Vante Astaire

By euastra

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[CONCLUÍDA/THREESHOT] Encontros dignos da Sessão da Tarde e um homem com um sapateado de tirar o fôlego eram... More

o ritmo acelerado dos teus pés e do meu coração
o sentimento que nos faz tropeçar e se chama paixão

o alinhamento dos planetas quando você me dá sua mão

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By euastra

Chegueeeeeei!!!

Esse capítulo é definitivamente o meu favorito!

Eu dedico ele totalmente à minha melhor amiga, Gabi. FELIZ ANIVERSÁRIO AMOOOOR!!! Sabe que eu te amo muito, não sabe?

Enfim, fiquem agora com nossos taekook boiolinhas...

[13.08.2021]

As atividades voluntárias de Jeongguk não eram difíceis na maior parte do tempo.

Tinha que dar uma ajuda aqui, outra ali. Poucas foram as vezes em que a Casa exigiu muito de si. Para falar a verdade, em alguns dias chegava a sobrar tempo e o garoto passava aqueles minutos extras conversando com Mina.

E, de toda forma, ele também não se demoraria no lar.

Quando sua presença foi solicitada na sala do reitor, deram-lhe três opções: um dia de atividade por semana, dois ou três. A lógica era fácil de acompanhar, afinal, quanto mais estivesse ocupado com as atividades, mais cedo terminaria. Jeongguk queria isso, queria terminar aquilo e se ver livre do despertador tocando cedo demais para seu gosto.

Mas, sinceramente, já não pensava dessa forma.

Notava certa importância no que fazia e com o tempo passou a perceber que mesmo suas pequenas ações geravam certo impacto nas pessoas ao seu redor.

Como quando ficou encarregado de cuidar do jardim e recebeu a ajuda de um senhor chamado Namjoon. Ele lhe ensinou sobre cada cuidado que deveria ter com as plantas, as formas diferentes de regá-las e outras que nem precisariam daquilo no momento, caso contrário, murchariam. O homem mostrou-lhe suas favoritas — bonsais que ficavam em vasos suspensos — e contou suas experiências de vida. 

Ele era um biólogo marinho, mas tinha medo do mar.

Então apenas estudava de longe e de vez em quando pegava um caranguejo ou outro quando tinha a oportunidade. Vivia em Jeju com a esposa e nunca teve filhos, por escolha. Ao passar do tempo perdeu muitas coisas, como sua mulher, que acabou falecendo devido a complicações da idade. 

— Em vez de viver toda uma vida suspirando cheio de tristeza, eu escolhi viver uma vida afastando esse sentimento e respirando levemente — ele disse uma vez. Jeongguk levou aquilo consigo.

Contou que quando ouviu falar da Casa e que lá poderia continuar cuidando de suas plantinhas, afinal, elas eram sua motivação diária, não tardou em mudar-se. Sua aposentadoria cobria todos os custos e ele vivia tranquilamente no lar.

Nanjoon era um homem bom e solitário. E gostou de ser ouvido por Jeongguk.

Na Casa, Jeon adquiriu certo conhecimento, tudo devido às falas experientes que ouvia quase todos os dias.

Foi ensinado a refogar a cebola antes de colocar o alho, senão queimaria tudo e a comida terminaria com um gosto amargo. Rose, uma mulher pequena e de voz muito bonita, ofereceu-lhe curtas aulas e ele aprendeu alguns acordes em seu violão branco. Também decorou alguns trocadilhos com Hyejin, uma senhora que sempre aparecia do nada, mas não deixava de contar sua piada do dia.

Atualmente Jeongguk não pensava tão cedo em sair dali.

Ainda mais agora que conhecia Taehyung.

O encontro deles foi um sucesso total. Após resolverem se levantar da rua — pois estava muito frio e Jeongguk era muito medroso — Taehyung passou na casa do loiro e o acompanhou enquanto ele seguia até a porta de madeira gasta. Não houve nada além de um beijo na bochecha durante a despedida, mas isso não frustrou nenhum dos lados.

Depois disso passaram-se mais três semanas em que sobreviveram à base de idas às cafeterias tradicionais e cyber cafés. Nessas ocasiões, Jeongguk insistia em ensinar seus jogos favoritos para o homem que, para o seu azar, logo pegou o jeito, chegando a ganhar do mais novo em uma ou outra partida.

E para completar o pacote "dias perfeitos" — como apelidou secretamente —, o Kim também não deixava que Jeongguk chegasse atrasado às aulas.

Encontravam-se nas quartas e sextas-feiras, sendo que na quarta o moreno estava livre durante o horário de saída do loiro e nas sextas, durante a pausa de Taehyung. Em todas essas vezes ficaram fora durante cerca de quarenta minutos, pois Vante negava-se a ser o motivo dos atrasos de Jeongguk. Então costumava levá-lo até a Universidade quando dava a hora e em seguida voltava para a Casa, seja para dançar ou conversar com Mina — isso depois de esclarecer ao Jeon que a senhora não era sua verdadeira avó e eles apenas possuíam aquela relação por serem amigos de longa data.

E era com ela que Jeongguk estava sentado naquele momento. 

Os idosos reuniam-se religiosamente, todos os dias, para partidas de bingo. Um estereótipo que fazia sentido, pois uma vez que eles estivessem acostumados com o jogo, passavam a gostar. 

De qualquer forma, na maioria das vezes nem estavam na expectativa de pequenos prêmios ou algo do tipo. Jogavam para passar o tempo e terem o prazer de se gabarem por serem sortudos.

Mina nunca teve essa sorte. 

Desde que Jeongguk começou com suas atividades nunca chegou a presenciar uma vitória da senhora com quem fizera amizade. E dessa vez não foi diferente. Mina possuía menos de cinco números carimbados em todas as suas fichas. Jeongguk observava enquanto ela batucava a ponta do carimbo na superfície da mesa, nervosa. Também notava o olhar dela movendo-se de sua cartela para a de Sora, que estava sentada a uma distância curta, permitindo Mina bisbilhotar seus números.

Suspirou audivelmente, chamando a atenção da senhora tatuada ao seu lado.

— Afinal, por que ainda está aqui? 

— Hã? — levantou o olhar do moletom colorido, nem reparava que estava desfiando a manga.

— Hoje não é o dia da creche?

— Creche? Como assim? — franziu as sobrancelhas, formando um biquinho involuntário.

— Ah… Então ainda não te chamaram — suspirou e voltou a batucar na mesa. — Vi Lalisa reunindo os voluntários agora a pouco, não notou uma movimentação diferente?

— Não notei, não — observou à sua volta, notando que o número de jovens ali era zero. — Será que eu deveria ir no saguão procurar algum supervisor?

— Isso caralho! — Mina comemorou quando a mulher que anunciava os números sorteou um que estava em suas cartelas. — Não sei, mas vai lá, pode ser que estejam te procurando.

— Tudo bem — sorriu e aproximou-se da senhora para deixar um beijo em sua bochecha. — Até mais!

Então levantou-se da mesa de vidro e seguiu salão afora, procurando por seus colegas de universidade. Não foi difícil achá-los, pois estavam todos agrupados na entrada da Casa, fazendo a contagem de estudantes que seguiriam para a creche. Lisa, que estava responsável por essa tarefa, avistou-no.

— Até que enfim você apareceu — segurou seu ombro e o guiou até a frente do grupo. — Não te achei em lugar nenhum, onde 'cê tava?

— No salão de jogos — foi direto.

— Com a Mina? 

Não respondeu, era óbvio que estava com a senhora. Todos ali sabiam que ele passava a maior parte do tempo conversando ou apenas fazendo companhia à ela.

— O que tá acontecendo aqui, hein? — referiu-se ao aglomerado de jovens.

— Como assim? Não viu as mensagens que mandei no grupo? — Lisa bateu com a prancheta que carregava no braço de Jeongguk depois de ver a careta que ele fez ao ouvir a pergunta. 

— Ouch! — levou sua mão direita ao lugar atingido.

— Isso é por ignorar as minhas mensagens. Elas são importantes, porra — suspirou. — Enfim, nossa supervisora se machucou em um acidente de carro e eu vou meio que substituir ela por enquanto. E sobre isso tudo aqui, hoje o dia inteiro será de atividade em uma creche da mesma rede da Casa.

— Como assim "o dia inteiro"? — franziu o cenho. Ele tinha aula à tarde.

— Antes que você me pergunte, a uni não vai marcar falta no dia da creche, então relaxa. A gente só vai lá fazer umas doações e passar um tempo com a pirralhada — explicou, voltando a contar o número de voluntários presentes.

— Hoseok deve estar pulando de alegria agora… — debochou, pois sabia que o amigo morria de medo de crianças.

— Veja com seus próprios olhos — apontou para o canto do saguão.

Lá estava o Jung, vestido da cabeça aos pés de diversas cores enquanto fixava o olhar em um ponto, apavorado pela perspectiva de passar horas rodeado de pequenos seres humanos que, na sua visão, eram horripilantes.

— Tadinho — o Jeon riu da desgraça alheia. — Já está tudo certo? É aquele ônibus que vai levar a gente? — apontou para o automóvel amarelo estacionado na frente do portão da Casa.

— É ele sim, mas só tem um problema…

— Qual? — olhou em volta, como se o problema fosse magicamente surgir na sua frente.

— Tá faltando uma pessoa — mordeu a ponta da caneta vermelha que segurava e conferiu rapidamente o horário em seu relógio de pulso. — De qualquer forma, ele nem é voluntário e o horário de espera já acabou. TODO MUNDO ENTRANDO NO ÔNIBUS, BORA! — Lalisa exclamou, parecendo ainda mais durona para quem via de fora.

Jeongguk nada mais disse, fez o que sua amiga havia mandado e seguiu em direção ao ônibus, sentando-se sozinho no primeiro assento. Riu ao ver Hoseok praticamente ser carregado por Lisa para dentro do automóvel, eles sentaram dois bancos atrás do Jeon, deixando a frente praticamente vazia senão pelo loiro.

— Pode ir, motorista! — Lisa informou.

O homem, na casa dos cinquenta atendeu ao pedido, engatando a marcha para logo em seguida começar a dirigir.

— Esperem! — uma voz masculina gritou do lado de fora, desesperada. — Esperem por mim!

O homem vinha correndo pela calçada e Jeongguk quis muito rir com a cena.

Era Taehyung. Não, não. Era Taehyung correndo desesperadamente atrás do ônibus enquanto usava um sobretudo chique demais para a situação, apertava o chapéu em sua cabeça, para impedir que voasse durante a corrida e tentava inútilmente prender um guarda-chuva no bolso. Cômico demais.

— Por favor, parem o ônibus! — continuou a correr, não parando nem por um segundo.

Como em um estalo, Jeongguk lembrou-se de que rapidamente o automóvel tomaria uma velocidade maior e Vante acabaria ficando para trás — mesmo que não fizesse a menor ideia da razão por trás daquilo tudo.

Ajoelhou-se no banco para poder olhar Lalisa diretamente.

— Lisa, pode pedir para o motorista parar? — pediu. Vendo que ela nem mudou de expressão, apelou. — Por favorzinho... — juntou as mãos em frente ao rosto, forçando uma feição fofa.

— Só você mesmo, né — a garota riu. — Senhor Ryuk, pode parar um pouquinho para esperar aquele homem chegar? — ela sorriu na direção do motorista, que novamente atendeu ao pedido.

Rapidamente as portas foram abertas e o homem que corria passou por elas, vermelho e suado pelo esforço físico.

— Muito obrigado por me esperar, bondoso senhor! — curvou-se exageradamente. — Serei eternamente grato!

— Não é a ele que deve sua gratidão — Lalisa levantou a voz para que Taehyung ouvisse o que dizia. — Se não fosse por Jeongguk eu te deixaria lá mesmo, horário é horário. 

E pela primeira vez em semanas, Jeongguk viu Taehyung constrangido.

Também notou quando ele finalmente se deu conta de sua presença, parecendo cair na real de que o Jeon fazia parte do grupo de voluntariado, era óbvio que ele estaria ali.

— Ah, sim… Jeongguk — engoliu em seco. — Obrigada, Gguk — curvou-se levemente na direção do mais novo, que retribuiu com um sorriso.

— Agora, se não se importa, poderia fazer a gentileza de arranjar um assento? — foi ácida. — Já nos atrasamos o suficiente por sua causa.

Jeongguk até falaria algo pelo tom de voz da amiga, mas não adiantaria nada, Lalisa era naturalmente áspera com pessoas que não faziam parte de seu círculo social.

— Claro, já vou. E me desculpe pela demora — Taehyung sorriu amarelo, recebendo um levantar de sobrancelhas em resposta.

Fez o que a de cabelos coloridos mandou e sentou-se. Ao lado do Jeon.

— Olá, Gguk. Que maravilhosa coincidência nos encontrarmos, não? — Vante disse, numa tentativa de iniciar um diálogo.

— Eu não chamaria de coincidência você entrar no ônibus dos voluntários e eu estar aqui, Taehyung — Jeongguk brincou, animado pela ideia de passar mais um dia ao lado do mais velho.

— Realmente… — Taehyung retirou o chapéu de sua cabeça, colocando-o sobre o colo. — Bobeira minha.

— Nah… — Jeongguk gesticulou como se aquilo não fosse grande coisa. — Na verdade, nem eu sabia que faríamos algo de diferente hoje.

— Fala da creche, não é? — Jeon concordou com um manear. — A Casa sempre manda um grupo de voluntários para levar doações até lá, normalmente não acompanho essas visitas, mas descobri que hoje vocês vão passar o dia com as crianças, certo? — o loiro novamente concordou. — Eu tenho o costume de visitar algumas creches de vez em quando, mas nunca fui nessa. Aí aproveitei a oportunidade — deu de ombros.

— Dançarino, professor, visita creches por vontade própria… — Jeongguk contou nos dedos. — Tem mais alguma coisa sobre você que eu não saiba, senhor Vante? — brincou.

— Muitas coisas, Gguk-ah.

🕺

 O caminho não era muito longo, chegaram ao destino final em menos de trinta minutos.

O Jeon ficou surpreso ao notar que estavam em um bairro vizinho ao que morava, já pensava em voltar andando para casa — afinal não gostaria de gastar o passe do metrô desnecessariamente.

A fachada do local revelava para quem quer que visse o que estava por detrás dos muros coloridos: uma infinidade de crianças prontas para gastar toda sua energia em brincadeiras.

O portão, quadriculado nas cores amarela e rosa, ficava entre dois muros com diversos desenhos que pareciam realmente ter sido feitos pelas mãos de crianças. Um arco-íris de três linhas, um carrinho laranja com formas arredondadas e janelas verdes, nuvens azuis que rodeavam um sol sorridente e que usava óculos escuros. Traços típicos daqueles seres piticos. 

Uma faixa amarela fluorescente em cima do portão possuía os dizeres "Creche Patinho Feio" e Jeongguk riu ao ler, sem um motivo aparente.

Lalisa passou pelo corredor assim que o ônibus estacionou, ficando à frente de todos.

— Silêncio agora, o que tenho pra falar é importante — conferiu uma última vez a prancheta. — Nós vamos entrar em uma creche que, além de ensinar gratuitamente crianças com renda financeira baixíssima, também abriga crianças abandonadas — olhou com seriedade todos que estavam sentados. — Sendo assim, evitem perguntas de cunho pessoal, como família e coisas do tipo, é uma área perigosa. Essas crianças parecem não carregar nenhum peso, mas até elas podem ter traumas. 

Ela falava com propriedade. E tinha.

Lalisa era órfã. Foi abandonada aos seis anos na porta de um casal de idosos, quando ainda morava na Tailândia. Eles, sem terem condições para criar a garota, enviaram-na para um orfanato, pensando que assim então ela poderia seguir um caminho melhor e ter mais oportunidades.

Felizmente estavam certos, mas isso não significava que sua vida havia sido fácil. 

Antes de ser adotada, aos doze anos, sofreu muita coisa. Passou por diversas situações constrangedoras das quais sentia nojo apenas com a menção. Ela lembrava dos dias em que o orfanato ficava em alerta vermelho e a comida faltava, então tinham que sobreviver comendo apenas o almoço e, no dia seguinte, as sobras da refeição anterior.

Nessa época ela foi diagnosticada com um distúrbio alimentar e chegou a ser internada, sendo enviada para um hospital onde acabou sendo cuidada por uma enfermeira jovem que sonhava em ter uma menininha, mas infelizmente era infértil.

E assim conheceu sua mãe.

Quando estava recuperada, voltou ao orfanato, recebendo um lar definitivo pouco tempo depois.

Atualmente vivia com em Seul, cidade natal da mãe. Sua relação familiar com a mulher era excepcional. 

Ainda possuía algumas sequelas dos problemas que tivera anos atrás, pois seu corpo não ganhava muita massa, então acabava sendo mais magra do que a maioria das meninas. Essa era uma de suas maiores inseguranças, com a qual lutava todos os dias ao levantar-se da cama. 

Lalisa Manoban era uma mulher forte.

— Elas possuem cordões de identificação, mas perguntem seus nomes, idades e cores favoritas. Brinquem com elas e ajudem no que precisarem, mas procurem não invadir o espaço de cada uma. Se a criança não quiser participar de alguma atividade, não insista, procure saber mais sobre ela e sobre o que ela gosta. Não precisam se acanhar — disse, direcionado-se principalmente a Hoseok e finalmente sorriu, parando depois de alguns segundos. — Temos vinte e três voluntários presentes hoje, ficaremos aqui até as 18:00, depois disso vocês serão dispensados. Eu preciso confirmar a presença mesmo após finalizarmos as atividades, então caso algum de vocês decida voltar sozinho, preciso que me avise antes para que fique anotado. 

Terminou de passar mais algumas informações, como o cronograma das crianças e os suprimentos que seriam doados. Recontou o número de voluntários e logo em seguida todos desceram do ônibus, indo em direção ao portão, que foi aberto pela diretoria da creche.

Já com a recepção feita, foram apresentados aos funcionários do local e fizeram as doações. Ao final das cortesias, seguiram por um corredor estreito que levava a uma quadra, onde estava a maioria das criaturinhas.

— Pai do céu… — Jeongguk ouviu a voz de Hoseok logo atrás de si, assustado pela quantidade assustadora de seres que corriam por ali. — Eu acho que vou desmaiar — ele disse, antes de exageradamente fingir estar passando mal, sendo repreendido.

Em contrapartida estava Taehyung, que sorria de orelha a orelha, com os olhinhos brilhando em entusiasmo por estar na presença das crianças.

Ele as considerava seres tão puros e fofos que desejava imensamente ter algumas, no plural.

Era seu maior sonho.

— Não são lindas, Ggukie-ah? — virou-se na direção do loiro, o rosto iluminado diante da cena que presenciava.

Garotos e garotas correndo de um lado para o outro enquanto gargalhavam, algumas pulavam corda e outras brincavam de elástico. Ao fundo, no interior de uma das traves de futebol, pequenos potinhos de tinta estavam espalhados no chão, juntamente às folhas A4 que recebiam os dedinhos gordinhos das crianças em sua superfície.

Ouvia-se um choro vindo de algum ponto do lugar, próximo de onde um grupo brincava de elástico, aquele que contornava seus calcanhares enquanto uma pessoa fazia sequências de movimentos em cima, dentro e fora dele.

Jeongguk observou tudo com um curvar de lábios imenso no rosto.

Aquilo era a infância em sua forma nua e crua. Pura.

— Vamos, garotões — Lisa prontificou-se em motivá-los enquanto subia as mangas de seu cardigã creme. — Elas não vão morder vocês — riu. — Apenas se forem muito chatos, então, por favor, sejam chatos! — finalizou, seguindo até um pequeno grupo que brincava no gol livre.

Os voluntários foram se dispersando, tentando interagir da melhor forma que podiam com todos. Receberam a ajuda de algumas supervisoras quando tentavam se comunicar com alguma criança que precisava de atenção especial, mas não deixaram ninguém de fora.

Taehyung rapidamente correu em direção ao outro gol, pendurando o sobretudo, o chapéu e o guarda-chuva em qualquer lugar, pouco se importando caso algum serzinho fizesse travessuras com as vestimentas e objetos caros. 

O dançarino sujou o rosto de tinta quando um garotinho de no máximo quatro anos — e extremamente fofo, por sinal — resolveu que ele definitivamente se parecia um tigrinho.

Jeongguk quase morreu de amores ao ver que o nariz de Taehyung estava pintado de preto e listras da mesma cor estavam espalhadas pela face do moreno. 

— Olhe o que sabemos fazer, Jeongguk! — o Kim chamou pelo estudante, mostrando a carinha das criancinhas que estavam pintadas da mesma forma que si. — No três, pessoal — anunciou aos outros — Um… Dois… Três… — todos fizeram carinhas de bravos, com direito a biquinhos, e rugiram. — Rawrrr! 

Gargalhou ao final, contagiado pela animação do mais velho.

Mas ainda sentia-se deslocado. Resolveu que iria evitar aquela área por enquanto, então seguiu até o refeitório, para, assim como seu amigo Jung, ajudar as tias da cozinha a preparar o lanche da tarde das crianças.

Ficou ali por um tempo considerável de tempo, cortando diversos tipos de frutas em cubinhos para formar uma grande salada que seria distribuída em potinhos coloridos. Descascou as laranjas que fariam o suco e, por fim, preparou todas as mesas com um potinho, uma colher, um copo e guardanapo de papel para que pudessem limpar os lábios caso fizessem sujeira. 

As crianças menores recebiam ajuda de assistentes e se sentavam em cadeirinhas mais altas. Jeongguk não precisou arrumar essas.

Quando enfim terminou, o loiro seguiu o caminho de volta à quadra, encontrando uma cena um tanto quanto peculiar na volta.

Taehyung estava agachado no chão, enquanto acariciava os cabelos de uma garotinha. Ela possuía por volta de cinco anos e seus ombros tremiam devido ao choro forte. Os cabelos, longos e muito escuros, estavam levemente bagunçados.

— O que houve, Tae? — tocou no ombro dele, chamando não apenas sua atenção, como a da menininha.

— Não sei… — tentou dar de ombros para demonstrar confusão, entretanto a criança pareceu apertá-lo ainda mais. — Eu estava te procurando quando ela apareceu correndo, quando questionei o motivo do choro recebi só um abraço, e ela não me soltou mais

Sem compreender, Jeongguk abaixou-se ao lado da garotinha abraçada a Taehyung. 

“Sarang”, leu na correntinha presa ao seu pescoço. 

— Olá, Sarang! — sorriu e aproximou sua mão do ombro da menina no objetivo de confortá-la, vendo que o ato não foi muito bem recebido. — Err… Você gostaria de me contar o porquê de estar chorando?

A garota negou pouco antes de voltar a repousar o rosto no ombro do Kim, este que aparentava não estar nem um pouco transtornado com a situação, mas não sabia exatamente o que fazer. 

Jeongguk não estava muito diferente. 

Em momento algum pensou que fosse ter de lidar com crianças durante o programa de voluntariado, principalmente com crianças chorando copiosamente sem um motivo aparente.

Quase entrou em desespero por não saber o que fazer.

Foi então que lembrou-se de algo que poderia acalmar a garotinha. Existia uma canção. Uma que sua mãe cantava todas as noites ao pé de sua cama na esperança que o pequeno Jeongguk pegasse no sono. A canção dos lobos.

Torcia para que funcionasse da mesma forma que funcionou consigo anos atrás.

— Sarang, posso cantar uma história para você? — sentou-se de pernas cruzadas em frente aos dois, esperando enquanto Taehyung (que pelo visto estava confuso e interessado no fato de Jeongguk ter usado termo “cantar” e não “contar”) imitava a posição e colocava a garota apoiada em seu colo. Nenhuma confirmação veio, mas Jeongguk levou aquilo como um “sim”, afinal, quem cala, consente.

Suspirou.

Cantou.

“Há muito tempo atrás,
Onde o sol não toca mais
Onde a lua não se vê
Existem estrelas a viver

Na pele um borrão
Flores pelo chão
O aroma toma o ar
Daquele que irá nos salvar

Por aqui e por ali
Senti o cheiro me invadir
Ouvi o chicote soar
Antes dele se apresentar

Não adianta se cobrir
E nem tentar fugir
Pois o lobo negro
A você irá perseguir

Rezem aos espíritos!
Ouçam nossos gritos!
Antes que apareça
Pois seremos a presa

Mas ao longe se ouviu
Não culpem meu lobo
Culpem aquele outro
Aquele que trapaceou
E me amaldiçoou

E terá de ser assim
Sei que morte causei 
Pois da morte eu vim
E meu destino eu sei
Esse não é meu fim!"

Respirou fundo ao final da cantiga. Ela sempre lhe trazia um sentimento bom e nostálgico.

Quando reparou, Sarang não chorava mais, e sim sorria.

Jeon e Kim entreolharam-se, aliviados.

— E então, Sarang? Está se sentindo melhor? — tentou segurar a mão delicada da menina que permanecia no colo de Taehyung. Ela aceitou o toque e assentiu, indicando que estava melhor — Que bom! Me corta o coração ver uma garotinha tão linda chorando dessa forma… — fez um biquinho, fingindo tristeza.

Sarang, acreditando na tristeza alheia, levantou-se devagar e deu curtos passos até chegar em Jeongguk. 

O mais novo ficou confuso com a ação, até que ela levantou os indicadores e posicionou-os um de cada lado da boca dele, repuxando a lateral dos lábios para que formassem um sorriso.

Coelino não pode ficar tisti… — falou pela primeira vez. — Coelino e Tigui tem que ser feliz!

"Senhor, pode me buscar, acho que vou ter um acesso de fofura e infartar!", o loiro pediu em pensamento.

— Coelino e tigui? — Taehyung que falava agora.

— É… Coelino — apontou para Jeongguk e depois levou as duas mãozinhas até a própria cabeça, imitando orelhas de coelho. — E Tigui — dessa vez apontou na direção do Kim para em seguida fingir ter garras e rugir: — Rawr!

Os olhos do dançarino brilhavam como nunca enquanto observava Sarang. Fofo.

— Então se eu sou um coelho, e o Tae um tigre… O que você é? — entrou na brincadeira.

— Não sei… O que eu sou tio Tigue? — voltou o olhar para Taehyung, que nem exitou em responder:

— Uma princesa! 

Sarang gargalhou, saltitando entre os dois bobões que ainda estavam sentados no chão.

— Isso, uma princesa! — fez a menininha rir mais antes de voltar a perguntar o que vinha cutucando sua mente desde que viu as lágrimas nos olhos dela. — E a princesinha pode me dizer o porquê que estava chorando agora a pouco…? — foi manso ao questionar.

Sarang parou com os pulinhos rapidamente, voltando a se sentar no colo de Vante.

— Não precisa falar se não quiser, princesinha — o moreno acariciou os fios negros feito turmalina dela. — Mas se nos contar, podemos tentar te ajudar.

Ela brincou com os dedos por alguns segundos, de cabeça baixa enquanto pensava se deveria contar o que havia acontecido minutos atrás. Pensou que poderia confiar nos tios legais, então falou: — Foi a Yumi…

— E o que a Yumi fez, meu amor? — Jeongguk tocou o joelho coberto da menina, confortado-a. 

— Ela diche que a Sarang era uma abeação pu que a Sarang não tem mamãe e papai… — coçou os olhinhos, sentindo que eles voltavam a encher de lágrimas. — E a Sarang nem sabe o que é abeação

Depois disso o loiro apenas se ajoelhou, aproximou-se de Sarang e Taehyung e abraçou a garotinha, confortando-a. 

Segundos depois sentiu os braços do outro lhe rodeando, e ficaram naquele abraço desajeitado com a menina entre os dois.

Mas então um sino soou, avisando que o lanche da tarde seria servido. Eram quatro horas, eles tinham apenas mais duas horas para gastarem ali.

Tempo esse que passou voando.

Após o ocorrido, seguiram para a secretaria, informando à diretoria o ocorrido com Sarang, exigindo que medidas fossem tomadas. Pois a menina, intitulada Yumi, não apenas havia usado palavras horríveis contra a órfã, assim como puxou seu cabelo, e ela era muito mais velha.

Depois voltaram para a quadra, ajudando os outros voluntários a limparem todo o chão. Jeongguk que limpou o rosto de Taehyung.

Quando viram, Lalisa já os liberava e apenas marcava a presença final de cada um, agradecendo a presença de todos.

Ela, mais que ninguém, sabia o quanto aqueles momentos eram importantes para as crianças.

— E então, Tae… — Jeongguk segurava as alças de sua mochila. — Eu vou andando, minha casa não é muito longe daqui. Até mais!

Lentamente virou-se, sendo surpreendido por Vante, que segurou seu ombro.

— Dessa vez temos uma coincidência! — animou-se enquanto posicionava o chapéu marrom de volta no topo da cabeça. — Eu não havia reparado da última vez, pois quando fui buscá-lo para o encontro estava saindo direto do trabalho, mas minha casa também não fica muito longe… Quem sabe eu não posso te fazer companhia nessa caminhada — levantou uma das sobrancelhas, sugestivo.

— Hmm… — hesitou. — Acho que… Pode ser… — engoliu em seco. Seriam apenas ele e Taehyung. Sozinhos. Por um período considerável de tempo. — Acho que… Vamos?

O moreno sorriu na confirmação.

Saíram da creche e começaram a andar pelas calçadas, sem nada dizer. O clima não era embaraçoso, muito pelo contrário, estavam confortáveis com o silêncio. 

Seguiram assim. O céu escurecia gradativamente, passando pelas cores laranja, rosa, roxo, azul e, por fim, ficando completamente escuro.

Não havia estrelas, um vento mediano soprava os cabelos do Jeon, que obrigou-se a puxar o capuz do moletom colorido para cima. Mas isso de nada adiantou, pois a brisa insistia em retirá-lo de sua cabeça.

Em uma dessas lutas para que o capuz se fixasse no lugar correto, Jeongguk não viu que uma parte da calçada estava quebrada, deixando uma elevação inconveniente que levou-o a tropeçar, indo em direção ao asfalto mal cimentado.

Por pouco não caiu no chão. 

Taehyung foi mais rápido, apanhando-o para que não se machucasse com o tropeço.

Com seus braços ainda em volta do estudante, o dançarino posicionou-no de volta no lugar, em pé.

Eles acabaram muito próximos, de tal forma que as nuvens formadas por suas respirações colidiam no rosto um do outro, causando um leve arrepio. A aba do chapéu marrom de Taehyung encostava na testa de Jeongguk, fazendo o mais novo apertar as mangas do moletom colorido que vestia, em antecipação ao que viria a seguir.

Não passavam mais tantos carros nas ruas apesar do horário de pico. Estavam completamente sozinhos. As famosas lojas da longa via na qual andavam já estavam fechando, os postes com suas luzes ligadas e a Lua brilhava cheia sobre suas cabeças. 

As nuvens em volta do corpo celeste tornaram a noite ainda mais bonita.

— Vante... — murmurou o Jeon, timidamente posicionando uma de suas mãos na lateral do pescoço de Taehyung, alisando levemente o local.

O último que riu levemente da forma como Jeongguk havia lhe chamado, pois mesmo que soubesse seu nome verdadeiro, ainda insistia no nome artístico às vezes.

— Ggukie-ah, se eu soubesse que luz noturna iria torná-lo imensamente mais bonito... — acariciou o rosto do loiro.

O homem de chapéu continuou a se aproximar do Jeon, enlaçando a cintura charmosa de maneira carinhosa, mas firme, fazendo o garoto arfar minimamente. O toque fez com o que o capuz do moletom deslizasse para longe dos fios platinados, dando a Kim uma visão que jurou ser mais bela do que tudo o que havia visto em seus vinte e quatro anos de idade. 

Não que tivesse vivido muito para fazer tal afirmação, mas o suficiente para saber que os olhos de Jeongguk escondiam todos os segredos do universo. 

E talvez ele fosse curioso o bastante para querer desvendá-los.

Já com os lábios a milímetros de distância, algumas gotas começaram a cair, leves, em suas roupas, molhando superficialmente seus sapatos. 

O que não durou muito, pois logo a chuva tornou-se agressiva e formou, de uma forma estranhamente satisfatória, uma sinfonia harmoniosa.

Abriram os olhos por instantes, tentando imaginar o que fariam agora, pois pouco a pouco suas roupas começavam a encharcar, tornando o momento um pouco desconfortável na visão de Jeongguk. 

Entretanto, contrariando o que o estudante pensou que iria acontecer, o rosto de Taehyung iluminou-se, externalizando a ideia mais brilhante que jurou ter até aquele instante.

Num piscar de olhos, afastou-se do corpo do outro, trazendo uma sensação de solidão momentânea, já voltando a andar pelo caminho que antes trilhavam. Suas passadas eram ritmadas e levemente cômicas. 

Arduamente confuso pelas atitudes do homem, Jeongguk perguntava-se mentalmente se deveria segui-lo e sugerir que dividissem o guarda-chuva de Taehyung, que agora girava na mão dele.

— Tae! O que está fazendo? — abraçou seu próprio corpo, numa tentativa falha de proteger-se do temporal.

Sem receber uma resposta, Jeongguk observou a sequência de fatos que seguiu-se. Era digna de ter sido gravada, e fizeram o estudante abrir um sorriso enorme.

O Kim parou, olhou para trás por cima do próprio ombro e riu, voltando a andar da mesma forma de antes. Em seguida começou a cantar.

I'm singin' in the rain, just singin' in the rain... — cantarolou, a felicidade em sua voz sendo percetível à distância.

"Eu não acredito" Jeongguk pensou, sua gargalhada preenchendo o, quase, silêncio da noite. 

O homem à sua frente continuava a performar da melhor forma que conseguia. Uma das mãos balançava de um lado para o outro, enquanto a gêmea ainda brincava com o objeto que deveria estar protegendo eles da chuva. Ele rodopiava, mudava o ritmo dos seus pés, uma hora eram curtos e rápidos, em outro momento longos e preguiçosos, jogando os calcanhares de lá para cá.

— Venha Jeongguk! Cante comigo! — chamou, parando apenas para estender a mão em convite. 

— Nunca! E pagar um mico desses? — fingiu indignação. — E eu acho que você se perdeu um pouco no personagem, esse seria Gene Kelly, não é?

— Então faremos melhor, assim como teria sido se Fred tivesse feito o filme! — encorajou Jeongguk, recebendo um revirar de olhos em resposta. — Vamos, deixe de besteira... Tenho certeza que conhece a letra! — riu.

Ficaram calados por alguns segundos, a chuva não parava de cair, formando poças por cima de poças e escorrendo pela pista. As roupas haviam perdido para o temporal há tempos e estavam mais molhadas do que tudo, grudando nos corpos como uma segunda pele.

Foi quando uma gota pousou no nariz de Jeongguk que ele se rendeu às maluquices de Taehyung.

So dark up above... — cantou, baixinho, mas cantou.

— Mais alto, ninguém está aqui para julgá-lo! — encorajou e depois continuou a partir do verso do loiro. — The sun's in my heart!

And I'm ready for love! — gritaram em uníssono.

E assim continuaram, cantando e dançando. As ruas eram um palco para aquilo que faziam. 

A noite pertencia somente a eles.

Fizeram daquele chuvoso e frio fim de dia, algo quente. Sorriram e sorriram. Em momento algum deixando os olhos desviarem um do outro, tocando, abraçando e apertando.

Houve até um momento em que Taehyung tentou ser mais ousado e resolveu realizar um passo de dança que não deu muito certo, pois ao finalizar o giro com o corpo de Jeongguk e tentar inclinar o garoto em seus braços, acabou perdendo  o equilíbrio e fazendo com que os dois se espatifassem no asfalto, causando risadas altas.

No final da caminhada, quando a lua já não era mais passível de localização, Taehyung deixou Jeongguk na porta de casa, conhecendo por segundos Panqueca, a gatinha do jovem.

— Boa noite, Tae — despediu-se com um abraço e um beijo na bochecha do homem.

— Boa noite, Gguk-ah — curvou-se em direção a Jeongguk, tirando seu chapéu. 

O Kim permaneceu na mesma posição até que o loiro fechasse a porta, seguindo pela curta varanda enquanto saltitava, encostando os calcanhares e sentindo-se a pessoa mais feliz do mundo. 

Mal sabia ele que a poucos metros dali Jeongguk estava sentado, encostado em sua porta ao passo que acariciava os pêlos alaranjados de Panqueca, formando uma pequena poça em seu bumbum ensopado. 

Poderia jurar que estava sonhando acordado. Se fosse o caso, ele queria muito ser uma espécie de Bela Adormecida e dormir pela eternidade.

— Uma eternidade…  — pensou em voz alta. — Não é uma má ideia, ou é?

🕺

Era sábado, exatamente uma semana depois do ocorrido na creche. Jeongguk amanheceu com uma sensação boa no peito, sentia um ar leve rondando sua casa.

Estava animado. Resolveu que iria faxinar.

Acordou em um pulo, sorrindo ao notar que um fraco sereno caía dos céus, amava dias como aquele. Não estava muito frio nem muito quente, por isso resolveu vestir-se apenas com uma camiseta preta e bermuda de mesma cor, calçou também meias vermelhas com a estampa de seu herói favorito. Não satisfeito com toda euforia que rondava seu corpo, praticou um pouco de Yoga — algo totalmente fora do cotidiano. 

Agora sim, estava preparado para um dia de faxina em casa.

Normalmente não se animaria para passar o tempo varrendo, esfregando e enxaguando sua casa. Naturalmente preguiçoso, era incomum o Jeon estar tão motivado para realizar tal atividade.

Tratou de tomar rapidamente o café da manhã, mal mastigando os alimentos que passavam por entre seus lábios. Na televisão, o noticiário do dia passava, trazendo informações com as quais a sociedade já havia se habituado: roubos, corrupção e assassinatos. As notícias não estavam muito boas, o que fez com que Jeongguk mudasse de canal logo após deixar a louça suja na pia. Sem perceber, parou em um canal de músicas, esse que chamou a atenção do loiro. 

Jeongguk colocou o volume no máximo.

— Bora lá! — exclamou enquanto seguia em direção à dispensa, pegando tudo o que seria necessário naquele dia.

Parou no meio da sala, varrendo o local com os olhos, pensando por onde iria começar. Infelizmente teve seu raciocínio interrompido pelo toque estridente do celular,  anunciando a ligação de alguém.

— Alô? — atendeu sem ao menos ler o nome de quem ligava. — Quem fala? 

— Gguk-ah, sou eu, Taehyung — respondeu do outro lado da linha, fazendo os músculos do mais novo tensionarem.

— Tae-ssi, tudo bem? — apoiou-se na vassoura próxima a si, cruzando as pernas ao mesmo tempo. — A que devo a honra de sua ligação? — riu e ouviu a risada de Taehyung.

— Eu estava aqui pensando… — começou, recebendo um murmúrio de Jeongguk, indicando que continuasse sua fala. — Estou com o dia livre, o tempo está bom para ir ao cinema, sabe?

— Uhum, está mesmo — parou para olhar pela janela, o sereno continuava a cair pelas nuvens cinzas.

— O que você acha de me acompanhar? Ouvi que há um filme de comédia muito bom em catálogo. Algo como um garoto azarado, um sortudo e... Coelhos? Não sei bem — concluiu o convite. Estava com expectativas altas acerca da resposta do estudante, tanto que encontrava-se dentro do carro.

— Poxa, Tae… — suspirou. — Eu queria mesmo poder ir, muito mesmo. Mas hoje é meu dia de faxina e não posso mais procrastinar. Daqui a pouco essa casa vira um chiqueiro. 

— Oh, tudo bem — Taehyung frustrou-se, largando o corpo do banco de couro do mustang. Olhou para o teto que havia sido difícil de posicionar, ele ficava quase cem por cento do tempo dobrado no compartimento da traseira dos bancos.— Podemos marcar para outro dia.

Jeongguk sorriu triste, podia perceber pelo tom de voz do homem a nítida mudança de humor. Arriscando-se nas próximas palavras.

— Não precisamos esperar uma próxima vez — disse, atraindo totalmente o interesse do dançarino. — Você poderia vir aqui em casa, sabe? — mordeu os lábios em ansiedade. 

— Mas você não está ocupado? — mostrou claro interesse na pergunta.

— Até que estou, mas você pode me fazer companhia — trocou o peso da perna.

— Chego aí em vinte minutos.

🕺

Dito e feito. Vinte minutos depois a campainha do Jeon soou, anunciando a chegada de um visitante.

— Taehyung! — sorriu ao ver o homem parado na varanda de sua casa, com um sobretudo protegendo-o da garoa. Percebeu que, mesmo estando ali apenas para uma visita casual, o Kim ainda assim vestia colete e terno. — Bem pontual.

— Sempre — retribuiu o sorriso. — Err… Posso entrar?

— Ah, claro — ruborizou. — Desculpe, pode pendurar suas coisas ali.

Jeongguk deu passagem para o mais velho, levemente envergonhado pela roupa que estava usando.

Taehyung observava minuciosamente o local, notando que, à primeira vista, a sala não aparentava possuir muito da personalidade de Jeongguk. As paredes eram creme, combinando com os móveis de madeira clara, tapete e sofás seguindo o mesmo estilo. A televisão de grande porte ficava pendurada por um suporte na parede. Mais a frente ficava a cozinha, separada do lugar que estavam por uma mesa de seis lugares. Tudo era muito aconchegante e simples, com uma ou outra plantinha espalhada.

Mas então notou gibis de super-heróis espalhados na mesa de centro, alguns funkos pop em meio aos porta retratos localizados em uma mini estante atrás do sofá e, se forçasse um pouco a visão, teria certeza de que as imagens dos ímãs presos à geladeira reproduziam as de super-heróis.

— Pode ficar à vontade — esfregou as mãos levemente úmidas nas coxas. — Eu terminei agora de lavar o banheiro. Vou limpar a sala e depois‐ 

— Eu posso te ajudar — olhou para Jeongguk. 

— Ah não, não. Definitivamente não — abanou as mãos, exasperado. — Eu te chamei pra me fazer companhia, não tirar teias das telhas ou algo do tipo.

— Vamos, Gguk-ah — tirou o terno preto, pendurando juntamente ao sobretudo. — Não me incomoda nem um pouco a ideia de tirar teias das telhas e coisas do tipo.  

— Eu estaria me aproveitando de você, isso sim — encaminhou-se para a cozinha. — A visita aqui é você.

— Eu vou precisar de outras roupas, essas aqui não vão ficar desconfortáveis depois de um tempo limpando, você me empresta? — terminou de desabotoar o colete.

— Do que você 'tá falando? — abriu a geladeira, pegando uma garrafa d'água. — Eu já falei que não vou deixar que você limpe minha casa.

O Jeon, por estar de costas para o dançarino, não notou quando este abriu o colete e desabotoou os primeiros botões da camisa social que usava. 

— Jeongguk, não me faça ter que usar métodos mais extremos — avisou, chegando perto do loiro.

— Como assim? 

Mal deu tempo de virar. Quando percebeu, as mãos de Taehyung já estavam em sua cintura, fazendo cócegas por toda área.

— Taehyung! P-para! — gargalhou, as mãos subindo até suas axilas. — E-eu s-sinto muitas cócegas! P-ara! 

Jeongguk percebia a proximidade em que estavam, suas costas esbarravam com o peito de Taehyung enquanto contorcia-se por conta daquela brincadeira. Assumia que aquilo aumentava seu desespero em cem por cento.

— Apenas quando me deixar te ajudar! — continuou o que estava fazendo, ouvindo a risada melodiosa do estudante, jurando que aquele era um dos sons mais adoráveis que já ouvira.

— N-nunca! — gritou antes de finalmente se livrar das mãos alheias, correndo de volta para a sala.

— Jeongguk-ah! Volte aqui! — viu o outro correr até a outra ponta do sofá, notando esse se apoiar nos joelhos e tentar recuperar o fôlego.

— Só um minuto — levantou um dos braços. 

— Claro, claro — debochou.

Voltou a se aproximar silenciosamente, tomando cuidado para que o Jeon não notasse. Falhando ao derrubar um dos funkos anteriormente citados.

— Não, não — o Jeon levantou abruptamente, andando de costas numa tentativa inútil de fugir de Taehyung.

— Eu não vou fazer nada de mais, Gguk-ah — puxou as mangas da camisa social até os cotovelos.

Foi nesse ato que Jeongguk paralisou, finalmente notando o estado em que Tae se encontrava. As mangas altas e a gola mostrando boa parte do colo do moreno, expondo a clavícula marcada e a pele amorenada, o colete quase caindo por um dos ombros, os cabelos bagunçados e uma fina camada de suor na testa devido ao esforço feito para segurar o loiro.

Este que mal reparou na aproximação daquele que tanto observava, voltando ao mundo real apenas quando sentiu a cabeça se chocar contra a superfície de madeira da porta.

— Não ouse fazer mais cócegas, Taehyung — disse enquanto tentava soar minimamente sério.

— Não farei nada de mais, prometo — respondeu, mantendo o tom sarcástico, indicando o oposto do que falava. A confirmação de que faria algo acompanhada pelos olhos felinos do moreno junto do sorriso provocativo.

Andou em passos lentos até finalmente ter encurralado o Jeon, os braços um de cada lado da cabeça dele.

— T-Taehyung, o q-que está fazendo? — questionou com a respiração desregulada devido a aproximação do Kim, mantendo as mãos coladas ao corpo.

Ignorando a pergunta, levou as mãos novamente às costelas de Jeongguk, ameaçando retomar aquilo que estava fazendo antes.

— Ou me deixa te ajudar, ou não irei me responsabilizar por meus atos — Sussurrou próximo à orelha do mais novo.

Sem escapatória, restava ao pobre garoto aceitar o que lhe fora imposto. 

— ‘Tá, ‘tá bom — murmurou enquanto escapava por baixo dos braços que o prendiam ali. — Vou separar uma muda de roupas pra você, vem.

Aproveitou para mostrar os outros cômodos da casa, como quartos, banheiro e área de serviço. Deixou o mais velho com as roupas emprestadas e voltou para a sala, esperando que ele voltasse para que finalmente pudesse dar os comandos do que teria de fazer. Obviamente deixaria os afazeres mais fáceis para Taehyung, como lavar a louça e varrer o chão da cozinha — já que não era um espaço muito grande.

Começou limpando a mesa de centro e os móveis de madeira, deixando-os um brinco. Continuou até ouvir um chamado atrás de si, assustando-se por um segundo, afinal estava com o bumbum completamente empinado na direção do corredor.

— Gguk-ah, não acha que essa blusa está grande demais? — Taehyung chegou na sala, agora com as roupas devidamente trocadas.

Vestia uma camisa preta desgastada que podia ter certeza ser dois números maior do que o das próprias roupas, na parte de baixo um short verde cinzento ia até pouco abaixo da metade da coxa, Por fim, Jeongguk havia emprestado chinelos ao moreno, não seria nada legal deixar ele andando por cima da poeira que varreria.

— A maior parte das minhas camisas é assim, Vante — continuou admirando o quanto Taehyung ficava bonito e roupas casuais e com o cabelo ondulado levemente bagunçado. — E não se preocupe, ficou bom em você.

— Tudo bem, então — sorriu. — Por onde começo? — esfregou as mãos uma na outra, fazendo o loiro notar a animação genuína do outro em apenas ajudá-lo com atividades caseiras.

— Você pode começar limpando a cozinha — entregou uma vassoura para o outro. — Quando estiver varrendo pode colocar a sujeira para o lado de cá, eu junto tudo.

Sem precisar de mais palavras, começaram. 

Taehyung estava acostumado a fazer a maior parte da limpeza do apartamento que dividia com um amigo, gostava até. Era relaxante na maior parte das vezes, claro, se não tivesse que lavar o banheiro. Odiava aquela parte da faxina. Por sorte sabia que Jeongguk havia feito isso antes mesmo que chegasse.

Trocaram poucos comentários durante boa parte do processo, falando apenas quando necessário ou quando algum deles soltava uma curiosidade aleatória.

“Sabia que o leite do hipopótamo é rosa?”

“Sério?”

“Sim.”

“Legal!”

“Eles devem beber muito Nesquick com leite.”

“Volte a limpar, Tae!”

Riam com esses diálogos e também dançavam, acompanhando o ritmo das músicas que passavam na televisão.

Mas as coisas mudaram um pouco quando o som de um conjunto de vozes soou, vindo do aparelho eletrônico.

Ooooh! Ooooh! — o Jeon exclamou na sala. — Ooooh! Ooooh!

Interessado no que ouvia, Taehyung virou-se, dando de cara com um Jeongguk de olhos arregalados no meio do cômodo, encarando fixamente a tevê. Um videoclipe em preto e branco passava na tela.

— Gguk-ah? — Chamou, atraindo a atenção do mais novo. Esse que apenas sorriu antes de definitivamente começar sua performance.

Depois de desligar o aspirador, Jeon foi em direção ao espanador de pó que estava largado no chão, usando-o como microfone.

Baby, got our head down… — começou, fechando os olhos por alguns segundos. — Baby, got our head down to the ground! 

Taehyung assistia a cena com o queixo caído. O mais novo agora estava com um dos braços esticados e a palma aberta, como se tentasse alcançar algo no teto.

Looking for a stranger, looking for a stranger to love… — virou o rosto de supetão para o moreno, começando a andar lentamente na direção dele ao passo que batia na própria coxa, acompanhando as batidas que soavam pela casa. 

— O que está fazendo, Jeongguk? — sorriu observando o mais novo praticamente deslizar até chegar perto de si.

— Pare de perguntar, entra na onda! — segurou a mão livre de Taehyung, já que a outra estava ocupada segurando a vassoura. 

Afastou a mesa de centro, deixando espaço o suficiente para fazerem sabe-se lá o que estava pensando.

You got to touch your eyes and crush your teeth, you gotta let go, come with me! — continuou, interpretando da melhor forma que podia.

— Eu não sei cantar essa música, Gguk-ah! — segurou o pulso do mais novo.

— De que importa? — sorriu pela batida que mudava para uma mais animada. — Seja o guitarrista, de vocalista já basta um.

— Se você diz… — empunhou a vassoura, segurando da mesma forma que faria com uma guitarra.

“You say you want it, but”

“You can't get it in”

You got yourself a bad habit for it, oh, look at you! — apontou para o Kim, este que dava pulinhos com uma das pernas esticadas, numa dancinha que via por diversas vezes os guitarristas fazerem durante suas apresentações. —  Walking up and down a hall! — Jeongguk permaneceu cantando. 

Faziam caras e bocas, dançando e pulando de um lado para o outro. Taehyung por vezes deslizava no chão de madeira, usando toda sua imaginação para que realmente parecesse que tocava o instrumento de cordas.

O estudante até mesmo arriscou-se em pular nas costas do moreno, estava se divertindo tanto cantando sua música favorita com uma de suas pessoas favoritas.

— Vem aqui — Taehyung tirou o espanador das mãos do Jeon, largando a vassoura chão junto ao objeto com penas.

Segurou Jeongguk pela mão, rodopiando com ele pela sala. Usava passos de disco, apesar do ritmo ser totalmente diferente, aquilo não tinha a menor importância no momento. Não quando tinha Jeon Jeongguk sorrindo em sua direção, soltando aquela risada que fazia seu estômago borbulhar em felicidade. Giraram e giraram, ignorando a dor dos pés que vez ou outra batiam contra os móveis.

Esqueceram-se completamente da faxina pela metade. Embalaram em uma, duas, três, diversas músicas, parando apenas quando a sede e a fome falaram mais alto. 

🕺

Agora, depois de finalmente terem terminado tudo o que haviam para a tarde, relaxavam no sofá da sala. 

Taehyung fazia carinho em Panqueca, a gatinha.

E, bom, “relaxavam” entre aspas.

Depois de muito ouvirem as músicas que tocavam no canal de tevê, Taehyung resolveu escolher algumas do seu gosto, colocando um cover de Closer, que Jeongguk conhecia na voz da cantora Halsey.

De frente para o aparelho televisivo, Taehyung fazia dancinhas e cantava acompanhando o homem na tela. Fofo. Obviamente Jeongguk não poderia deixar aquele momento passar em branco, então filmava cada mínimo movimento do moreno.

Não durou muito, seu telefone começou a tocar segundos depois, chamando a atenção do Kim que fez uma careta ao ouvir o toque genérico.

— Oi Chimmie, tudo bem? — atendeu. Por alguns minutos ouviu o melhor amigo comentar sobre um novo garoto que havia conhecido através de um aplicativo de relacionamentos, tentando a todo custo interrompê-lo para falar que estava com visita em casa, conseguindo depois de mais algumas tentativas. — Nos falamos depois, tudo bem? Tchau!

Taehyung, ainda com uma careta no rosto, disse: — Não tinha um toque melhor?

— Ah, ele veio com esse e eu nunca parei pra mudar… — desconversou, coçando a nuca.

— Pois vamos mudar isso — sorriu com os olhos. — Passa o telefone pra cá! 

Jeongguk nem questionou, apenas estendeu o aparelho e observou enquanto o mais velho mexia na tela. Minutos depois Taehyung entregou o celular de volta ao Jeon, sorrindo fraco ao lembrar da ligação que ele recebeu.

— Hm, acho que já vou — o castanho anunciou, meio acanhado enquanto mexia em seu relógio de pulso. — Já passa das seis e não quero incomodar.

— Sua companhia nunca incomodaria, pare de dizer essas baboseiras. — aproximou-se. — Não queria que fosse agora, mas também não quero que dirija tarde. Não é seguro.

— Também não é como se eu morasse do outro lado da cidade, Jeongguk-ah. — deu um passo em direção ao loiro. 

— Sendo assim, acho que posso pedir uma pizza e- 

Foi interrompido, agora era o telefone de Taehyung que estava anunciando uma ligação. Seu toque era Move Over, Janis Joplin. Ele atendeu com um pedido de desculpas implícito no olhar.

— Yoongi? O que aconteceu? — por mais coincidência que fosse, o assunto era o mesmo que Jimin queria tratar com Jeongguk, entretanto Taehyung não conseguiu interromper o colega de apartamento. Teve que desligar logo após anunciar que já estava indo para casa, sem esperar uma resposta. Min Yoongi conseguia ser bem falante quando queria, e ninguém conseguia pará-lo quando isso acontecia.

— Tem que ir, não é? — o loiro perguntou tristonho, as mãos para trás e o rosto inclinado.

— Se eu não for agora é capaz de não amanhecer vivo. — sorriu amarelo. — Nos vemos na sexta?

— E se… — moveu um de seus pés no chão, mordeu os lábios e olhou para Taehyung com olhos inocentes. — A gente marcar alguma coisa? Sabe, ir ao cinema e ver o tal filme que você falou. 

— Eu adoraria — o Kim levou uma de suas mãos até a bochecha de Jeongguk. — Te mando mensagem, pode ser?

— Claro! Vou ficar atento! — animou-se rapidamente, mas sem mover sua cabeça, aproveitando por mais alguns segundos o carinho que recebia em sua pele.

— Então ficamos combinados — afastou-se, lembrando das roupas que vestia e pegando as suas que estavam penduradas em um cabideiro ao lado da porta. O loiro, notando as intenções do castanho, apressou-se em falar algo.

— E não se preocupe com as roupas, pode devolvê-las depois — tocou o tecido do peito de Taehyung involuntariamente, tratando logo de retirar sua mão dali.

— Okay, okay — sorriu. — Vamos nos falando, eu te aviso quando chegar em casa.

— Tudo bem — abriu a porta, observando pela última vez o homem que vinha tomando conta de seu coração e mente. — Dirija com cuidado...

— Sempre — Taehyung afastou-se em passos lentos, quase hesitantes. 

Jeongguk percebeu.

— Tem algo de errado, Tae? 

O Kim ficou estático na mesma hora, os músculos tensionados e a cabeça baixa, em conflito com o que passava em sua mente. Apertou os punhos.

"Dane-se", pensou.

Deu meia volta rapidamente.

— Taehyu- 

— Gostaria de ser minha companhia no baile beneficente da Casa, Jeongguk? — Taehyung interrompeu o outro, soltando tudo em um só fôlego. 

Normalmente não agiria assim, mas era Jeongguk, e aquele garoto sabia como desestabilizá-lo sem nem ao menos notar.

— O que? O que disse? — o loiro soltou, surpreso e desacreditado com que ouvia.

— Ir ao baile comigo — o Kim, surpreendentemente, corou. — Bom, sabe… — levou as mãos à nuca, envergonhado. — O meu plano inicial era fazer o convite depois da sessão de cinema. Nós iríamos assistir o filme, você pediria sorvete de chiclete, como sempre faz — o mais novo riu ao ouvir aquilo, tinha um paladar infantil e sempre pedia por aquele sabor quando tinha a oportunidade. — No final eu te deixaria de volta em casa e faria um pedido decente no meu carro, usando todos os artifícios galanteadores que tenho — riram, os dois. — Mas nada aconteceu como planejei... — Taehyung sorriu amarelo.

— Ah, Tae… — Jeongguk suspirou, triste por ter arruinado os planos do dançarino. — Desculpa por ter recusado seu convite mais cedo.

— O que? — Taehyung perguntou, claramente confuso.

— Não estava chateado por eu ter acabado com seus planos? Estou me desculpando — contraiu as sobrancelhas, agora Jeongguk que não entendia o desenrolar da conversa.

Taehyung gargalhou, levando as mãos à barriga.

— Taehyung, do que você tá rindo? — franziu novamente o cenho. 

"Céus, que homem confuso!"

— Um segundo… — o castanho apoiou as mãos nos joelhos, retomando a respiração. — Você… Você realmente… — Respirou fundo. — Você realmente pensou que eu estava reclamando?

— Mas não tava? Tipo… Há dois minutos atrás? 

— Céus, Jeongguk — sorriu quando finalmente se recompôs, ajeitando as roupas sobre o braço direito. — O dia em que eu ficar decepcionado por passar uma tarde inteira com você será o dia em que a dança deixará de ser uma parte de mim — olhou nos fundos dos olhos do loiro.

— Ou seja…

— Nunca.

Jeongguk exasperou-se.

— Mas agorinha mesmo você tava falando que-

— Eu estava falando que sim, meus planos foram frustrados — aproximou-se do Jeon. — Mas não significa que eu tenha me decepcionado por isso. 

Jeongguk tentava engolir o que se passava naquele momento. O sol se pondo atrás do Kim, que usava suas roupas, o sorriso no rosto dele enquanto dizia aquilo. A forma como dizia.

— Eu vi uma parte sua que apenas me fascinou ainda mais, Gguk-ah — começou com a voz arrastada. — Vi você dançar sem se importar com o fato de estar sendo observado, pular no sofá enquanto cantava com aquele espanador todo empoeirado — o garoto coçou o nariz em reflexo. Odiava poeira. — Também vi como você fica dançando enquanto lava a louça, e me perdoe, mas você rebola muito bem — levantou uma das sobrancelhas, deixando Jeongguk acanhado e com as bochechas vermelhas por pensar ter feito aquelas coisas na presença do moreno. — Foi tudo muito bom, Gguk.

Depois de morder os lábios, o loiro perguntou: — Não está decepcionado?

— Decepcionado por passar uma tarde inteira vendo o garoto mais bonito de toda Seul dançar reggaeton com um aspirador de pó? — fez uma cara exagerada de ofensa, arrancando risos do outro. — Apenas se eu fosse muito burro — balançou a cabeça, voltando a andar na direção do dono da casa. — Mas e então? — usou a mão livre para apanhar uma das do garoto. — Daria-me a honra de ter sua companhia junto a mim no baile de arrecadações deste ano, príncipe?

Fala sério, como havia arranjado um homem daqueles? o Jeon se perguntava. Não era possível que existisse alguém assim em nem um milhão de universos, sinceramente.

Ele fazia Jeongguk questionar a razão de não ter encontrado Taehyung mais cedo a todos os seres celestiais que existiam — se é que existiam.

Pensava nas infinitas possibilidades que existiam caso tivesse conhecido o Kim quando estava se formando no ensino médio… Certamente não teria passado por tantos relacionamentos conturbados, não teria necessitado das sessões terapêuticas e não sofreria com o bloqueio emocional.

Mas não era o que o Universo tinha preparado para ele.

O Universo quis que Jeongguk amadurecesse, quis que ele passasse por cada uma daquelas experiências para, aí sim, poder se encontrar com Taehyung. 

Porque se não fossem seus relacionamentos infelizmente conturbados ele nunca teria necessitado da ajuda de Jimin, e sem a ajuda dele sua vida poderia estar tomando um rumo totalmente diferente agora. Ele provavelmente estaria chorando em sua cama, tendo apenas a companhia de sua gata como consolo, afinal teria se metido em outro caso desgastante.

Ele teria trancado a faculdade por não se sentir bem psicologicamente. Sua mente não aguentaria muito e ele teria que tirar um tempo. Se tivesse afastado os estudos, o que nem se passava por sua cabeça nos tempos atuais, o reitor nunca teria solicitado sua presença para que desse início às atividades voluntárias.

Se não fosse uma sequência de mudanças drásticas em sua vida, se não tivesse que acordar religiosamente às segundas, quartas e sextas-feiras a contragosto, nunca teria conhecido Taehyung.

E agora ele nem ao menos conseguia imaginar seus dias sem aquele sorriso quadrado fazendo morada em cada esquina do seu coração.

— Eu aceito, Vante.

Taehyung arregalou os olhos, fechando-os em seguida enquanto o curvar de lábios em seu rosto alargava-se.

— Você não vai se arrepender, Gguk-ah.

O moreno foi andando de costas, quase que saltitando.

— Será, mesmo? — levou a mão ao queixo, fingindo pensar no caso de Taehyung.

— Acredite, ainda guardo muitas surpresas! — gritou quando finalmente alcançou o próprio carro, abrindo a porta do motorista.

— Me mostre tudo! — mordeu os lábios enquanto sentia aquele sentimento borbulhante em seu estômago.

O Kim nada mais disse, apenas piscou em sua direção e seguiu dentro do automóvel, dando partida logo em seguida.

Jeongguk ainda estava encostado na soleira da porta, observando os faróis vermelhos se tornarem inexistentes no horizonte que começava a assumir tons arroxeados. Estava anoitecendo.

Apenas quando Panqueca enroscou-se em seus pés que então finalmente despertou, abaixando-se para pegar a gata marrom em seus braços ao passo que batia a porta e corria em direção ao próprio telefone, usando a discagem rápida ao telefonar para o melhor amigo.

"O que foi dessa vez, Jeongguk?" Jimin atendeu com voz de sono, provavelmente estava cochilando.

— Preciso fofocar.

🕺

— Jimin! Finalmente você chegou — Jeongguk abriu a porta, claramente esbaforido, precisava urgentemente fofocar com seu amigo.

— O que aconteceu? — estranhou a ação do amigo, mas ao notar o brilho nos olhos dele logo sacou. — Foi aquele tal de Taehyung, né?

— Puta merda, não sei nem por onde começar — puxou o amigo para o sofá da sala, ignorando totalmente as sacolas nas mãos do amigo.

— Pelo começo, uai — soltou-se do loiro e seguiu até a cozinha para deixar os diversos doces e cervejas ali, pegando duas para beberem. — Eu ainda tenho que te falar do carinha com quem eu tô saindo.

— Verdade! — deu um gole na bebida amarga que aprendeu a gostar com o passar dos anos. — Quero saber desse rolo aí, sabe que sou desconfiado-

— Desconfiado de encontros pela internet — Jimin continuou a frase que já havia decorado, afinal não era a primeira vez que o Park arranjava encontros pela internet, e a maioria deles tinha ido pelo ralo. — Mas o cara não é um velho de oitenta anos, relaxa.

— Mas bem que podia ser. Pessoas caem de escadas todo dia, não é? — pensou alto, provocando o amigo.

— Por Deus, existe alguém mais besta? — o esverdeado não exatamente sussurrou, mas Jeongguk se ouviu, ignorou — Agora me fala do seu rolo, já tá caidinho assim pelo… O que você disse que ele era mesmo?

— Dançarino… — suspirou com um olhar bobo enquanto levava a garrafa até a boca.

Jimin o olhou desconfiado.

— Isso, o tal dançarino.

— Ah, Jimin… Como eu posso começar a explicar? — sorriu.

— Primeiro me diz como ele é, pra eu poder imaginar as cenas — Jimin tirou os sapatos e apoiou as penas nas do Jeon, que estavam cruzadas no sofá.

— Melhor, posso te mostrar uma foto — levantou-se minimamente para poder alcançar o celular no bolso da calça moletom que usava no momento — Aqui, perfeito, não é?

Jimin pegou o celular para enxergar melhor. 

— Maldita miopia — resmungou, mas conseguiu analisar o homem da foto — Você pegou essa foto no Google, Jeongguk? — levantou a visão para o garoto.

— É claro que não! Que tipo de pessoa acha que eu sou? — arrancou o celular das mãos do amigo.

— Mas teve aquela vez que o-

Foi interrompido pela mão do garoto que logo em seguida disse: — Não ouse mencionar isso, pelo bem da sua integridade física.

Só retirou a mão quando sentiu o mais velho lamber sua palma, murmurando um palavrão.

— Enfim, aquela é a foto de perfil do contato dele. É bem mais bonito ao vivo, acredite em mim — sem perceber, mordeu os lábios.

— Só não deve ser mais que o meu gatinho — Jimin sorriu — Ninguém supera ele.

— Sei… — desviou o olhar.

"Ninguém supera o Vante", pensou.

— Tá, tá — o Park se agitou — Agora desembucha, já enrolou muito.

— Okay, deixa eu ver por onde começo… Ah, sim! O dia em que eu vi ele pela primeira vez! — tomou mais um gole da bebida amarelada — Foi o quê…? Uma semana depois que você terminou com o bebezão lá? Acho que foi isso mesmo…

E então deu início a um grande monólogo repleto de "porra" e "caralho" que saíam da boca de Jimin, chocado com os encontros que eram dignos de serem roteiro dos filmes melosos que assistia. Ficando surpreso com a espontaneidade do cara e até duvidando da veracidade dos eventos. Aquele cara era real?

— E ele ainda te ajudou a limpar a casa? — o mais velho exclamou. — Pega aqui — retirou seu cartão de dentro da carteira que estava jogada na mesa de centro. — Quero um pra ontem!

— Esse é só meu, Minnie — Jeongguk riu, mas então lembrou-se de algo. — Você viu que a Irene 'tava traindo a…

E então deu início a uma nova conversa. Os dois fofocaram até as orelhas das vítimas das fofocas queimarem. 

Porque, além de amor e apreço, o que sustentava uma boa amizade era a fofoca. Tudo bem que cada um tem de cuidar da própria vida, mas um comentário inocente não faz mal a ninguém. 

E essa era a base da amizade dos dois. Noites como aquelas eram sagradas, mas como estavam muito ocupados recentemente, não havia como terem a mesma rotina. Costumavam encontrar-se na casa de Jimin, a república. Faziam uma Reunião dos Garotos todos os meses, chamando os outros moradores todas as vezes. 

A fofoca unia as pessoas.

Dessa forma ficavam horas e horas falando e falando, descobrindo que uma tal de Hyuna do bloco de publicidade estava grávida de um loirinho da sala de Sehun e isso chocou a todos, que juravam achar que ela estava de rolo com um tal de Hyojong, aluno de relações internacionais. Também foi como descobriram que uma professora qualquer tinha separado uma briga entre Sehun e Jaebeom. Na época foi um escândalo, afinal eles eram os galãs queridinhos da uni.

Mas quem eram eles para julgar, não é?

Jeongguk já estava na sua sétima cerveja, assim como Jimin. Os dois eram terríveis com álcool, mas nunca admitiriam.

— E ele conseguiu fazer a menininha parar de chorar? — Jeon concordou com a cabeça — On- Hik! — soluçou — Onde que eu encontro um desses? 

— Você primeuro tem que… — parou um segundo, colocando a mão na frente do rosto ao passo que arrotou — Ignorar todo o voluntário da sua ixcola e…

— E como quê você vai — soluçou. — Pro baile?

— Se ele quiser, até sem cue-

— A NOSSA MÚSICA! — Jimin repentinamente gritou, aumentando rapidamente o volume da música que haviam colocado para tocar minutos atrás.

— Que? Que músi- A NOSSA MÚSICA! — Jeongguk levantou em um pulo, jogando as penas do amigo para o lado. Jimin mal notou que caiu no chão, ficando ao lado do amigo para que pudessem cantar juntos.

THEY SAY! — Jimin começou.

EXPECTATIONS ARE TO HIGH AND YOU'LL NEVER FIND A GUY LIKE THAT! — Jeongguk continuou.

IT'S DRIVING YOU MAD, HONEY! — foram juntos.

Continuaram assim, revezando aquela parte enquanto pulavam e usavam as garrafas como se fossem microfones. Em uma parte, perto do refrão, Jimin subiu no sofá e encenou um homem forte, exibindo todos os seus músculos.

SIX — Jeongguk fez o número com as mãos da melhor forma que pôde. — FEET TALL AND SUPER STRONG! 

Enquanto um encenava o outro cantava, e aquilo simplesmente funcionava.

UUUH HE'D PICK ME UP AT EIGHT — Jeon colocou uma mão na cintura e começou a remexer os quadris de um lado para o outro —  AND NOT A MINUTE LATE! — Jimin fez o sinal de "não" com os dedos — CAUSE I DON'T LIKE TO WAIT NOOOO!

KIND, AND AIN'T AFRAID TO CRY — foram juntos — OR TREAT HIS MOMMA RIGHT! THAT'S RIGHT! THAT'S WHAT I LIKE! — gritaram a última frase, caindo na gargalhada logo depois.

Suspiraram com o fim da canção, outra mais calma se iniciou, mas ignoraram e resolveram deitar no chão. A bebida começava a deixá-los emotivos.

— A gente vai achar nossos homens certos, não vai? — Jimin perguntou meio embolado e quando a resposta não veio olhou para o amigo — Jeonggukie?

— Eu acho que — Jeongguk soluçou, mas não mais por conta da bebida, agora verdadeiramente chorava, mas não era um choro triste — E-eu acho que já encontrei o meu, Chimmie.

— Você é sortudo — segurou a mão do amigo.

O Jeon suspirou e olhou nos olhos de Jimin, direcionando-lhe um sorriso.

— Muito.

🕺

E então? Alguma referência? Elas estão um pouquinho mais óbvias nesse capítulo!

Lembrando que vocês podem encontrar as músicas da história em uma playlist fixada no meu perfil!

Até a próxima, estrelinhas! Amo vocês!

(Próximo capítulo e último no dia: 19/08)

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