❂Mayse Mancini❂
— Mayse, o que é isso na sua mão? — os passos e os gritos da minha mãe ecoam assim que eu coloco meus pés dentro de casa.
— Eu caí e cortei minha mão, só isso. — ela agarra minha mão com uma certa agressividade e a puxa.
— Vamos ir para um hospital.
— Que hospital, mãe? É só um corte, a Sarah fez esse curativo grande apenas para não entrar pó, mas o corte é mínimo, prometo. — ela me olha com uma certa desconfiança. — Posso subir agora? Preciso entregar um trabalho e daqui a pouco Pope irá vir me buscar para ajudá-lo a se preparar para a entrevista. — passo por ela e começo a subir as escadas.
— O Pope? E o JJ? — paro na metade da escada e viro para ela.
— O JJ está bem, vi ele hoje. O Pope só quer ajuda para se preparar, eu já estou o ajudando a treinar palavras mais formais, e a gente tem pouco tempo. E talvez eu não volte hoje.
— O Pope é um ótimo menino, vai ter um futuro brilhante. — antes que ela se pronunciasse mais, voltei a subir as escadas, já sabia onde ela iria chegar.
Largo minha mochila no canto do quarto e me jogo na cama, minha cabeça parecia estar girando, havia muitas preocupações em relação ao ouro e principalmente a JJ.
Mandei algumas mensagens, mas ele sequer as olhou. Eu o entendia. Ele tem uma dívida enorme, um pai bêbado e agressivo, eu não quero nem pensar no que Luke teria feito aquele dia. JJ merecia muito mais do que a vida lhe deu, mas ela é injusta. Uns tem demais, outros de menos.
A vida é uma merda completa.
✁✃✁
— JJ realmente não falou com você? — Pope desvia seu olhar da estrada para me olhar por alguns segundos.
— Não. — minha voz sai num sussurro.
— Ele vai aparecer, ele não vai perder a chance de ir buscar o ouro e ficar rico. — olho pra Kiara e forço um sorriso.
— A gente precisa terminar antes da minha entrevista amanhã. — Pope estaciona o carro no pátio de John B. — Temos o John B e o JJ no poço, eu lá em cima e vocês duas e Sarah transportando. Vai dar certo. — abro a porta do carro e desço sendo seguida por eles. — Ah, eu tenho um guincho. Essa lata-velha aguenta uns 100, 150 quilos.
— Obrigada. — Kiara olha para Pope, ele franze a testa e me olha confuso. — Por me deixar presa com a Sarah.
— Eu vou entrar, ver umas coisas, sabe? — aponto para a casa e Pope ri.
Antes que eu me distanciasse mais, várias luzes se acendem na nossa volta. Olho para Kiara e Pope confusa, mas vejo que eles estavam mais confusos que eu. Caminhamos um pouco e avistamos JJ em uma banheira de hidromassagem.
— O que você fez, JJ? — Pope exclama.
— Se sintam á vontade. — JJ ignora Pope e começa a servir uma champanhe.
— Quanto custou isso? — Pope começa a olhar em volta.
— Então, com o gerador, o combustível, e a entrega expressa.... Quase toda a grana. — Pope me olha de boca aberta.
— Gastou todo o dinheiro em um dia?
— É, esvaziei os bolsos, mas olha só para isso. — ele abre os braços. — Kiara, o que foi? Será que eu não posso ter um pouco de luxo na vida? A gente vive contando centavos por aí. A gente só vive uma vez. — sua voz começa a ficar mais fraca. — Chega dessa irritação, entrem logo.
— Está me zoando? Podia ter pago a indenização! — Pope grita e JJ tira sua atenção de Kiara.
— Ou podia ter doado para qualquer ONG! — Kiara grita assim como Pope, e conhecendo JJ, era questão de segundos até tudo explodir.
— Ou podia ter ajudado a comprar material para tirar o ouro.
— JJ. — falo da forma mais suave que eu consegui. Eu estava de outro ângulo de Pope e Kiara, e desse ângulo, eu podia ver sua bochecha num tom quase roxo e com um pouco de sangue, para mim já era óbvio o que havia acontecido. Todos eles olham para mim. — Vamos entrar e conversar? Tomar um banho. — sei que ele sabe que eu já tinha visto os hematomas, eu sempre pedia para ele tomar um banho, para depois começar a fazer os curativos.
— Não, May. — ele grita e se levanta revelando mais hematomas por todo o seu abdômen. — Eu comprei essa banheira pros meus amigos. Comprei isso aqui para os meus amigos. — Pope e Kiara o olhavam aterrorizados. O mesmo olhar que eu tive na primeira vez que vi. — Quer saber, dane-se amigos. Eu comprei para a minha família. Comprei para vocês! — ele gritava enquanto olhava para Kiara e Pope. Kiara me olha aterrorizada, passo minha mão na minha testa e caminho até JJ.
— Vem comigo. — ele nega.
— Olha só o que eu fiz para vocês. — ele abre os braços e dá uma volta na banheira. — Tá tudo bem, May. Eu só quero que eles entendam os meus motivos, porque eles nunca me entendem. Só você me entende, e mesmo assim eu consigo estragar tudo. — ele agora falava diretamente para mim. — Eu nunca deixo você falar, eu nunca escuto quando você fala, mas mesmo assim você está sempre comigo. Você sempre estende a mão que nem está fazendo agora, e eu nem mereço isso. — eu já estava chorando, assim como JJ. Tiro meus chinelos e entro na banheira abraçando JJ. Seus braços rodearam minha cintura me puxando mais para perto. — Eu tentei, May. Você sabe que eu tentei. — ele coloca sua cabeça no meu ombro.
— Eu sei, eu sei. — o abraço mais forte, mas com cuidado para não machucá-lo. — Tá tudo bem, ok? Eu to aqui. — sussurro e beijo sua cabeça. JJ soluçava e chorava no meu ombro. Eu já estava completamente molhada de suas lágrimas e a água da piscina.
— Eu não aguento mais ele. — ele apertou mais seus braços em mim. — Eu ia matar ele, mas eu não consegui. — Kiara e Pope parecem finalmente entender o que tinha acontecido e caminham até nós nos abraçando. JJ encosta sua cabeça na minha. — Eu só quero fazer a coisa certa.
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O som das fungadas de JJ ainda eram audíveis, mas não estavam tão altas como antes. Nós estamos deitados na rede da casa de John B. JJ está com a cabeça no meu peito e seu braço apertando a minha cintura. Estou completamente encharcada, assim como JJ, mas isso não era importante agora.
Assim que saímos da banheira eu e ele viemos direto para cá, ele sequer me deixou limpá-lo ou ver de perto se seus ferimentos eram graves ou não. Meu pulso já estava começando a ficar dolorido de fazer os mesmos movimentos repetidas vezes, mas parar de acariciar os cabelos de JJ estava fora dos meus planos.
— Tem certeza que não quer ir pro quarto? — minha voz é um total sussurro. JJ havia negado constantemente para não ir para o quarto. Ele apenas fica em silêncio, e isso para mim já era uma resposta. — Nós podemos dormir aqui na rua se quiser, ou se você se sentir mais seguro, podemos até ir para a minha casa, mas deixa eu olhar só para ter certeza que não precisa de cuidados maiores.
— Tá, mas eu vou lá pegar as coisas. — ele se senta do meu lado me olhando pela primeira vez desde que nos deitamos aqui. Seus olhos ainda estavam marejados, o choro havia realçado o tom do seus olhos, eles estavam brilhantes e mais claros. Sinto uma pontada de culpa por achá-lo ainda mais bonito assim.
— Por que você não quer ir para o quarto? — me sento na rede e coloco minha mão na sua bochecha que não estava machucada.
— Só quero ficar aqui, podemos? — sua voz suave e frágil, sorrio e concordo.
Ele se levanta e corre para dentro da casa. Apoio meus cotovelos nas minhas pernas e apoiei minha cabeça nas minhas mãos. Eu só queria que tudo isso acabasse. Sinto o peso de JJ do meu lado novamente e levanto minha cabeça. Ele havia trazido o kit de primeiros-socorros que eu havia dado para ele. Pego de suas mãos e abro a caixinha.
— Quer falar sobre? — dou uma breve olhada no seu rosto e volto atenção para o soro que eu estava colocando no algodão.
— Eu peguei o dinheiro do Barry e entreguei pro meu pai pagar a indenização. — concordo e me viro pressionando o algodão em sua bochecha recebendo um resmungo de JJ. — Eu não posso pagar por ser menor de idade, então eu pensei que ele até poderia ficar orgulhoso de mim. — seu olhar estava vago, parecia estar revivendo cada momento. — Mas, não. Ele queria fazer os investimentos dele, aqueles que nunca deram certo. E daí, eu peguei o dinheiro de volta e tentei sair, mas ele me atacou. Foi isso. — ele deu de ombros. Eu já tinha terminado de limpar seu rosto. Me levantei da rede e me ajoelhei na sua frente.
— Dói muito? — coloco uma leve pressão com meu dedo no hematoma que estava na sua costela.
— Só um pouco.
— Eu vou ir tocando, se a dor aumentar me diz. — ele concorda e eu começo a dedilhar suas costelas levemente, a única resposta que eu recebo é alguns resmungos. O que era um sinal bom, não havia nenhuma costela quebrada. Pego outro algodão e começo a limpá-lo.
— Você me ama? — paro e olho para ele.
— É claro que eu te amo, por que tá me perguntando isso? — ele não me responde, apenas fica olhando para suas mãos. — JJ? — pego seu rosto com minhas mãos fazendo-o olhar para mim. — Por que está me perguntando isso?
— Meu pai disse algumas coisas…
— Você não pode dar ouvidos para o que ele fala. — o cortei totalmente.
— Eu também te amo. — ele pega uma das minhas mãos e beija a palma. — A gente pode ir lá pra dentro? — concordo e ele me ajuda a me levantar do chão. Ele coloca uma camisa que eu nem mesmo tinha visto que estava ao seu lado e pega minha mão enquanto caminhamos para dentro.