Amélia, Da Cor do Sangue ‐ Li...

By Avallonne

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{OBRA DEVIDAMENTE REGISTRADA NA BIBLIOTECA NACIONAL} - "A sequência desse livro, "A Desolação de Amélia - Liv... More

Prólogo
Capítulo O1. Tempestade
Capítulo O2. Réu Primário
Capítulo O3. Montecchio e Capuleto
Capítulo O4. Oferta Inusitada
Capítulo O5. Gente Rica
Capítulo O6. Churrascaria Burguesa
Capítulo O7. Máfia Italiana
Capítulo O8. Regina George
Capítulo O9. Sobretudo e Solidão
Capítulo 1O. Antes das Seis Horas
Capítulo 11. Cópia Barata
Capítulo 12. Diabos de Ferro
Capítulo 13. Agentes do Caos
Capitulo 14. A Pequena Lebre se Feriu
Capítulo 15. A Rainha Está Louca!
Capítulo 16. Diavol Vermelho
Capítulo 17. Albastruz Audacioso
Capítulo 18. Afronésia
Capítulo 2O. Uma Parede Quebrada
Capítulo 21. O Lírio branco e a Hortênsia azul
Capítulo 22. O Diabo é Azul
Capítulo 23. Observada de Todos os Lados
Capítulo 24. Pequena Estrela Escarlate
Capítulo 25. As Rosas que Cheiram a Sangue
Capítulo 26. Livro do Olho Dourado
Capítulo 27. Lírios Brancos Pintados de Vermelho
Capítulo 28. O Início de uma Gloriosa Agonia
Capítulo 29. Pétalas Vermelhas de um Coração Humano
Capítulo 3O. Show de Horrores
Capítulo 31. A Colheita dos Lírios Vermelhos
Capítulo 32. A Colheita dos Lírios Vermelhos - Parte II
Capítulo 33. Um Pequeno Suborno
Capítulo 34. As Trinta Aranhas Azuis
Capitulo 35. Deus do Caos
Capítulo 36. Absinto
Capítulo 37. O Peão
Capítulo 38. A Criança de Cabelos Brancos
Capítulo 39. A Oitava Duquesa
Capítulo 4O. Paranoia
Capítulo 41. Mal Presságio
Capítulo 42. Corpo Seco
Capítulo 43. A Casa do Bacanal
Capítulo 44. A Morte nas Pontas dos Dedos
Capítulo 45. Garras Humanas
Capítulo 46. Fundo do Poço
Capítulo 47. Suja de Fuligem Vermelha
Capítulo 48. Pele Sintética
Capitulo 49. Rapto
Capítulo 5O. Sentença de Morte
Capítulo 51. Não Vire as Costas!
Epílogo
Agradecimentos

Capítulo 19. Escarificações

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By Avallonne

Eles a avisaram, não vá até lá,
Há criaturas que estão se escondendo no escuro;
Mas ela foi, e então algo veio rastejando;
A criatura disse a ela 'não se preocupe, apenas siga-me em todos os lugares que eu for;
Sob o topo de todas as montanhas ou vale abaixo;
Vou te dar tudo o que você sonhou,
Apenas me deixe entrar.

Lily - Alan Walker


Eu acordei com meus sentidos um pouco aturdidos, meus olhos doíam um pouco quando eu os esfregava e sentava ao mesmo tempo.

— Você acordou finalmente. — Me assustei com a voz rouca de Aiden. O homem estava sentado na cadeira da penteadeira ao meu lado me observando. — Sua febre demorou baixar, tive que chamar um médico para cuidar de você.

Eu não estava escutando o que Aiden estava dizendo, porque o que mais me deixou perturbada, foi o fato de não haver absolutamente nada em meu pulso. 

Com o braço levantado sob meus olhos, mesmo com minha memória cortada, eu  lembrava perfeitamente de Eris ter fechado aquela maldita pulseira em minha mão, me lembrava dele ter ameaçado de explodir meu corpo.

Mas que diabos…?

— Amélia? — Aiden sussurrou, tomando minha mão nas suas enluvadas de preto, fazendo uma careta de dor quando meus dedos encostaram em seu pulso direito. Ele estava formando uma ruga entre as sobrancelhas. — Você ainda não se sente bem? 

— Ah… — Olhei para os lados e umedeci os lábios, sentindo uma extrema sede. — Eu quero água.

Aiden sorriu minimamente e se levantou da cadeira, tocando uma bandeja que eu não havia visto antes e enchendo um copo de água de uma jarra de vidro.

— É bom que se hidrate. — Disse se sentando na cadeira ao meu lado. — Como se sente?

Virei meu rosto para ele e suspirei segurando o copo meio cheio entre os dedos, dando longos goles do líquido.

— Eu estou um pouco... mole. — Aiden pegou o copo de minhas mãos e colocou sobre a penteadeira. 

— O que realmente aconteceu? — Suspirei. — Você me trouxe até aqui? 

Aiden, com a expressão séria demais, estudou meu rosto por vários minutos antes de sorrir sem mostrar os dentes e me responder.

— Você bebeu demais no jantar. — Falou. — Acho que passou mal e alucinou um pouco. Felizmente os empregados viram e cuidaram para que você não acordasse de supetão enquanto andava ou não caísse. Porém quando entrou na cozinha, tive de segurar você antes que se machucasse com os cacos de vidro que derrubou.

Ah, sim… eu estava me lembrando.
Porém em minha mente tudo aconteceu completamente diferente do que ele me contava.

Eu me lembrava de Eris, completamente assombroso como um morcego entrando em meu quarto pela janela, mexeu em minha bolsa, pediu meu perfume, colocou meus anéis nos dedos e depois roubou meu corset. Ele se aproximou para sussurrar algo em meu ouvido que eu não conseguia me lembrar e fechou a pulseira-bomba em meu pulso.

Antes de ir embora, me deu um papel e uma flor dentro da resina em forma de esfera, me intimou a entregar aquilo para Ravena. Foi então que eu vi as letras na porta dos quartos de baixo.

— Por que a porta do meu quarto possui a letra B? — Murmurei me virando para olhar Aiden. Seu rosto estava mais claro do que antes, haviam olheiras debaixo de seus olhos azuis quase cobertos pelos cabelos pretos desalinhados. — Eu me lembro de ver as portas dos quartos como números, mas apenas o meu possui uma letra. Por que? 

Aiden juntou as sobrancelhas confuso, fez menção de levantar a mão e a colocar em minha testa novamente. A irritação me fez segurar seus dedos e baixá-los, me perguntando como ele iria sentir minha febre estando com os dedos cobertos por tecido.

— Não estou com febre! — Reclamei. — Me responda! 

— Mas Amélia, não existem letras nas portas. Todos os quartos são numerados, inclusive o que está em sua porta são dois números zeros por ser o primeiro. — Ele jogou as mechas dos cabelos que caíam sobre seu rosto para trás. 

Joguei a coberta para trás e levantei da cama, sentindo o chão gelado enquanto passava por Aiden e abria a porta, para constar com incredulidade que haviam dois zeros fora dela. Os números de ferro ainda estavam com um pouco de poeira e oxidação nos lados.

Fechei a porta do quarto coçando os olhos e suspirando, observando Aiden recostado na cadeira da penteadeira me olhando de soslaio. 

— Okay, deixa eu ver… — Cocei a cabeça voltando para frente de Aiden, ao lado do pé da cama. — Eris estava aqui ontem, ele veio invadir o jantar e irritar Pietro ou foi coisa da minha cabeça?

— Sim, ele veio até aqui. — Falou. 

— Okay, e para onde ele foi depois disso? — Passei as mãos no rosto começando a suar. 

Não era possível que eu estivesse louca, simplesmente não era, mas Aiden estava me olhando como se eu fosse uma mulher amarrada na camisa de força trancada na solitária. Havia um vinco entre suas sobrancelhas, seus lábios estavam crispados e descansava a cabeça nas mãos sobre o braço da cadeira.

Aquele olhar me irritava.

— Eu… eu não sei, Amélia. Eu não estava aqui quando ele foi embora. — Piscou. — Você está chateada por eu ter lhe dito que ele não voltaria para o Brasil, não é? Pietro se certificou de que ele fosse embora para a Inglaterra desta vez.

— Não, não é isso que eu estou pensando agora. — Reclamei andando de um lado para o outro no quarto. 

Em um impulso, quase abri a boca para perguntar sobre a mãe de Aiden, mas me lembrei bem sobre a situação estranha em que mãe e filho se encontravam naquele momento. Eu deveria dar um jeito de entrar em contato com Ravena depois sem que ninguém soubesse.

— Então o que foi? — Perguntou ele piscando os olhos baixos por estar claramente com sono. 

Me virei para abrir o closet e entrar no local, me lembrando de que Eris havia roubado um corset de mim e bagunçado tudo.

Fechei as mãos e as apertei nas laterais da cabeça quando vi todas aquelas roupas perfeitamente arrumadas e mais de trinta corsets arrumados organizados dentro daquele lugar como se ninguém nunca tivesse mexido ali.

 Limpei o rosto com as palmas, olhando depois para meu pulso limpo, sem sinal algum daquela maldita pulseira preta e vermelha.

Eu estava ofegante, minha respiração aos poucos estava começando a ficar pesada e difícil quando comecei a tossir.

Me virei para trás para pegar a bombinha dentro da bolsa sobre a cômoda e inalar três vezes sob o olhar vigilante e fantasmagórico de Aiden sem saber o que fazer, já de pé ao meu lado.

Algumas vezes eu tinha a impressão que havia um pouco de raiva brilhando em seus olhos quando eles estavam atentos sobre mim, mas logo essa sensação sumia tão rápido quanto havia começado, voltando a se tornar gentil como sempre, e então não passava apenas de uma paranóia esquisita.

— Se… se os empregados me viram passeando nos corredores — Comecei. — As pessoas que estavam aqui antes no jantar, também me viram? 

— Não. — Ele respondeu sorrindo, tirando despreocupadamente uma mecha castanha de meu cabelo da face. — Eles não dormiram aqui, Amélia. Acredito que tenham ido para um hotel e provavelmente ainda estão lá, daqui a pouco virão. 

— Que horas são? 

— Cinco da manhã. — Falou. 

— Uau… — Murmurei desanimada. — Você não parece ter dormido. Vá dormir.

Ele deu uma risada nasal, coçando a cabeça e espalhando o perfume de cerejas.

— Eu estou acostumado a ficar sem dormir. Mesmo que eu deite agora, não vou fechar os olhos. — Suspirou. — Você se sente melhor mesmo? 

— Sim, eu estou bem. — Respondi um pouco seca, mas acho que Aiden não percebeu. — Eu só estou um pouco confusa… preciso comer 'pra me desestressar.

O rosto de Aiden pareceu se iluminar.

— Você quer tomar café da manhã? — Perguntou. 



Eu já havia me vestido, finalmente com roupas decentes que não me apertavam ou me deixavam desconfortável. Amarrei meu cabelo em um rabo de cavalo e saí do quarto usando um par de sapatilhas que eu havia achado bem escondidas nos fundos do closet.

Saindo do quarto e ajustando os casacos sobre meu corpo, andei um pouco pelo corredor com minha bombinha na mão, imaginando que aquele estresse havia desencadeado uma crise de asma. Eu deveria ficar mais atenta à minha respiração e ir ao hospital quando pudesse.

Olhei para a porta do meu quarto, os dois zeros que pareciam estar ali há muito tempo me incomodavam, porque eles jogavam em meu rosto que tudo havia sido mesmo um pesadelo idiota.

Porém havia ainda os quadros. 

Aqueles quadros estavam na parede, assim como eu havia visto ontem.

— Você notou como meus olhos estão verdes e não azuis nesta pintura? Absurdo. — Uma voz sussurrante me assustou, e lá estava Pietro vestido de preto e vermelho da cabeça aos pés, um sobretudo de couro cobrindo sua figura alta como se ele fosse uma figura mítica e misteriosa. — Seu rosto está muito perto das pinturas.

— É que eu tenho miopia. Aiden roubou meus óculos e esqueci de perguntar onde eles estão. — Falei baixo, recebendo seu olhar de desdém e logo após sua mão estendida com as lentes redondas sobre seus dedos enluvados de vermelho. 

— Aiden tem a cabeça estragada. — Sussurrou colocando as lentes em meus dedos. — Ele também não sabia onde havia colocado, estava prestes a perguntar qual grau possui e mandar que fizessem outras iguais sem que você soubesse.

Seu olhar frio me deixou desconfortável, até que desviei para ver as pinturas novamente, dessa vez colocando as lentes no rosto.

— O que significa este pingente em forma de olho? — Perguntei, me lembrando que em meu suposto… sonho, Eris havia dito algo sobre um olho. — Ele não me é estranho, me lembro de vê-lo em algum lugar, mas não sei onde.

Me virei para ver o irmão de Aiden novamente, percebendo que ele nunca havia parado de me olhar. 

— É a herança de nossa família, de nosso nome. — Falou. — Diavol significa vermelho em romeno. Cada representante e chefe da família senta-se nessa poltrona e recebe uma pintura junto ao seu Verdugo.

Verdugo? — Perguntei. 

Assistente. Aiden me auxilia nas tarefas que eu não posso cumprir. — Falou.

— Oh, sim. — Respondi quando Pietro olhou o relógio em seu pulso. 

— Está em minha hora. O café já está posto na mesa, vá até lá. — Pietro sorriu minimamente antes de me dar as costas e sumir pelo corredor.




No salão com a mesa oval, onde havia tanta comida variada que eu me recusei acreditar que alguém comeria tudo aquilo, já estava Madinson sentada em sua cadeira como uma madame, comendo algo parecido com um iogurte de morango.

Meu prato estava arrumado em frente ao dela, e me sentei vagarosamente observando aquela mulher enquanto Aiden não chegava.

Comecei a encarar aquela mulher insuportável.

— Sinceramente, você está me deixando com medo. — Falou largando a colher em seu rosto com raiva. — Da última vez em que alguém me olhou assim, eu quase fui assaltada. 

Semicerrei ainda mais os olhos, e assim permanecemos por mais alguns minutos até que desci o olhar para seus braços cobertos por uma longa manga de casaco de lã.

— Me mostre. — Falei. 

— O que? Você quer minha carteira?

— Seu braço, sua maldita. — Sussurrei, observando Madinson levantar as sobrancelhas. — Você tem as marcas

Madinson mordeu os lábios e pareceu quase se engasgar com o iogurte.

Bingo.

— Você quer ver minhas marcas de nascença? — Ela perguntou desacreditada. — Tenho algumas em lugares bem constrangedores, não vou mostrar para você.

— Não estou falando disso. — Olhei para os lados quando os empregados saíram da sala e aproveitei o silêncio. — Você está se fazendo de sonsa! Eu quero saber das marcas em seus braços, aquelas que Eris fica mostrando, você sempre usa alguma coisa cobrindo seu pulso, será que não tem algo a esconder?

Madinson piscou e depois suspirou, descansando os cotovelos sobre a mesa e o queixo sobre os dedos, me olhando com um pouco de pena.

— Ah, mas você está perguntando para a pessoa errada. Deveria perguntar isso para meu pai. — Sorriu. —  Eu já tentei te ajudar uma vez naquele banheiro, disse que deveria tentar a sorte perguntar sobre a outra pobretona escandalosa que morreu, mas você me ignorou completamente e ainda está aqui me enchendo a paciência. 

Formei uma ruga entre as sobrancelhas.

— Seu pai não me responderia, depois me perguntaria quem me contou e então eu diria que foi você. O que Aiden poderia fazer com você então? — Madinson me olhou com raiva. — Nessa idade você... tem medo de seu pai? 

Ela discretamente colocou os dedos sobre o peito onde seu coração batia.

— Não estou nem aí para meu pai. Ele é o cavalo de Pietro, tem tanta significância quanto o grão de poeira que está sendo limpo agora pelos empregados. Não é dele que eu tenho medo, sua idiota. — Ela suspirou. 

— Então me conte. — Pedi. — Do que você tem tanto medo 'pra falar em códigos comigo assim como Eris faz?

— Eris? Aquele maluco não tem medo de nada. — Sussurrou. — É por isso que ele está fazendo isso tudo desde o início.

— E você não pode ser mais clara?

Madinson revirou os olhos completamente desconfortável, se mexendo na cadeira ao levantar com pressa e me olhar com desprezo. 

— Garota burra. — Murmurou ao sair batendo a sola dos sapatos contra o chão, me deixando sozinha por longos minutos.

Suspirei tentando encaixar algumas peças.

Madinson disse que havia outra mulher depois da mãe dela, alguém importante que Aiden teve algum tipo de relacionamento romântico, mas que ela morreu logo depois e ele proibiu que falassem sobre ela porque provavelmente era bem doloroso.

Em meu suposto sonho, Ravena me chamou de Lírio Branco e me perguntou sobre duas crianças que haviam sido levadas embora com a mãe pela morte.

A mulher que Aiden gostava poderia ter morrido grávida ou era minha mente pregando peças e me fazendo realmente sonhar com aquilo depois de escutar sobre?

Alguma coisa ali tinha a ver comigo, visto pelos comentários de Eris e das outras pessoas na noite anterior, mas o que?

Bem, mesmo assim estava tudo pior e mais confuso do que antes, ainda mais com o fato de que Madinson parecia muito mais arredia perto de mim, não haveria como arrancar nada dela.

Massageei o couro cabeludo e nem percebi quando Aiden entrou no salão e se sentou na ponta da mesa ao meu lado.

Para evitar que ele falasse de minha saúde novamente, comecei a comer um pequeno pão de frutas cristalizadas.

Ele sorriu gentilmente ao olhar para mim, seus cabelos pretos alinhados para trás e parecia estar mais apresentável, porém tinha problemas ao pegar os objetos com sua mão direita que parecia machucada debaixo da luva.

— Seu irmão me devolveu os óculos. — Falei. — Nunca mais vou me separar deles, e agora que eu descobri sobre sua cabeça e memória de peixe, deixar minhas lentes com você vai ser a última coisa que eu vou fazer.

Aiden riu um pouco envergonhado enquanto me olhava.

— Sinto muito por isso. Pietro não me deixou esconder esta vergonha, não foi?

— Não, ele é muito direto. — Suspirei enfiando um pedaço de pão na boca. — É também um pouco assustador. Aquela pintura nos quadros do corredor com o rosto dele fazem jus à aparência do seu irmão, inclusive que ótimo artista trabalha 'pra vocês.

— Você viu os quadros? — Perguntou.

— Vi sim. — Falei. 

Aiden virou o rosto para me olhar, permanecendo assim por bastante tempo.

— Viu o quadro de meus pais? — Balancei a cabeça um pouco sem saber o que responder.

— Você se parece muito com seu pai. — Murmurei sem pensar.

— Eu sei. Me pareço bastante com meu falecido pai, posso até dizer que somos idênticos, apesar de não gostar muito da comparação.

— Ah, me perdoe. — Falei sem graça mordendo os lábios. — Você não tinha uma boa relação com ele? 

Fiquei calada enquanto ele virava uma torrada e a cobria com requeijão.

— Não, nenhum de nós tinha uma boa relação com ele. Minha mãe especialmente. Ela o odiava, e com razão, ele não era uma boa pessoa. — Suspirou. — Além de que minha família tem uma mania chata de forçar casamentos entre pessoas da mesma linha de sangue, porém isso foi cortado em algumas exceções, como por exemplo quando casei com a mãe de Madinson, felizmente ela não era minha parente.

Eu estava boquiaberta observando Aiden despejando tudo aquilo sem aviso, havia esquecido até de meu pão de frutas derretendo o açúcar em meus dedos e deixando minha pele grudenta.

— Seus pais eram parentes? — Sussurrei com as sobrancelhas levantadas.

— Eram irmãos de mães diferentes. — Meu estômago revirou e tentei evitar a expressão de desconforto ao imaginar. — Por isso ela o detestava, e também porque ela já planejava casar com outra pessoa. Ravena havia conhecido um homem indiano no meio do ciclo de amigos da família, e desse homem, mais tarde ela engravidou de Eris. Mas bem... Não o consideramos da família.

Fiquei calada absorvendo aquilo por alguns segundos antes de abrir a boca novamente.

— O que aconteceu com o pai dele? Sua mãe não podia se divorciar e ficar com quem ela queria? 

— Ele sumiu, ninguém sabe para onde foi. Quanto a meu pai, ele ficou possesso pela traição, mas esperou que Eris nascesse e também o criou junto com Circe que já era filha daquele homem e acabou indo para nossa casa. — Suspirou. — Enfim, depois que meu pai faleceu, Ravena começou a dar indícios de estar mentalmente instável. Assim como todos, ela me acha muito parecido com meu pai, por vezes me confunde com ele. 

— Então é por isso que ela não reconhece você como filho? — Perguntei. — Por isso que ela... acredita que possui apenas Pietro, Circe e Eris? 

Aiden permaneceu calado por alguns minutos. Percebi que desde que sentou na mesa, havia passado requeijão em sete torradas ao todo, mas não havia comido nenhuma, nem mesmo tocado na comida com os próprios lábios.

— Eu estou tentando dizer a você o motivo pelo qual não gosto de ter contato com Ravena. — Falou pegando outra torrada. — Não estou justificando meu comportamento de ontem com você, inclusive peço perdão e entenderei se estiver com raiva de mim. 

Permaneci olhando Aiden deslizando a faca na torrada com certa força, até que o pedaço crocante quebrou em sua mão. Ele apenas jogou os pedaços no prato, espanou a luva  com os dedos e suspirou se virando para me olhar.

A informação de que Aiden era filho-sobrinho de Ravena não entrava em minha cabeça, o fato de que os avós dele forçaram aquela mulher tão bonita a se casar com o próprio irmão e a ter dois filhos com ele.

Eu só consegui sentir pena de Ravena e achar tudo aquilo doentio.

— Pietro me disse que… Eris esteve importunando você no jantar. — Falou largando a faca sobre a mesa e suspirando enquanto emoldurava um sorriso no rosto. — O que ele estava forçando você a escutar? 

Levantei as sobrancelhas e mordi a língua.

Por que diabos eu estava com medo de falar? Pelo amor de Deus, Amélia! 

Na verdade não era medo, era bom senso. 

Se você trabalha para um cara e o rival desse cara fica conversando com você, você claramente vai perder o emprego, não é? 

— Ele só estava mencionando o quanto é bonito. — Revirei os olhos. — Ele tem uma boa autoestima. Queria ser assim.

Enfiei o pão na boca para evitar dizer mais alguma coisa, porém Aiden percebeu aquela tentativa idiota de me calar. Ele suspirou e umedeceu os lábios, se levantou da cadeira, aproximou-a de mim e depois se sentou, descansando o rosto sobre a mão com o cotovelo apoiado na mesa.

O rosto dele estava perto, mas Aiden estava sorrindo gentilmente ao tempo em que seus olhos semicerrados me devoravam com fogo, desfazendo minha pele e músculos com tanta intensidade que senti meus ossos formigarem.

Eu deveria me lembrar de não fazê-lo desconfiar de mim.

Suspirei quando um de seus dedos levantou meu queixo vagarosamente. 

— Amélia. — Sussurrou meu nome junto com um suspiro. — Está incomodada com algo que Eris disse, está se escondendo e se perguntando se deve me perguntar. Eris é louco, diz muitas bobagens, mas você sabe que pode me dizer o que quiser. Absolutamente tudo.

Seus dedos beliscaram minha bochecha com certa delicadeza, me prendendo em um transe surreal.

Eu super enxergava Aiden como aquela cobra do desenho do Mogli, que seduzia as pessoas e animais para depois comê-los.

Balancei a cabeça e pisquei os olhos, afastando suas mãos do meu rosto, lembrando dos braços de Eris completamente cheios de marcas azuis que pareciam tatuagens, mas que na verdade eram cortes com algum tipo de tinta brilhante. 

Me perguntei se questionar aquilo não seria inconveniente, mas eu estava curiosa demais e aquele maluco azul só falava em códigos. 

— Bem… Ele me falou sobre as marcas nos braços dele. — A expressão de Aiden mudou abruptamente. Ele parou de sorrir e formou uma ruga entre as sobrancelhas. — Eu perguntei o que significava. Ele me disse que os cortes… os cortes significavam almas. Não entendi direito.

Aiden se afastou um pouco e sorriu, soltando o ar que prendia pelo nariz.

— Oh, não acho que ele devia ter lhe contado isso assim de forma casual. — Falou. 

— E por que não? — Semicerrei os olhos. — O que elas significam de verdade?

Aiden inclinou a cabeça para mim, sua expressão estava diferente, um pouco assombrosa quando parte de seu cabelo preto deslizou e caiu sobre seus olhos.

— Porque são escarificações. — Permaneci bastante tempo observando Aiden porque eu não me lembrava da origem dessa palavra ou o que ela significava. — É um costume secular passado pelos ancestrais da família, são segrados.

— Ah, então é… religioso? — Perguntei fazendo Aiden dar uma risada nasal e timidamente acenar com a cabeça. — Eita, então eu não deveria ter perguntado. Fui desrespeitosa? 

— Oh, não, jamais. — Aiden se levantou da cadeira e suspirou um pouco aliviado, como se tivesse tirado um peso de suas costas. — Acho até que não tem nenhum problema em contar a você sobre essa história de minha família. Quero dizer, vamos viver a maior parte do tempo um na presença do outro, não é?

Ele pegou minha mão na sua enluvada e assim seguimos pelo corredor para fora do salão. 




●●●

Eita, pelo menos a Amélia já vai descobrir o que supostamente são as marcas nos braços das pessoas da família do Aiden e o motivo delas.

Fico feliz que estejam gostando da história, fico mesmo. Muito obrigada pelos votos e comentários, Amo vocês de todo meu coração!♥️

 

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