Jujutsu Kaisen - Orbitando um...

By adri_bertolin

5.2K 590 444

Aprisionado no Reino da Prisão, Gojo Satoru inicia um processo de fragmentação sobre os conceitos em relação... More

Vazio
Grandes olhos negros
Caos
Propósito
Igual
Ciúmes
Domínio incompleto
Entorpecência
Consumo
Anseio
Posse
Retaliação
Fôlego
Engrenagem
Bolha
Escolha
Capítulo Extra: Sequestro
Paz artificial
Busca
Receptáculo
Liberdade
Esperança
Destino
Resgate
Surgindo das cinzas
Surto

Renúncia

45 8 1
By adri_bertolin

Havia algo muito... morto, naquele lugar.

Não era sobre sua caracterização inóspita e perigosa, não, nada disso era o suficiente para desenvolver tamanha sensação de repúdio a vida.

Parecia que a própria natureza se recusava a crescer naquele solo amaldiçoado.

Não falavam sobre todo o conjunto de ilhas em si, a maior parte dele era apenas o planeta em sua existência intocada e agressiva. Nada de errado. Talvez a diferença nem teria sido percebida, se toda a tormenta da região não convergisse para um único ponto.

Era lá que estavam agora, aquele pedaço de terra abandonado por qualquer divindade existente. Por isso, conseguiam sentir em suas próprias peles o ódio que ressoava por todo o arquipélago.

Esse é um lugar de azar, um recanto agourento do mundo, lar de um rancor tão grande que ninguém se sente bem vindo. Um espaço de existência que merece ser esquecido, na impossibilidade de sua destruição.

Ou pelo menos era isso que ouviram dizer, antes de chegarem nesse monte de rochas incômodas.

Satoru sentia o lugar rejeitando-o, querendo expulsa-lo, como se soubesse que ele era um inimigo e o odiasse por isso, mas tais coisas se chocavam contra sua barreira impenetrável e eram devidamente ignoradas. Sua parceira estava muito próxima, mantendo contato físico para dividir de sua proteção, uma vez que o ar parecia tóxico, mas não achava que ela estava recebendo qualquer inconveniente por parte do ambiente.

- Por que algo assim não te assusta se situações muito mais calmas de perigo natural te levam ao pânico? - Gojo perguntou, querendo calar o zumbido constante de seus sentidos que o alertavam sobre ameaças inexistentes.

- Instinto de sobrevivência com defeito. - Ela lhe sorriu, olhando-o com diversão. - Além disso, esse lugar é estranhamente confortável.

- Confortável? - Seu corpo parou abruptamente, exasperado. - Minha cama é confortável. Isso aqui é péssimo.

- Não sei explicar. - Os ombros dela se moveram para cima, como se estivesse se encolhendo. - Parece familiar. Me lembra de mim mesma.

O deus mortal não encontrou palavras para isso, então só prestou atenção aos arredores e tentou compreende-lo melhor. Parecia que estavam no domínio inato de uma maldição horrenda e terrivelmente poderosa, como se estivessem vagando nas terras da morte e procurassem entrar na boca do predador.

Depois, ele olhou para a amiga de infância e a contemplou. A energia amaldiçoada dela era tão distorcida e caótica quanto os resquícios que os cercavam, embora mantivesse um percentual de humanidade.

Algumas coisas faziam mais sentido agora. Era esse tipo de ódio que o povo dela drenava do próprio país ao nascerem, esse tipo de horror que dava-lhes força.

A herança do sofrimento de gerações passadas aqui transbordava para além da contenção possível, como radiação massiva e incontrolável.

O que morreu aqui... Ou melhor, quem nasceu aqui, era tão poderoso quanto os dois. Mais do Uyara, sem dúvidas, talvez próximo demais do deus que Satoru representa.

- Isso, esse lugar. Aconteceu uma Renúncia aqui, não foi? - Cada sílaba veio com uma admiração e empolgação indisfarçável.

- Levando em conta quem é a lenda que estamos investigando, essa seria uma boa explicação. - Kioku pareceu ligeiramente surpresa por não ter pensado nisso antes e então começou a demonstrar uma animação tão grande que quase a fazia brilhar.

Eles era realmente bizarros por ter uma reação assim.

Renúncia era um assunto de guerra. Um ritual escandaloso de suicídio. Não era muito comum e poucas pessoas se lembravam das palavras, porém isso não a tornava um evento menos interessante.

Esse era o auge das táticas de xamanismo, uma técnica suprema exclusiva de portadores de um poder imenso. Algo passado de geração em geração aos filhos dos grandes clãs, embora a maioria deles não fosse capaz de chegar nem próximo de conclui-la.

O ponto chave de tudo era que isso dava ao feiticeiro uma carga ainda maior de força, o que por si só era o suficiente para destruir a maior parte dos inimigos possíveis. O sacrifício era um acordo muito recompensador, a morte do indivíduo arrastaria o adversário para o mesmo destino com certeza.

Mas esse não era seu impacto total. Era o mínimo a se esperar. O ritual completo era algo apenas para xamãs que iam muito além do status de nível especial.

E se isso acontecesse, se uma pessoa assim estivesse tão morta por dentro que preferisse abandonar tudo o que era nessa jogada fatal, sua dor seria revertida para todo o mundo.

O último passo era a oferta do próprio coração pulsante.

E a recompensa era a reencarnação da destruição em uma nova maldição viva. O livramento de toda e qualquer restrição imaginável.

Sukuna em vida extremamente poderoso, em morte ele foi incomparável.

Um Rei das Maldições realmente.

Não haviam registros de Renúncias completas em milênios. Ryomen matou todas as outras criaturas nascidas nesse processo e, desde de que ele virou uma pilha de carne podre espalhada pelo país, o nível de potencial da comunidade jujutsu começou a decair lamentavelmente, impossibilitando novos rituais completos.

Fazia sentido que a besta tenha surgido assim. Não conseguiam imaginar uma melhor forma de transformação do que o ato de queimar a própria vida e resistir até o final da sequência de palavras.

Quando Satoru ensinou a ladainha para a Uyara, no período em que ainda eram crianças, eles costumavam brincar fingindo que passaram pelo pacto suicida, apenas para imaginarem qual dos dois monstros seria o mais temível, lutando um contra o outro.

Eles buscavam qualquer desculpa para lutarem um contra o outro.

Mas a conclusão foi que o mundo estaria mais seguro se eles não soubessem como fazer isso.

- Vamos apostar sobre o que vai acontecer quando abrirmos a câmara? - Uyara sugeriu, voltando a andar, de costas, mantendo seus sentidos focados no amigo.

- Hmmmm... - Satoru cruzou os próprios braços atrás da cabeça, casualmente. - Se não houver algum nível especial não catalogado lá dentro, guardando o objeto de vínculo do Sukuna, eu vou considerar que viemos até aqui por nada.

- Feito. - Ela lhe sorriu, uma expressão muito aberta e cheia de dentes. - Eu aposto que não vai haver nada além de uma cobertura de energia amaldiçoada e muita poeira, junto do objeto. - Seu cenho se franziu, como se ela pensasse em algo, apenas para logo em seguida levantar o dedo com sua sentença. - Você vai me deixar te desenhar se eu estiver certa, ficando como modelo.

Porque Gojo era muito inquieto para ficar parado por todo o tempo que levaria até que ela terminasse. Razão pela qual suas obras a muito tempo se baseavam em traços deslumbrantes da imagem de Geto e o portador dos seis olhos havia se reduzido aos seus rabiscos de inspiração momentânea.

- Justo. E se eu estiver certo, você vai me representar na reunião de clãs do próximo mês.

Porque se havia coisa que poderia fazer Kioku se transformar na reencarnação do tédio, era estar presa em uma sala cheia de gente insuportável e precisar prestar atenção ao que elas diziam. Ela não era uma pessoa muito paciente com política.

Não que fosse incompetente, isso só lhe aborrecia até a morte.

- Se o Naoya me olhar com aquela cara de bunda dele, eu tenho permissão para agredi-lo? - Ela parecia estar considerando as consequências de aceitar esse acordo.

- Claro. - Foi meio difícil conter a risada com aquele desgosto explícito no tom de voz da amiga.

- Tudo bem então. - Sua concordância veio meio a contragosto, mas isso não apagou seu entusiasmo totalmente.

Naoya e Uyara tinham uma história engraçada. O homem possuia quase a mesma idade que os dois, era natural de se esperar que eles tenham tentado uma aproximação em algum momento, por conta das suas posições sociais.

Mas o fato era que, mesmo quando eram jovens demais para entender, Satoru sempre achou o Zen'in desinteressante e, por algum motivo, ele culpou Kioku por sua rejeição, já que ela "roubava seu lugar como amigo do herdeiro Gojo".

Desde então era comum se comportasse como uma criança mimada e rancorosa, que teve o doce roubado por ela. Logo, ele era chato ao ponto da mulher considera-lo um teste de autocontrole pessoal, cujo o único objeto era conseguir estar na presença dele e não se sujar entrando naquela mente detestável.

No entanto, não há necessidade de se aprofundar no relacionamento deles com pessoas podres, agora que estavam em perto de algo muito mais interessante.

Não era como se estivessem andando sem rumo por aquelas terras, eles sabiam exatamente para onde deveriam ir, uma vez que toda a energia acumulada do lugar convergia para um único ponto. Local que repelia o deus mortal a cada passo para mais perto e atraia a brasileira como se ela fosse uma companheira de males passados.

Aos poucos aquele ambiente foi ficando mais condensado, mais inóspito, como se estivessem acima do lar de tormentas terríveis, mas não havia nada ali, não na superfície e nem no alcance dos sentidos da amaldiçoadora de mentes. O que, é claro, não impedia o portador dos seis olhos de localizar.

- Está soterrado. - Satoru avisou, descobrindo um dos olhos para procurar o que deveriam estar vendo. - Uns cinquenta metros para baixo de onde estamos, provavelmente.

- Oh, ótimo... - Uyara olhou carrancuda para o chão como se também pudesse ver alguma coisa e depois buscou o olhar do amigo com alguma diversão. - Que bom que não tem ninguém aqui para te ver usando os seus poderes extravagantes.

- Infelizmente, eu não posso exagerar. - Sua expressão se entristeceu dramaticamente e seus lábios formaram um bico contrariado. - Estamos em cima de um acumulo de magma muito grande para abri caminho com um Kyoshiki: Murasaki.

Kioku reproduziu uma copia do rosto dele.

- E eu acreditando que finalmente poderia ver o Hollow Purple pessoalmente...

- Prometo que no nosso próximo treino eu o uso contra você.

Gojo riu da forma com que a amiga jogou os braços para o alto e soltou um gritinho animado, apenas para ser lembrada em seguida de que não era uma boa ideia perder o contado físico com ele nesse ambiente terrível e começar a tossir, sufocando.

Ele se abaixou para que ela subisse em suas costas e não atrapalhasse no processo de escavação, coisa que a mulher fez imediatamente, pendurando-se nele enquanto resmungava sobre poluição horrorosa e toxidade exagerada.

- Você pare de rir, eu tenho certeza que acabei de perder os meus pulmões! - Uyara o acertou na cabeça com um pouco de força, como se realmente estivesse ofendida, mas acabou rindo também. Embora sua sentença não tenha sido falsa.

O controle dela sobre energia positiva cresceu tanto ao ponto de ter se tornando uma habilidade de cura muito melhor do que a dele. Possivelmente tal característica era um dos benefícios de ser uma aberração do ciclo natural da vida, já que agora podia atuar na regeneração do próprio corpo com quase a mesma facilidade que uma maldição teria.

Satoru apenas garantiu que ela estava se segurando com firmeza e abandonou o solo com a graça de seu voo divino. Ele havia se tornado uma pessoa mais seria desde a traição de Suguru, era impossível não notar a diferença, apesar de sua natureza caótica e brilhante permanecer a mesma.

O deus mortal acumulou energia em uma composição de feitiço familiar, Jutsushiki Hanten: Aka. Algo que ele conseguia usar tranquilamente agora que possuia o domínio sobre maldição reversa, com um efeito muito mais devastador do que suas falhas tentativas de controle anteriores.

O chão rochoso foi repelido violentamente e fragmentado em uma escala gigantesca, porém manteve-se no limite da contenção de danos e não provocou qualquer reação das placas tectônicas instáveis da região. Pelo contrario, ele acabou atingindo uma gruta desregular que fazia parecer que até as erupções antigas que cobriram o lugar se recusavam a encostar na câmara.

Eles eram muito confiantes das próprias habilidades, quais quer outras pessoas seriam sensatas em considerar que podiam estar liberando terrores inimagináveis apenas por estarem ali.

Tudo por aquele fragmento de esperança em encontrar algum pedaço de informação sobre Sukuna que pudesse guia-los na direção de remanescentes de sua linhagem.

Uyara começou a registrar o que encontraram em fotografias, salvando qualquer coisa que pudesse passar despercebida em uma primeira impressão, enquanto Gojo se aproximava para inserir a peça de abertura naquele espaço vago bem óbvio entre as ramificações de escrituras de contenção.

O objeto entrou como se nunca houvesse deixado de pertencer ao monumento original, criando uma atmosfera de tensão nos segundos de demorou para fazer surgir algum efeito. Porém, logo, aquela pedra sólida, que formava o que parecia ser a porta, desprendeu-se levemente de sua posição com um suave "click". Liberando o acesso para o interior.

Eles permaneceram esperando por mais um tempo do lado de fora, apenas para a certeza de que nada tentaria pular em seus corpos depois de cruzarem a entrada. Mesmo com os olhos de Satoru informando que não havia nada lá dentro com o objeto, não sabiam o que esperar. Era do Rei das Maldições que estavam falando, afinal.

Eventualmente, foi possível concluir que realmente não havia nada além de poeira naquele lugar. Nenhum monstro interessante que talvez fosse digno de enfrenta-los. Decepcionante.

Registrar as inscrições que cercavam todo o lugar e rodeavam o pequeno colar de dentes e pedra coloridas foi a única coisa que puderam fazer em seguida.

Aliás, aquele objeto de nível especial era deveras ridículo.

Serio.

Parecia que uma criança foi a responsável por cria-lo e não o temível Ryomen Sukuna.

Quando terminaram de examinar cada detalhe da estrutura antiga, decidiram finalizar o trabalho apreendendo a relíquia feia. Aquela pressão enorme de energia amaldiçoada exalando dele não os assustava, não chegava perto da ameaça que os dois representavam.

Mas foi então que algo estranho aconteceu.

Gojo estava a centímetros de alcançar a coisa quando Uyara se agitou repentinamente e se abaixou para puxar o colar para longe dele, emitindo um grito angustiado no instante em que a mão dela o tocou.

Todo o corpo do deus mortal se eriçou em uma fração de segundo, apenas o suficiente para se inclinar para a esquerda conforme sentia uma carga absurda de energia romper o ar em uma técnica cortante e seguir para fora da estrutura e da abertura que fizeram para alcança-lo, chocando-se contra a formação vulcânica do lugar e quebrando-a, indo além, mais além, despertando o magma, alcançando o mar e o mundo diante dele.  

Kioku, ao seu lado, desabou de joelhos, com os olhos revirados e a mão ainda segurando o colar. Ela tinha essa mania idiota de protege-lo, mas ele entendeu que sua interferência havia absorvido parte do poder de ataque... Um poder de ataque que ignorou a proteção do infinito. Uma defesa absoluta imposta sobre um objeto, que o impedia de ser movido.

Talvez o fato de que Uyara tenha começado a queimar de dentro para fora tenha o desesperado um pouquinho. Mais do que o caos que se acendeu no mundo lá fora.

Portanto era de se esperar que Shoko quase tenha infartado quando Satoru apareceu na frente dela, em pânico, com sua companheira em agonia em seus braços.

Aquela dor em seu coração, aquela aflição, isso era muito pior do que qualquer maldição que poderia lhe ser imposta.

(...)

- Eu já disse que vamos ficar bem. - Ela repetiu revirando os olhos, pelo que parecia ter sido a centésima vez. - Meu marido é forte, quase tanto quanto você, nós vamos cuidar bem dos seus filhotes.

- Não fale comigo como se eu fosse um animal!

- Então não se comporte como um, nii-san.

A mulher sorriu amavelmente para ele, não se importando nenhum pouco o com o rosto irritado que a informava de só não estava sendo amaldiçoada por causa de sua barriga imensa, que carregava mais um pequeno sobrinho. Mais uma criança para a ninhada do usuário de técnica das sombras que as vezes se arrependia de chamar de amigo.

Sua esposa, que os observada de longe, em um estado de gravidez muito menos explicito, estava tentando conter a diversão enquanto mantinha os olhos no chão. Ela ainda era muito informal com sua família e com ele, apesar de sua personalidade espalhafatosa e de suas pequenas copias agarradas as pernas e roupas dela.

A oferenda de paz do clã Gojo tinha os olhos mais lindos do mundo, aqueles seis olhos comuns entre eles, era poderosa mesmo que nunca houvessem a ensinado sobre como lidar com esse fardo. Nenhum dos filhos herdou qualquer técnica da linhagem dela, mas sabiam que isso acabaria quando o novo bebê nascesse.

Seu caçula seria uma pequena divindade, uma aberração extraordinária que poderia se tornar alguém forte o bastante para supera-lo. Havia se reduzido a uma presença desagradável e territorial por tamanho orgulho, mas não conseguia evitar.

Gostaria de passar mais tempo com eles, porém não podia e era por isso que confiava a segurança deles as únicas pessoas que podia confiar: a Ryomen que não era nova demais para assumir qualquer responsabilidade e o marido corajoso dela.

A memória tornou-se desfocada e passou rapidamente, como se fosse apenas um fôlego desesperado para uma mente quebrada.

Sua filha mais velha o perseguir quando ele estava se preparando para sair, acompanhada de seu primogênito. Eles eram como a sombra um do outro, tão grudados que a relação o lembrava de seu próprio companheirismo vitalício com a única irmã que ainda estava viva.

Sentia-se estupidamente aquecido por dentro toda vez que aqueles dois interagiam com ele. Principalmente considerando que as pestes ostentavam marcas de encantamento por todo o corpo, como ele e a tia deles faziam. Eram pequenos monstros, motivos de orgulho e alegria, embora não carregassem as mesmas expectativas daquele que ainda estava por vir.

- Papai! - A menina chamou, correndo o mais rápido que podia sem cair. - Nós trouxemos um presente!

O garoto olhou para ele como se tentasse se desculpar pela outra, mas não era sincero, sabia que seu filho gostava de vê-la alegre e nunca fazia nada para impedia-la ou contraria-la. Ele tinha uma expressão muito aparecida com a sua própria, conseguia entende-lo perfeitamente.

- Eh? - Seus joelhos se dobraram para ficar mais próximo da altura dela. - E o que seria?

- Isso! - Ela mostrou-lhe o que acreditava ser uma tentativa frustrada de fazer um colar. - É um amuleto da sorte! - Sua voz infantil soou alta e orgulhosa, mas não havia nada de especial no objeto.

- Para você voltar em segurança. - O mais velho completou, revirando os olhos. Seu pai era o mais forte, não precisava dessas coisas. Porém era meio óbvio que ele acreditava na intenção da irmã, como se se preocupasse mesmo assim.

- Exatamente! - Gritou ela, sorrindo até com os olhos.

- Oh, que atencioso. - Ele respondeu, torcendo os lábios para cima e aceitando o artesanato horroroso.

Seus filhos pareciam brilhar quando colocou a coisa em seu pescoço e se despediu com um beijo na cabeça de cada um.

A memória se desapareceu novamente, como um longo piscar de olhos.

Ele acenou para a família, de longe, e prometeu voltar antes que o caçula nascesse.

Sua irmã o provocou dizendo que não se importaria se ele demorasse mais, que ninguém gostava de sua personalidade insuportável por perto e... ele riu disso. Com tanto carinho disfarçado o enchendo por dentro que ninguém pensaria que essas coisas estavam vindo de um feiticeiro com a reputação dele.

Como sempre fazia antes de sair, enquanto eles começavam a retribuir sua despedida, seus olhos se demoraram em cada um deles. Prestando uma atenção elevada apenas para guardar cada detalhe da cena, já que era a ultima coisa dessas pessoas que teriam em meses.

Seu foco foi primeiro para seus filhos mais velhos, depois para a irmã e os pirralhos poderosos dela. Em seguida ele encarou o encantador de sombras com a ameaça clara de uma morte dolorosa caso algo de ruim acontecesse com sua família, mas o idiota apenas sorriu como resposta e gesticulou para que fosse embora.

Por ultimo ele encontrou os seis olhos de sua esposa e observou os gêmeos no colo dela. Aqueles dois eram uma grande decepção desde bem antes de nascerem, mas até que não eram ruins. Eles não possuíam um potencial de força maior do seus servos mais fracos e se envergonhava por isso, porém supunha que podia encontrar alguma utilidade para suas vidas, tornando-os grandiosos em outros aspectos.

Estava tentando se convencer de que força não era tudo. Acreditava que podia realmente enxergar o mundo de uma forma diferente se fosse por seus filhos.

Ele colocou isso em mente e guardou o pensamento para desenvolve-lo melhor enquanto lidava com as merdas da carreira.

Haviam uma guerra pronta para estourar e se certificaria de que isso não acontecesse, para que os gêmeos tivessem a chance de crescer bem.

Bem, essa era uma maneira bem mais puritana de dizer que estava indo massacrar aldeias revoltosas por interesses próprios. 

Derramar sangue era parte de seu mantra.

Mais um borrão, algo sutil e suave.

Ele ouviu um boato. Um sussurro sobre o aviso dado a plebeus inferiores que se achavam no direito de se posicionar com tanta arrogância.

Aqueles camponeses foram fortes o bastante para verem muitos de seus familiares serem destruídos antes de explicarem o que isso significava.

- Sua família queimou, Ryomen. - Um deles disse, rindo como se a loucura se apoderasse de seus sentidos. - Exatamente da mesma forma que você fez com as nossas.

Desta vez tudo se nublou com mais brusquidão, como se fosse o rompimento de qualquer estabilidade. As imagens começaram a voltar em forma de percepções, o cheiro de fumaça, de sangue e de carne queimada...

Haviam sinais claros de uma batalha gigantesca mesmo quilômetros antes de chegar em casa, milhares de mortos. Nenhum deles eram alguém entre os seus protegidos.

Foi o corpo do cunhado que ele encontrou primeiro, ou o que restava dele. Uma carcaça destroçada e parcialmente comida pelas maldições que foram atraídas para o lugar.

Não se permitiu pensar sobre a morte dele, o homem podia ter caído, mas ele não era a pessoa mais poderosa de lá. Considerando se sua irmã havia conseguido dar a luz antes disso acontecer.

O cheiro predominante da decomposição no ar lhe dizia o quanto ele estava atrasado.

Quanto mais perto chegava, tudo parecia ainda pior. Ele começou a reconhecer outras pessoas, seus sobrinhos mais velhos, seus guerreiros...

Sua irmã estava no centro de um grande aglomerado de cadáveres, próxima a entrada do clã. Como se houvesse tentado impedi-los quando as outras defesas caíram. Aquele corpo ele tomou em seus braços, carregando-o conforme cada traço de pensamento desaparecia de sua mente, deixando apenas uma calma gélida e incrédula.

Ele não ignorou o bebê que estava perto dela, como alguém que buscou forças para sair de suas entranhas enquanto ela estava morrendo.

O pequeno havia conseguido nascer, pelo menos, e sua irmã havia conseguido vê-lo pela forma com que ela estava posicionada ao redor dele, tentando protege-lo até que alguém aparecesse para busca-lo. Mas ninguém veio e nada impediu que o garotinho morresse por fome, sede ou frio.

Cada casa foi incendiada nas intermediações do clã, com seus moradores dentro.

Mas seus atacantes ainda tiveram tempo de montar um recepção de boas vindas, desenhando um caminho no chão com as cinzas e o sangue, de forma que isso o levasse até sua própria moradia.

No caminho ele avistou de longe o cadáver de sua esposa. Ela estava perto de um grande rombo de destruição. Parecia ter sido capaz de lutar, no fim. Porém as órbes de seus olhos foram arrancadas e haviam um corte grotesco em sua barriga que indicava o que exatamente iria encontrar no fim do percurso.

Havia uma mesa de jantar montada em seu jardim. Com restos de uma refeição sendo atacada pelos corvos.

As aves imundas fugiram quando ele chegou perto, para observar os pedaços de corpos agrupados na intenção de imitar a formação de um belo banquete.

Ele reconheceu um bebê pequeno demais, sem olhos, e partes de uma menina, com a ausência apenas dos braços dela. Como não poderia saber quem eles eram, quando aquelas marcas na pele eram iguais as suas? Embora as do natimorto tenham sido pintas por tinta preta comum e não representassem qualquer real poder.

Entretanto, o pior de tudo era a figura terrível que foi montada atrás dessa mesa...

Aquilo era a imitação de um demônio de quatro braços e quatro olhos. Com o ressalte de que era o seu primogênito ali, desfigurado e ligado aos braços da sua garotinha, com os olhos da mãe deles e do irmão mais novo.

Não sabia quanto tempo ficou ali, olhando para aquilo com o corpo fedido da irmã e do sobrinho nos braços, mas a noite veio e ela foi acompanhada de uma nevasca que, eventualmente, desviou seu foco, mesmo que não tenha trazido sua racionalidade de volta, não totalmente.

Então era aquilo que significava estar morto.

Ele não sentiu nada. Apenas um vazio insuportável e um latejar perturbador na parte de trás de sua cabeça.

Seu corpo parecia anestesiado, mas se obrigou a abandonar sua carga e continuar procurando  entre os corpos as duas crianças que ainda faltavam.

Ele procurou, procurou e procurou, até o sol voltou a aparecer.

Talvez os guardiões deles tenham conseguido fugir levando-os junto, sua mente letárgica forneceu, uma vez que não havia encontrado nenhum dos Itadori entre os mortos e não havia carne entre as coisas queimadas na casa que eles ocupavam.

Não era honroso, de fato. Porém poderia se ajoelhar diante daqueles servos medíocres pela menor possibilidades deles terem sobrevivido.

Não fazia muita diferença de qualquer forma, não agora.

Aquele colar em seu pescoço estava o sufocando e seus olhos estavam ardendo, da mesma maneira que em seu rosto haviam começado a congelar as lágrimas que não sabia que derramou.

Mas aquela ideia manteve uma pequena faisca acessa dentro dele, o suficiente para analisar o caos uma ultima vez e parar para desenvolver uma linha de reação.

Ele tirou o ultimo presente de sua filha de seu corpo e o manteve seguro em sua mão. Ignorando todas as maldições que se aproximavam dele em interesse pelo seu ódio.

Ah, ele quebraria aquele mundo de merda e os faria lembrar de seu nome como sinônimo de toda a agonia que sentia ressoar por suas veias.

Os guardiões o conheciam o bastante para estarem longe o suficiente para que não pudesse alcança-los quando não se lembrasse mais de quem eles eram.

Não havia duvidas de que sabiam o que ele faria a seguir.

Então ele começou.

- Furube. Yura yura. Yatsuka...*

(...)

Uyara acalmou suas convulsões e começou a se curar sozinha apenas três dias depois de encontrarem o objeto de classe especial. Foi quando Shoko achou seguro deixa-la apenas sob a supervisão dele e pode ir embora, avisando-o que ele deveria busca-la novamente em qualquer sinal de piora.

Agora Satoru estava aqui, observando-a e segurando sua mão enquanto amaldiçoava mentalmente o colar ofensivo que ainda estava na outra mão de sua amiga, recusando-se a solta-la.

Megumi e Tsumiki-chan também estavam ali, deitados, dormindo em um futon* que eles estenderam no chão do quarto. Ambos haviam o acompanhado nesse tempo todo, parecendo tão tristes quanto ele se sentia. Não era uma surpresa constatar que estavam exaustos.

O deus mortal viu a energia dela parar o fluxo continuo de gasto e suspirou aliviado quando percebeu que ela agora desfrutava de um sono tranquilo e não da tormenta imposta pelos resquícios do Rei das Maldições.

Ele foi teve um vislumbre de cada memória antiga que foi revelada para sua amiga e esse era parte do motivo de não sair de perto dela em nenhum instante. Não pelo horror do conteúdo, mas porque ela era um perigo para qualquer mente sensível nas proximidades e foi preciso garantir que aquilo não afetaria mais ninguém.

O outro motivo era o que o manteve acordado desde então, inquieto e perturbado, como vigia constante e desesperada. Era aquele aperto no coração insuportável que atrapalhava o seu raciocínio e agitava suas emoções, que o fazia se sentir tão pequeno e impotente quanto os insetos que esmagaria facilmente.

Gojo odiava isso. Sabia exatamente o que era e gostaria de exorcizar essa maldição como faria com qualquer outra.

As pálpebras de Kioku tremeram em inquietação e aqueles olhos muito escuros procuraram por ele automaticamente.

A forma com que ela respirou fundo, afogando o pavor, fazia com que se sentisse doente.

- Você está parecendo uma merda. - Ela murmurou baixinho, apertando sua mão de volta.

- E de quem é a culpa? - Um pequeno sorriso apareceu em seu rosto, inevitavelmente.

- Eu... não sei. - Uyara piscou uma vez, lentamente. Franziu o cenho. E depois piscou mais muitas vezes, rapidamente, como se algo a incomodasse em seus olhos. - Racionalmente falando, provavelmente é desse colar que estou segurando. - Ela encarou o objeto, avaliativa, então deu de ombros e o colocou em seu próprio pescoço.

- O que você está fazendo? - Satoru adotou uma expressão de batalha, de um conflito que levaria a serio. - Essa coisa quase te matou, até eu posso dizer que não é uma boa ideia simplesmente usar.

- Sério? - Ela parecia confusa. Até demais. - Eu acho ele quentinho e a energia é boa, me lembra de mim mesma.

- Você já disse isso. - Ele apontou o óbvio, revirando os olhos.

- Eu já disse? - As palavras vieram devagar, enquanto os olhos dela se arregalavam comicamente, apenas para em seguida seu rosto adotar uma expressão de raiva. - O que diabos você e o Sugu-kun estavam fazendo para me deixar usar tanto poder assim? - Sua voz soou realmente irritada, mas ela a manteve em um tom baixo. - Alias, onde ele está? Não posso supor que estou estável! - Seus olhos vagaram pelo quarto, criticamente. - Por que tem crianças aqui, com o Suki?

Gojo olhou para ela em silêncio. Por tanto tempo que começou a preocupa-la.

Em seguida ele bateu no próprio rosto, com força. Só para ter a certeza de que estava acordado.

Isso a assustou, porém seu corpo inicialmente não estava com disposição o suficiente para fazer mais do que observar as estranhezas do amigo.

Então Uyara viu seus olhos ganhando umidade enquanto ele ria histericamente e isso automaticamente a tornou agitada, com traços de desespero.

- O que aconteceu? - Ela se arrastou para mais perto dele, agoniada. - Eu posso bater com mais força, se precisar.

- Oh, por favor, faça isso. - Ele abaixou a cabeça, esperando pelo golpe. Sabia que era uma oferta seria.

Mas no lugar disso, recebeu apenas uma rápida caricia em seu cabelo e foi puxado para um abraço esmagador. Gojo se permitiu abraça-la de volta, quase sufocando na turbulência de suas emoções e suspirando sofridamente.

Sabia que a mulher conseguia entender, sem a necessidade de encantamentos para isso.

Estavam ligados pela maldição mais distorcida de todas, afinal.

- Eu perdi muitas memórias? - Sua resposta veio como um aceno de cabeça em positivo. - Oh, não precisa se preocupar com isso. O efeito não é duradouro.

- Certeza?

- Bem... não. Mas já me recuperei de danos semelhantes, embora tenham sido menores. - Ela procurou seus olhos, preocupada. - Mas se aquelas crianças são nossos filhos, é melhor me dar os detalhes antes que eles percebam que eu me esqueci até do nome deles.

- Pode contar comigo.

(...)

A parte mais adorável de ter feito Uyara acreditar que ela era mãe dos pirralhos foi que, mesmo sem a maior parte das memórias relacionadas a eles, seu tratamento com os dois foi exatamente igual ao que fazia anteriormente. Tanto que foi um pouco difícil faze-los acreditar que ela estava em um quadro de amnésia.

Era como também mantivesse essa percepção antes, o que lhe deixou levemente insuportável sobre como ela era fofa. 

Entretanto, quando precisou explicar sobre Geto, houve o conflito que deveria ter acontecido meses antes, se ela estivesse em seu alcance para passarem o choque da noticia um com o outro. Algo que envolveu os dois brigando, quebrando coisas, comendo seu estoque de doces enquanto assistiam romances muito bregas, transando por pura raiva e Kioku muito chateada consigo mesma por ter vontade de ir atrás do ex-amante e amaldiçoa-lo até que a mente dele perdesse a percepção de livre-arbítrio, só para traze-lo de volta.  

Mas não durou muito e as lembranças de fato retornaram.

Por isso agora estavam de volta aos tópicos da missão dela e observavam uma criança de cabelo rosa dotada de habilidades físicas incomuns. Um menino com o sobrenome Itadori, como o dito nas recordações de Sukuna no período anterior a ele se tornar o rei das maldições.

- Esse é o descendente do Sukuna? - Satoru perguntou com certa duvida. Além do óbvio, o menino não parecia ser diferente em mais nada. Teria imaginado no mínimo um grande talento para alguém de uma linhagem tão poderosa.

Estavam o vigiando a dias e podiam dizer, com certeza, que o pequeno nem mesmo era capaz de ver maldições. O que se provava agora, considerando que ele estava correndo para a casa animadamente, envolvido numa brincadeira com o avó, enquanto o mais velho claramente tentava mantê-lo seguindo em frente com velocidade para fugirem de um nível quatro que os perseguia.

- Se ele for, com certeza não somos os primeiros a tentar tirar proveito disso. - Ela indicou aquele que deveria ser Itadori Wasuke. - Vou descobrir o que o velho sabe.

{...}

A sequência de palavras é a mesma que Megumi começa a dizer na luta contra Sukuna, pouco antes de sua última tentativa de trazer Yuuji de volta. No anime.
Futon: Acolchoado ou manta flexível o suficiente para ser dobrado e guardado durante o dia e utilizado à noite.

Continue Reading

You'll Also Like

3.5K 202 12
A atmosfera no quarto era complicada, Sn tinha acabado de testemunhar a transformação de Zhongli, ela tateou seu chifre e sorriu suavemente. Eles es...
10.4K 960 12
De volta a um tempo mais ingênuo e jovem, um deus havia se apossado da fraqueza de Xiao e o forçado a servir como uma marionete, o forçando a realiza...
1.5K 67 6
Bom, pra começa eu faço imagines de diferentes animes, eu irei fazer pedidos de voces caso queiram. nao sou uma ótima escritora, e nem com a maior ca...
109K 6.6K 34
1 TEMPORADA CONCLUÍDA 2 TEMPORADA EM ANDAMENTO S/n se vê a pior amiga do mundo quando descobre que o cara com quem ela ficou em uma boate é o pai d...