June acordou ao primeiro toque de seu despertador.
O relógio digital transparente, que sempre a fazia pensar que os números estavam flutuando, marcava exatamente seis horas da manhã. Logo abaixo dos números brilhantes, três letras se combinavam, mostrando para a mulher que, mais uma vez, ela acordara cedo no dia errado.
06:00 AM. – DOM
June se sentou devagar, coçando os olhos e se desvencilhando com cuidado de suas cobertas pesadas. Logo, o choque térmico arrepiou a pele pálida, coberta apenas por uma camisola. Com passos silenciosos, ela se encaminhou até o banheiro branco, de decoração minimalista.
O espelho grande lhe mostrou a imagem de uma mulher com, aparentemente, trinta anos de idade. Os cabelos pretos eram curtos e os olhos puxados – lembretes eternos de onde viera – seguiam inchados pela noite mal dormida. Tocou a testa lisa, lembrando-se de quando tinha uma franja que por anos foi seu xodó, mas que havia sido abandonada, assim como muitas outras coisas que aprendeu a abrir mão. Os dedos da mão esquerda se moviam agilmente, girando algo imaginário.
Nem tudo foi largado, pensou.
Dando fim às suas reflexões matinais, June lavou o rosto, penteou os cabelos e escovou os dentes. Pelo seu reflexo, a camisola parecia inútil, visto que era pequena demais e transparente a ponto de mostrar seus seios, que por muitos anos achou que nunca cresceriam.
O pensamento a fez sorrir. A mulher no espelho era bonita sorrindo, mas sentia que faltava algo nela.
— Uma franja, talvez....- Refletiu June, em sua primeira fala do dia.
Sem se preocupar em vestir algo que cobrisse sua nudez, saiu do banheiro e atravessou o quarto, indo para a cozinha.
Domingo. Seis da manhã. Dia ensolarado.
Verão.
Minutos depois, o barulho da chaleira apitando a fez pular. June preparou seu chá e sentou-se em uma poltrona na sala de estar. Por longos momentos, fitou o chá fumegante, que ganhara uma tonalidade verde-musgo.
O verde lhe lembrava da floresta úmida; aquela floresta lhe lembrava do verão. E o verão? Ele lhe lembrava medo.
— Porra! – Xingou alto ao sentir parte do chá quente ser derrubado na coxa desnuda. A pele reagiu imediatamente, assumindo um tom avermelhado. – Merda.
Quando estava seca novamente, June pode, enfim, tomar o chá, mas sem se perder no verde-musgo dessa vez. Não ligou a televisão, não gostava de notícias desta época do ano. Fitou seus pés descalços apoiados no chão de madeira encerado. Exatamente como naqueles tempos....madeira.
O chá desceu pela garganta com um sabor suave, apesar da temperatura. June involuntariamente fitou o conteúdo da xícara enquanto bebericava.
Verde, floresta, verão, med....
— Não. – Sua voz saiu com firmeza. Voz de uma mulher e não de uma garota. –Nem tudo é a floresta. Verde é outra coisa.
Acalmou-se momentaneamente, mas, no fundo, sabia que verde sempre seria a floresta também. Os dedos da mão esquerda ainda trabalhavam. A franja parecia estar ali, incomodando seus olhos de novo, embora soubesse que havia se desfeito dela há muito tempo.
Verão.
June sempre se deixava levar pelo verde do chá quando o verão chegava.
O corpo subitamente se energizava e a floresta ficava viva de novo, assim como tudo o que ela escondia. Os raios amarelados entravam pela janela da sala de estar e ela fitou o calendário em seu tablet, ao lado da poltrona.
Os olhos confirmaram o que já imaginava: O verão estava começando, e ela estava ali, vendo os primeiros raios de sol, em pleno domingo, às seis da manhã.
Fitou o chá mais uma vez e se deixou levar.
Verde lembrava floresta.
Floresta lembrava verão.
Verão lembrava med....Não.
Maddie.
Verão lembrava Maddie.