No Compasso das Estrelas | ⚢

By girlfromcv

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Para uns, Porto Baixo não passava de uma cidadezinha praiana esquecida num canto qualquer da Costa Este e ass... More

Nascer do sol
DREAMCAST
Epígrafe
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 28
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Epílogo
Especial de Fim de Ano
Tem alguém aí?

Capítulo 27

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By girlfromcv


      Pelo fato de, desde muito nova estar acostumada a ver pessoas importantes irem embora da sua vida, Yara já sentira o suficiente para poder afirmar que, em nenhuma das vezes, doía menos ou impedia que se importasse.

Por tais experiências passadas, ao tomar a decisão de afastar-se de Léia, já deveria saber que tudo voltaria da mesma forma, ou até mais intensamente, tendo em conta que, daquela vez, a escolha fora sua, ainda que não quisesse que as coisas fossem assim.

Doía-lhe, doía-lhe muito. Mesmo após uma semana e alguns dias, o sentimento fustigante de vê-la e não poder chegar perto, tocar, falar com ela — ainda mais sabendo que era a responsável —, era o mesmo.

Os intervalos que normalmente passava ao seu lado, foram substituídios pela solidão e pelo isolamento, num canto longe da vista dos outros, sem pretensão de ser encontrada, muito menos incomodada.

O espaço atrás da quadra de basquetebol proporcionava-lhe tais momentos de alguma tranquilidade, diminuindo o risco de se esbarrar com a porto-baixense, ainda que fosse impossível manter os pensamentos longe.

Por mais que obrigasse sua mente a focar em qualquer outra coisa que não tivesse ligação com ela, em algum momento acabava por associá-la a tal.

Era insano.

Suspirou, cansada.

Amadurecer era tão complicado, crescer trazia tantas responsabilidades que, se soubesse que assim seria, teria preferido nunca deixar de ser criança, embora não fosse mudar nada na ordem natural das coisas.

Numa hora como aquela, por exemplo, em vez de estar sofrendo e se lamentando por uma decisão que tomou acreditando ser a melhor — mas, no fundo, duvidava, pelo tanto que doía —, estaria concentrada como a criança morena que via do outro lado, na área dos ensino básico, que cautelosamente ajudava a amiga a subir no baloiço, antes de começar a empurrá-la levemente.

Quanto a sentimentos menos bons, seu único medo talvez seria o de cair e se machucar, como a criança de pele achocolatada e tranças nagô, que era impulsionada e agarrava firmemente as correntes do brinquedo, pouco a pouco parando de tremer, à medida que ganhava mais confiança.

O único medo a vencer seria o de um instrumento de diversão, que antes encarava como um vilão, por causa de outras pessoas que o usaram para machucá-la, mas algumas palavras de incentivo e o apoio de alguém querido, seriam suficientes para fazê-la avançar.

Através dos espaços vazios em círculo no murro que separava os dois lados, via o baloiço ganhar velocidade e altura, e a menina gargalhar, movida pelo sentimento de vitória e pela adrenalina.

Sorriu fraco; um sentimento agridoce tomando conta do seu peito, ao constatar que, até uma criança de menos de dez anos, conseguia ser mais corajosa do que ela.

Em que ponto havia chegado, afinal?!

Em que ponto havia chegado, que só fazia fugir de tudo que remetesse diretamente aos fatídicos acontecimentos de meses atrás?

E por que razão o fazia, se sabia que ignorar e tentar esquivar-se não mandava nada embora, mas sim fazia acumular, até que um dia não aguentasse mais?

A justificativa era sempre a mesma, quando, no seu íntimo, tinha a plena consciência de que não era o fato de não estar preparada, nas sim de ser uma grande covarde. Afinal, como raios teria certezas em vez de questões e mais questões, se não parasse de empurrar as coisas com a barriga, e tentasse de verdade?

O que estava fazendo consigo mesma?

Eram tantas as perguntas que tinha a se fazer — naquele momento em que começava a abrir os olhos e ter coragem para encarar certas coisas sobre si mesma, que vinha ignorando —, mas não foi possível prosseguir, pois, o toque da sineta reverbou por todo o edifício, avisando que era hora de voltar à luta.

Levantou-se, pegou a sua mochila no chão e, quando voltou a olhar para o outro lado, as duas crianças já não estavam mais lá.

      Lacerda não poderia concordar mais com o pai na sua afirmação de que a vista do ocaso na Praia Dourada conquistava a todos, justamente por se tratar de uma dessas pessoas, encontrando no poente uma calmaria surreal e uma paz de espírito imensa.

Era tão bom quanto suas conversas com Leandra, ou os conselhos de Lena, só que, naquele caso, não precisava dizer absolutamente nada, pois a grande estrela parecia já saber de todas as suas angústias, cuidando, assim, de abraçá-la e fazer com que se sentisse em paz, nem que apenas por instantes.

As três coisas funcionavam como peças que se encaixavam, mas não anulavam na preta a sensação de que havia algo em falta. Era o vazio que ocupava um grande espaço e, à medida que o tempo passava, se fazia mais evidente.

Do terraço da Sombra do Poente, no mesmo lugar onde, mais de uma semana antes, estivera com Léia, tinha a visão do sol sobre o mar, e da longa despedida que se desenrolava ali, como se partir não fosse sua vontade, mesmo sendo certo que voltaria para o amanhecer.

Gostaria de dizer ao sol que lhe entendia perfeitamente, pois, despedidas não eram a coisa mais agradável do mundo, e ela bem o sabia.

Conservava um dos joelhos dobrado junto ao peito, e o outro em baixo, balançando lentamente.

Do seu lado direito jazia o exemplar de "Quando cai a última folha", pousado ali poucos minutos antes, após a leitura de um capítulo em que Kaira, a protagonista, reencontrava pela última vez seu pai já falecido, em um plano celestial, tendo assim a oportunidade de lhe dizer todas as coisas que não pôde nos últimos momentos de sua vida.

Embora ciente de que se tratava de um livro de fantasia e da impossibilidade de algo assim acontecer na realidade, a solarense não conseguia evitar pensar como seria se tivesse a mesma oportunidade que Kai, e pudesse reecontrar sua mãe.

Tentava imaginar as coisas que diriam uma à outra, o turbilhão de emoções que tomaria conta de si e, principalmente, se ela lhe perdoaria.

Olhou de soslaio quando notou alguém tomar lugar ao seu lado, encontrando o sorriso da tia; seu rosto iluminado pela graciosa luz do sol.

Ela nada disse ou fez, além de distorcer parcialmente o corpo para fitar melhor o horizonte.

Com a correria do dia-a-dia, as responsabilidades da maternidade e do trabalho, e tantas outras coisas, eram poucos os momentos como aquele que aproveitava e, por vezes, se esquecia que tinha algo tão lindo mesmo ao seu alcance.

Desviou brevemente o olhar para a sobrinha, antes de indagar:

      — E aí? Como você tá?

      — Bem. — disse, olhando para Lena, cuja expressão era de quem não estava muito acreditada da sua resposta. — Apenas pensativa.

Ainda que não fosse a resposta que esperava ouvir, por já saber, de antemão, que as coisas não estavam fáceis ultimamente, não quis ser invasiva, pelo que assentiu, optando pelo silêncio nos segundos seguintes.

      — Tia. — chamou, atraindo a sua atenção. — O que você acha que a mamãe me diria se pudesse conversar comigo? Sei lá, se ela tivesse a oportunidade de me ver de novo, uma última vez, antes de descansar de verdade, pra sempre. — fitou diretamente os olhos chocolate dela. — Eu sei que pode parecer meio doido e sem sentido que eu esteja perguntando uma coisas dessas, mas só...seja sincera. Eu preciso saber.

      — Eu entendo, querida. E tá tudo bem, não se preocupa. — garantiu, tocando levemente seu ombro. — Respondendo à sua pergunta, eu acho que a sua mãe te abraçaria bem apertado e te diria que alguém maior quis que fosse assim, mas que não seria pra sempre. Por isso, pediria pra você ter paciência, porque aquele não era um adeus definitivo, e que um dia estariam juntas de novo. Pelo que eu conheço da minha irmã, ela possivelmente falaria que muita coisa não seria fácil dali pra frente, mas que acredita na sua capacidade pra enfrentar tudo. Te aconselharia a nunca deixar de lutar pelos seus sonhos, viver cada dia como se fosse o último, e sempre lembrar dela com amor. — àquela altura, os olhos da solarense já transbordavam. — Aproveitaria também pra te lembrar que você foi o melhor e maior presente da vida dela, e que estaria sempre olhando por você. E, por fim, ela enxugaria as suas lágrimas — fez um pausa, limpando as suas bochechas molhadas. —, te diria o quanto te ama, e pediria pra você se cuidar.

      — Você acha que ela me perdoaria? — indagou com a voz quebrada.

      — Te perdoar pelo quê, meu amor? — questionou, em tom suave, não necessariamente em busca de uma resposta. — Se há um culpado nessa história, é o Universo, ponto. Eles que se resolvam.

Yara fungou, limpando o nariz com o dorso da mão.

      — Mas e todas as outras pessoas que eu já magoei? — inquiriu, após um tempo de silêncio. — Tem a Léia, a Clarisse. Tenho quase certeza que, em algum lugar dentro delas, devem me odiar profundamente.

      — Por que você não pergunta? — sugeriu.

      — Como assim? — perguntou, unindo as sobrancelhas. Queria ter a certeza de que tinha entendido perfeitamente.

      — Conversa com as duas, coloca tudo em pratos limpos. — explicou. — É melhor esclarecer tudo e ter certeza do que elas realmente sentem, do que viver desse jeito, sofrendo por algo que pode não ser totalmente verdade.

Quanto à porto-baixense, não lhe restavam dúvidas, pelo olhar que recebera dela semanas atrás.

      — Eu não sei se é uma boa ideia. — confessou, balançando a cabeça em negação.

      — Só...pensa sobre isso, tá bem? Uma boa conversa pode ser bastante esclarecedora.

A adolescente assentiu, voltando a olhar para o horizonte.

      — Tudo bem, eu vou pensar.

      Yara realmente não havia mentido quando disse à tia que pensaria sobre o que tinham conversado.

Aquilo ocupou boa parte da sua mente durante o resto do dia e, ainda na manhã seguinte, a situação era mesma, daquela vez ocupando-se em avaliar os prós e contras de estar frente a frente com as duas pessoas que mais temia enfrentar.

E, ainda ao fim do dia, sentada à mesa da cozinha, enquanto remexia com a colher os cereais imersos no leite, seus pensamentos não eram outros.

      — Yara? — ouviu alguém chamar, a voz soando distante. — Ei, Terra chamando. — sobressaltou-se levemente quando a voz soou mais alta, acompanhada de um estalar de dedos.

      — ? — soltou, fitando a expressão de Victória, envolta em curiosidade. — Ai, desculpa, Victória. Eu ia longe aqui.

      — Percebi. Mas tá tudo bem. Acontece. — deu de ombros. — Eu tava falando que é melhor tu terminar de comer, porque senão os cereais vão amolecer, e o gosto depois não é muito legal.

      — Ah, claro. — disse, pegando na colher. — Obrigada.

      — De boa.

A adolescente levou o talher cheio até a boca, observando a prima depositar a loiça suja que trazia, na pia, antes de abrir a torneira.

Pouco depois, levou a sua tigela até lá, ajudando a pequena na tarefa, antes de seguir para o quarto.

Entrou no cômodo no exato momento em que os primeiros acordes de Photograph ressoaram, denunciando que alguém lhe ligava.

Seu coração deu um solavanco quando pegou o celular sobre cama, vislumbrando o contato de Clarisse no visor.

Apertou o aparelho entre as mãos; as palavras de Madalena invadindo sua mente sem pedir licença, apenas para lembrá-la que certas respostas só estavam com a solarense, e mais ninguém.

      — Alô. — saudou, tomando lugar na ponta da cama.

      — Olá, querida! — era aquele entusiasmo na sua voz que, por vezes, lhe fazia pensar que talvez ela não guardasse tanta mágoa de si. — Como estão as coisas por aí?

      — Está tudo indo bem, tia, obrigada.
— nervosa, brincava com alguns fios soltos do edredom. — E por aí? Como tá o Maurício?

      — Ele está bem. Bastante esperto e elétrico como sempre! Não sei como aquele corpo pequeno consegue armazenar tanta energia. — era possível perceber que sorria ao falar, como uma autêntica mãe coruja.

      — Dá um beijo nele pra mim. — pediu, deitando de costas. — Fala que estou com muitas saudades.

      — Pode deixar, falo sim. Ele vai ficar feliz. — fez uma pausa, em que a preta pôde ouvir o barulho de uma porta se fechando. — Como está a Lena? Suas primas?

      — Estão todas bem, obrigada.

      — Que bom. E a escola? Está tudo indo bem por lá? Acabaram as provas?

      — Sim, na semana passada. De resto, tá tudo tranquilo.

Bem, não exatamente, mas preferia guardar certas coisas para si, e mantê-la tranquila.

      — Isso é bom.

      — É.

      — Tem novidades? — quis saber, animada. — Sei lá, algo de novo pra contar. Qualquer coisa.

Lacerda pensou por breves segundos.

      — Sim, algumas, mas... — respirou fundo. — Eu queria te perguntar uma coisa, primeiro.

      — Claro, meu bem, sem problema nenhum. O que você quiser.

      — Você...tem plantão esse final de semana?

Os poucos segundos de silêncio que se seguiram, foram suficientes para fazer o coração de Lacerda bater ainda mais forte, como se quisesse sair do lugar.

      — Vou verificar o meu horário, só um segundo. — disse. — Sexta dezesseis, sexta dezesseis, dezes...certo, achei! Está me ouvindo?

      — Sim, estou.

      — OK. Amanhã, sexta-feira, eu saio logo pela manhã, sábado é a minha folga e, no domingo, eu entro às oito da noite. — informou. — Bom, é isso.

A mais nova nada disse a princípio, fechada em seus próprios pensamentos de ponderação, com base no que acabara de ouvir.

      — Yara? Ainda está aí, querida?

      — Posso te fazer uma visita? — finalmente tomou coragem para perguntar; a voz levemente falha devido ao nervosismo.

Mais uma vez fez-se silêncio do outro lado, prolongando o seu estado de agonia.

      — Mas é claro, meu amor! Você sabe que essa casa também é sua. — respondeu, radiante. — Acredita, vai ser um prazer.

E foi ali que a solarense pensou que, talvez, Lena tivesse razão, e uma boa conversa — bem como um regresso à origem de tudo — poderiam ser bastante esclarecedores.

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