Eu permaneci sentada no sofá mesmo depois de Samantha ir embora, não fui capaz de me mexer. Minha cabeça voltou a doer e nem mesmo o comprimido que a dra. Greta receitou estava fazendo qualquer efeito, dessa vez eu sequer conseguia chorar.
– Eu sou uma idiota – falei baixinho.
– Não fala assim, filha – minha mãe tentou me acalmar.
– Tudo apontava para ele, mãe. Eu não desconfiei em nenhum momento, mesmo que tudo apontasse diretamente para ele!
– Cami, você não tinha como saber – dessa vez foi meu pai.
– O horário, ele sabia que eu sairia da faculdade sozinha, a plantação de girassóis, ele sempre me deu girassóis e mesmo enquanto eu corria no meio das flores não desconfiei que pudesse ser ele. Eu sou burra – falei quase gritando. – E tem mais, no dia do resgate me lembro que os bandidos comentaram "é ele quem vai entregar o dinheiro" ou algo do tipo. Ele quem? Era o Bernardo o tempo todo e eu ignorei todas as evidências. E o local do encontro em frente ao sítio do pai dele...
– Filha... – minha mãe tentou começar, mas apenas me abraçou.
– Eu sou muito ingênua, mãe. Não imaginei que ele pudesse... que ele teria motivos ou coragem para... – minhas palavras se perdiam nos pensamentos turbulentos.
– Não tem que se culpar por isso, não tinha como você saber.
– Eu acreditei que o Bernardo me amava, mãe. Eu mesma já amava ele.
– Eu sei, Cami. Isso é terrível, mas a Polícia vai cuidar de tudo daqui para frente. Eu sinto muito.
Os repórteres continuavam se aglomerando no nosso portão, liguei a TV para ver o que diziam, uma mulher loira posicionada bem em frente a nossa garagem falava ao vivo para uma outra emissora, abaixo dela no canto da tela uma foto minha com Bernardo que estava nas nossas redes sociais e a manchete "jornalista é acusado do sequestro da namorada". Aumentei o volume para escutar o que ela dizia:
– ...o repórter Bernardo Costolli foi preso esta manhã após ter sido acusado de planejar o sequestro de sua própria namorada Camilla Borges. Um dos sequestradores foi preso esta madrugada e em depoimento citou Bernardo como o responsável por encomendar o crime. A nossa equipe ainda não conseguiu contato com o acusado. Já Camilla e sua família permanecem em sua residência tendo recebido apenas a visita da polícia...
Desliguei a TV.
– Eu vou para o meu quarto – falei já me levantando.
Deitei em minha cama e ouvi meu celular vibrar, relutante desbloqueei a tela e vi que era o grupo com meus amigos, haviam diversas mensagens então apenas passei o olho em algumas mais importantes:
Natália: Cami, como você está? Eu e a Sof vimos o noticiário.
Sofia: Se você quiser companhia podemos ir até sua casa.
Jonas: Eu estou pensando como passar pela imprensa.
Eu: Oi gente, seria muito bom ter vocês aqui. Será que conseguem passar pelos repórteres sem serem devorados?
Sof: A gente dá um jeito
Nat: 15min chegamos aí.
Eu: Jura? Obrigada, meninas.
Jonas: Assim que chegarem eu vou também.
Nat: Ok, a gente te avisa.
Passaram-se um pouco mais de 15min e ouvi o portão de casa se abrir, olhei pela janela e vi o carro da Sofia entrando na garagem cercado de repórteres. Alguns seguranças que meu pai chamou da emissora se encarregaram de mantê-los do lado de fora enquanto o portão se fechava. Foi somente o tempo de entrarem pela cozinha e subirem as escadas para vê-los na porta do meu quarto.
– Jonas, nem te vi entrar – falei.
– Eu estava no carro com as meninas, – contou rindo e se sentando na cama – esperei elas na esquina e peguei uma carona, seria impossível passar de outra maneira por aquele monte de gente.
– Tem razão – concordei esboçando um sorriso.
– E aí, como você está? – Sof perguntou sentando na cadeira da escrivaninha enquanto Nat se sentava entre mim e Jonas na cama.
– Eu nem sei dizer – respondi sincera. – Acho que ainda não caiu a minha ficha.
– Não é para menos, amiga – Nat falou. – Parece impossível ter sido o Bernardo quando ele parecia tão preocupado.
– Isso é verdade – Jonas concordou. – Todas as vezes que eu estive aqui para ver teus pais ele parecia tão abatido, nem dormia, as vezes cochilava no sofá e acordava assustado perguntando se tinha notícias suas... é difícil acreditar que era fingimento.
– Eu nem sei o que pensar. Sabe que ele foi o primeiro a informar que você tinha sumido? – Sof contou – Naquela noite, assim que me despedi de vocês o Heitor me mandou mensagem perguntando se poderia ir lá em casa, o bar tinha acabado de fechar, eu busquei ele e fomos embora. Estávamos terminando de assistir um filme o Bernardo me ligou e eu achei super estranho.
"Quando eu atendi a voz do outro lado parecia bem preocupada, perguntou se eu estava com você, eu estranhei ainda mais porque sabia que você estava indo para a casa dele. Foi aí que ele contou que você não havia chego e que não estava atendendo o celular, até sugeri que você tivesse passado em casa para deixar suas coisas e ele disse que já havia ligado para os teus pais e segundo eles não tinha sinal de que tivesse vindo aqui.
"Ele disse que ligaria para a Nat e me fez garantir que avisaria ele se soubesse algo. Eu e o Heitor já começamos a ficar preocupados, ele mandou mensagem paro Jonas enquanto eu resolvi perguntar para a caloura que desfilou para você se ela sabia de algo. Ela disse que saiu do auditório bem depois de nós e que teu carro ainda estava na faculdade. Na mesma hora mandei mensagem avisando o Bernardo e a Nat sobre isso"
– Eu já estava dormindo, demorei para atender porque achei que era o chato do Yago, mas vi que era um número que eu não tinha salvo – Nat falou – Bernardo já estava perguntando se você estava comigo porque mesmo com transito você já deveria ter chego na casa dele há pelo menos 2 horas, ele estava desesperado no telefone.
"Eu tentei acalmar ele, mas quando me disse que já tinha ligado para todo mundo e ninguém sabia de você eu também me desesperei. Tentei te ligar e lógico que você não atendeu, peguei meu carro e fui até a faculdade, foi a primeira coisa que passou pela minha cabeça. O estacionamento estava fechado, mas pedi para o guarda na guarita ver se teu carro ainda estava lá dentro conforme a mensagem da Sof.
"O guarda aceitou me acompanhar até onde você estacionou e teu carro realmente estava lá, eu liguei para a polícia na mesma hora. Eu estava tão nervosa e tremia tanto que parecia que eu teria um ataque cardíaco, não consegui explicar nada para a polícia. Foi o próprio segurança quem pegou meu celular e explicou que eu estava procurando uma aluna cujo carro ainda estava estacionado dentro da faculdade sem nenhum sinal de onde você poderia ter ido"
– Foram teus pais que me mandaram mensagem perguntando de você, eu disse que você ia para a casa do Bernardo e estranhei que você não tivesse avisado – Jonas começou a contar – Eles disseram que avisou, mas Bernardo estava te procurando também, logo em seguida o Heitor me fez a mesma pergunta. Eu tinha acabado de buscar a Débora no restaurante, viemos direto para cá. Teu pai estava no telefone com a polícia quando chegamos, o Bernardo desceu do carro praticamente chorando. Eu não sei Cami, mas a pessoa tem que atuar muito bem para fingir aquela cara aterrorizada que ele tinha. Logo a mensagem da Nat chegou e só deixou a gente ainda mais preocupados.
– Eu e o Heitor já estávamos a caminho daqui, a Nat aguardou a polícia e o teu pai lá na faculdade, tua mãe estava tão em choque que o Jonas não deixou ela sair. – Sof completou.
– Não tinha como! – Jonas explicou – A tia Sarah nem piscava. Por pouco não liguei para a dra. Greta vir aqui atender ela. A Déb fez um chá para todo mundo se acalmar enquanto aguardávamos notícias.
– Quando teu pai chegou na guarita eu já estava mais calma e estava explicando para a polícia o horário que saímos, onde você deveria ir e que horas deveria ter chego – Nat continuou – teu pai disse que o Bernardo já estava na tua casa e nós levamos a polícia até o teu carro. A Samantha que acompanhou nós dois enquanto outro policial ficou na guarita tentando conseguir acesso às câmeras de segurança. Foi nesse momento que encontramos teu celular, ele estava todo trincado e a suspeita é que eles quebraram o celular antes de sair.
– Na verdade ele caiu da minha mão quando me golpearam na cabeça, eu vi a tela trincada antes de desmaiar – contei.
– Não, miga. Estava muito destruído, não era só a tela. – Nat explicou – A câmera mostra um homem encapuzado pisando no celular várias vezes enquanto o outro puxava você para dentro de um carro preto. Eu vi.
– Sabe, agora que o Jonas comentou, eu também achei muito genuína a preocupação do Bernardo – disse Sofia pensativa – o Heitor até comentou que estava com dó dele. Não consigo enxergar como uma mentira.
– E todos aqueles dias sem sair daqui – Jonas repetiu – ele parecia um zumbi. Não comia, não dormia. Nós conversamos bastante em todas as vezes que eu vim aqui, você precisava ver como ele estava preocupado. O Bernardo nem pensou quando disseram que ele deveria entregar o resgate, ele só queria te ver logo. Será que era atuação?
– Mas era – falei botando fim ao assunto. – Era tudo fingimento, afinal ele sabia bem onde eu estava porque ele mesmo me mandou para lá, além disso os bandidos combinaram que ele levaria o dinheiro para garantir que não daria nada errado. Foi tudo muito bem planejado e executado.
– Desculpa, Cami – Nat colocou a mão sobre minha perna – estamos aqui falando quando na verdade o que importa é o que você tá sentindo.
– Não, tudo bem. Eu estava mesmo pensando em como foi quando vocês souberam, quem avisou vocês e tudo mais...
– Foi um inferno, nunca mais quero passar por isso – Jonas falou.
– Acho que nenhum de nós – dei um meio sorriso.
– Vamos ouvir uma música para mudar esse clima, vai! – Sof sugeriu já iniciando a playlist que estava no meu computador.
– Eu adoro essa música – Natália cantarolou se jogando para trás no colchão.
Era Somewhere Only We Know – Keane.
– Por favor, essa música não – pedi. – É meio que a minha música com o Bernardo...
– Vocês tinham uma música? – Sof e Nat falaram quase ao mesmo tempo.
– Não exatamente, é que tocou no nosso primeiro encontro então me faz lembrar da gente – disse com a cabeça baixa. – Na verdade, essa playlist foi montada por ele para essa noite, tudo aí me faz pensar nele. Tudo em qualquer lugar me faz pensar nele – suspirei alto.
Sofia desligou o som e apenas ficamos em silêncio por um tempo, uma lágrima indesejada escorreu pelo meu olho. Os três notaram eu enxugando rapidamente e não deixaram passar, me abraçaram e nesse momento não consegui mais segurar, desabei em choro sendo amparada pelos meus amigos.