei confusa.
- Emma conheça meu filho Théo, Théo essa é a Emma nossa diretora financeira!
O mundo é realmente pequeno, o sorrisinho nos lábios de Théo só me dá a certeza que ele já sabia quem eu era, minha cara de assustada me denunciava que eu não sabia de nada e vendo a maldade em seu rosto ele estava gostando dessa cena provavelmente, porém, o que foi pior de tudo é que ele fingiu demência e com a maior cara de pau me cumprimentou.
- Como vai Emma? Fico feliz que finalmente possamos nos conhecer pessoalmente, meu pai sempre fala muito bem de você! - disse educadamente.
Meu interior o xingava gritantemente, além de rir em profundo sarcasmo, mas eu não sairia por baixo, mesmo depois da forma que me tratou, sem um pingo de educação, eu não ia destratá-lo na frente de seu pai, que era um homem íntegro, respeitador além de cavaleiro, o que ele não demonstrou nenhuma dessas características.
- É um prazer enorme conhecer você Théo, na verdade nunca nos esbarramos? - questionei com um sorriso triunfante.
Tenho a certeza que Théo já sabia quem eu era no momento que vi sua marra de superioridade, ele pode até ser grosso e arrogante longe da empresa, mas aqui no ambiente onde eu trabalho ele devia respeito.
- Deve ser no dia em que nos esbarramos no elevador! - falou.
- Acho que sim! - digo.
- Bom Emma, podemos ir até a minha sala, preciso conversar com ambos em particular! - disse Gonzales.
Eu assenti e seguimos para dentro da sala da presidência. Assim que Gonzales entrou fechando a porta atrás de si, o mesmo pediu para sentarmos um ao lado do outro em frente a sua mesa, confesso que foi um tanto desconfortável e acredito que era da mesma forma com Théo, afinal vi a forma que ficou inquieto.
- Então crianças, quero informá-los que a partir de hoje ambos trabalharão juntos, Théo assumirá a presidência durante seis meses...
- Não foi o que combinamos! - disse Théo o interrompendo.
- Não, mas você assumirá o controle, eu irei viajar em breve com a sua mãe, estarei a disposição via telefone se alguma emergência acontecer, fora isso, espero que os dois consigam resolver as coisas, conhecendo ambos sei que permanecerá tudo certo. - disse.
Gonzales olhou para mim dizendo - Emma, Théo será seu chefe, mas ele não está familiarizado com as novidades, então por favor ajude ele nisso, confio em você, sei de sua competência! - acenei positivamente apesar de não gostar nem um pouco, quando ele virou para o Théo continuando - Confie nela, ela é boa o suficiente para ajudá-lo, ouça ela com atenção e saiba ser parcial nas decisões filho! - terminou.
- Então nada vai mudar por aqui certo? - perguntei.
- Na verdade sim, você não só verificará o balanço da empresa como também ajudará Théo no gerenciamento, toda tomada de decisão deverá ter a assinatura dos dois, conversei com o advogado da empresa, nada será feito se um dos dois não assinarem, para validar qualquer coisa nesta empresa, toda tomada de decisão os dois precisam está de acordo, fora isso daqui a duas semanas ambos terão um compromisso na Itália.
- Na Itália pai? - questionou Théo.
- Sim, preciso que fechem o contrato com o vinhedo de Carlo Romano, é um dos melhores vinhos que já provei na vida, ele não fecha contrato com nenhuma empresa, seus vinhos são uma raridade, ele vende apenas a unidade por pessoa, então precisamos desse contrato, a ida até lá já estava na minha agenda, como ambos estarão responsável pelos assuntos da empresa, preciso que cuidem disso pessoalmente, serão dez dias de viagem! - disse ele.
- Dez dias? - falamos juntos.
Eu e Théo nos encaramos tentando processar como iremos fazer tudo isso que o seu pai está pedindo, se fosse qualquer outra pessoa eu não estaria tão preocupada, mas Théo o pouco tempo que o vi estou com meus pés atrás, afinal não tivemos uma primeira impressão um do outro e isso provavelmente prejudicaria nossa relação na empresa.
- Sim, para convencê-lo terão que participar da festa da uva, e isso durará dez dias! Alguma pergunta? - falou Gonzales respondendo nossa pergunta.
- É mesmo necessário que os dois vão para isso? - perguntei.
- Sim, já disse que ambos devem tomar decisões juntos! - respondeu ele.
Théo me encarou diferente, parecia incomodado com a minha pergunta, não entendi muito bem, mas também não me importei tanto, já estava vendo o sacrifício que eu teria que fazer, principalmente para que a empresa do Sr. Gonzales não desmorone nesse período de tempo que estará ausente.
Mesmo depois de pensar em todas as possibilidades que eu deveria me precaver sabendo que passarei esse tempo todo com esse homem, fixei meu olhar nos olhos de Théo, ele parecia sereno dessa vez, como se buscasse no fundo da alma por alguma coisa, a intensidade que me encarava começou desequilibrar meu corpo todo, minha respiração por alguma razão estava começando a se alterar, mas não descompassadamente, não, era mais como se faltasse o ar, como se Théo estivesse roubando todo o oxigênio daquela sala enorme, assim como meu coração começou a acelerar, deixando minhas mãos suadas demonstrando o nervosismo que eu estava sentido sem saber o motivo.
Assim que Gonzales nos encarou percebendo a forma que nos olhávamos, ele fez um barulho fazendo com que desviássemos os nossos olhos em sua direção, quando assim fizemos ele avisou que iria precisar sair que precisava resolver um assunto importante, pediu para aguardarmos que em breve voltaria, assim fizemos com um silêncio ensurdecedor, em um sentimento completamente constrangedor.