A Lenda de Umalá: O Guará Neg...

By _lvinc1

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Dizem as lendas que há muito tempo vivia sobre a Terra, criaturas magníficas, os Espíritos Bestiais, que ao l... More

Parte I
Parte II

Parte III - Final

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O tempo passou, as pessoas continuaram a visitar o santuário, mas apenas um altar vazio os recebia e muitos começaram a se questionar sobre a proteção. "Será que o guardião realmente nos abandonou?" "Ainda há um guardião?" "Ele realmente existiu?". A data e o evento catastrófico anunciados por Igor não acontecera e a vila inteira relaxou, passando a ter cada vez menos seguidores do espírito do Guará Negro a cada ano.

O período de estiagem nos anos que se seguiram após a profecia estava mais severo que o normal, chegando ao seu quinto ano seguido e castigando toda a região. Pela primeira vez, a área dita encantada, no cume do monte, estava secando e a fonte estava quase vazia.

Muitas áreas de pastagens haviam desaparecido, deixando apenas rastros de folhas secas voando entre as pedras reluzentes e a terra quase sem vida.

Os poucos reservatórios de água que ainda jaziam se encontravam em seus últimos suspiros, com grandes rachões e pequenas poças de lama onde apenas os peixes e outros animais aquáticos mais resistentes lutavam por suas vidas. Restava unicamente um pequeno lago não muito distante da vila, um oásis para humanos, animais domésticos – galinhas, patos, bovinos, suínos, ovinos e caprinos – e animais selvagens em um momento de trégua.

Havia pouca comida nas matas do Monte Fonseca também, obrigando aos que ainda resistiam a se aproximarem cada vez mais da vila em busca de alimento.

Mas o pior ainda estava por vir e abalar toda a fé dos habitantes daquele local e de diversas outras vilas de onde se podia avistar o monte. Naquele dia, um dos maiores incêndios que já atingiu a região fora visto por pessoas a dezenas de quilômetros dali.

Era por volta de meio-dia quando a queima da vegetação de um dos campos de lavoura perdeu o controle e começou a se espalhar pela vegetação seca nas redondezas. Um dos moradores próximos logo chegou à residência de Igor para chamar seu avô, que o seguiu de prontidão. Eles precisariam de toda a ajuda possível.

Correndo para o quintal, seus olhos arregalados eram o espelho de um grande desastre, imensas labaredas já devastavam boa parte do monte e continuavam a subir em direção ao Santuário.

- Vovó, eu também vou, o guardião... – o garoto fora interrompido.

- Não, meu filho, é muito perigoso e você é uma criança ainda. Já perdemos seus pais em um ataque do povo do Leste, não posso arriscar perder você. – A senhora o abraçou forte enquanto os cães da família latiam freneticamente, sobretudo o Barão.

Um grupo de pessoas logo fora mobilizado na tentativa de conter o incêndio. Entretanto, fogo, vegetação seca e vento era um casamento mais que perfeito, nada podia conter aquele desastre, que seguia devastando tudo pela frente no Fonseca.

Ao final da tarde, das residências mais próximas do monte se podia ouvir o grunhir de animais em agonia na floresta em chamas, cachorros agitados, latindo e uivando sem parar, galinhas em cacarejo de pavor, porcos e gados continuavam eufóricos em seus chiqueiros e currais, quase saltando sobre as cercas, e as pessoas, entristecidas.

As árvores próximas aos açudes rachados estavam cobertas por numerosas espécies de aves, macacos e saguis em um coral tenebroso como a pedir socorro. Grande parte do Monte já havia sido queimada naquele momento, muito da fauna e flora havia sumido em meio às cinzas e o que restava às pessoas era apenas se agarrar a sua fé no guardião e demais espíritos que protegiam o Santuário, orando diante de velas para que aquele fogo acabasse e não destruísse o restinho da história de seu povo.

No fundo do quintal, protegido por cercas de madeira, o menino observava um casal de jaguatiricas correndo com seus dois filhotes na boca. Mesmo com as patas fortemente queimadas, eles seguiam tentando ir para o mais longe possível. Sobre sua cabeça, um enorme bando de pássaros voava em círculo, até que ele ouviu novamente um "nos ajude!".

Correndo o mais rápido que podia para fora dali, ao virar-se, ele avistou as chamas tocarem a zona encantada. Fortes dores de cabeça o atingiram, fazendo-o titubear. Apoiando-se no que podia, Igor continuou seu percurso na direção da faixa de selva, mas um novo estrondo chamou sua atenção novamente, a queda da lendária árvore, fazendo-o tremer.

Aquela que esteve ali durante séculos, sendo o abrigo de muitos animais e portal de entrada do Santuário, havia sucumbido perante a força das chamas e ele não podia fazer nada. Uma forte dor atingiu suas pernas e braços desta vez, impedindo-o de se locomover, até que todo o seu corpo fora tomado pela torturante sensação e o fazendo desmaiar em seguida.

O Barão, livre das correntes naquele momento para que fugisse caso o fogo se aproximasse demais das casas, o viu e o puxou pela roupa alguns metros dali. Parte do fogo havia atravessado o riacho que estava seco e sem barreiras, aproximando-se das residências também.

O animal apenas deitou-se ao seu lado, grunhindo, como se quisesse seguir em frente, mas sem poder ir, enquanto o garoto continuava inconsciente.

Cercada por aquelas imensas labaredas, estava lá, a zona encantada, um ponto de vegetação verde, que nunca secava e que era sempre frio por mais quente que fosse o dia.

Já era noite e as chamas iluminavam todo o monte. Embora Igor tivesse se desconectado do mundo físico, em seus sonhos, ele estava agora próximo ao Santuário, onde avistou o grande Guará Negro deitado, com as pernas presas embaixo de parte dos galhos da árvore centenária e com um corte sobre a testa, por onde descia um fio de sangue.

Ele logo correu para ajudá-lo, mas fora mordido no ombro. A dor, embora intensa, não o impediu de ajudar o guardião. Colocado sobre as costas, o garoto o carregou de maneira desajeitada até a fonte sobre o altar. O local ainda estava intacto, mas não duraria tanto tempo sem o seu protetor.

O fogo estava a cada instante mais próximo dali e muitas vozes naquele momento imploravam por ajuda. A imagem dos pequenos saguis carregando punhados de terra sobre as mãos, três grandes onças pardas e tatus escavando para tentar impedir as chamas o tocou. Ele precisava fazer algo também.

Uma águia então desceu até o solo, pousando próximo deles. Ela o guiou no instante seguinte, sugerindo que o guardião fosse colocado na fonte. A água o curaria. E assim o garoto o fez. O animal, observando os esforços do pequeno humano, lambeu o local da mordida de outrora, como se estivesse pedindo desculpas.

Igor, com as mãos sobre a água, notou um brilho subir por seus braços e logo entendeu do que se tratava, finalmente compreendera as conexões, os sonhos e as vozes, ele era, de fato, o novo Umalá que seu povo tanto aguardou e, como seu dever, precisava proteger aquele lugar com sua vida, caso fosse necessário.

Para que a junção de seu espírito com o do Guardião fosse concluída, ele precisaria se entregar à fonte sem levar nenhuma criação humana, apenas seu corpo espiritual, sem vestimentas e sem adereços. Contudo, antes que retirasse toda a roupa e deitasse dentro da fonte ao lado do guardião, seu avô surgiu, puxando-o para fora.

- Vovô? – Indagou surpreso.

- Então você finalmente descobriu?

- Sim... agora eu preciso... – ao dar um passo para água novamente, seu avô o impediu.

- Você não vai fazer isso... não agora, esse é o meu dever... eu falhei em muitos pontos como Umalá, escondi isso de todos e falhei com quem mais confiou em mim – disse olhando para o espírito bestial sobre a água. – Mas sinto que tudo mudará quando você assumir meu lugar... – Ele agachou-se e encarou o menino. – Eu esperei tanto por esse dia, o que alguém viria para me substituir... você cresceu muito, seus pais teriam orgulho de você, o novo Umalá... quem diria... – Sorriu. As chamas derrubaram uma árvore em seguida, caindo próximo deles e fazendo os animais correrem. – Agora preciso ir. Cuide de nosso povo e de sua avó.

- Vovô? – Com os olhos trêmulos, ele se afastou e observou tudo.

O senhor entrou na fonte e deitou-se ao lado de seu espírito guardião. Uma intensa luz azul os envolveu por completo, levitando-os lentamente até que seus corpos ficaram de pé. Seus olhos cintilavam um dourado vivo. O animal então começou a caminhar em volta do homem, misturando às cinzas e à própria água, que envolveu todo o corpo daquele humano, formando uma espécie de manto sobre suas costas, braços e estendendo-se para parte de sua face, como uma máscara bestial. O Umalá havia unido forças com seu guardião e, após muitas décadas, finalmente retomado a força divina que deveria ter.

Ao erguer suas mãos para o céu, ondas de energia emanaram a partir de seu corpo. Uma forte luz fora vista no cume do monte naquele instante. As nuvens então começaram a se juntar sobre o Fonseca. A chuva logo começou a cair, apagando o incêndio e salvando o povo e animais daquela região.

- Seja um guardião melhor do que eu fui, meu neto! – Ele então acordou. O Barão já não estava mais de seu lado, ele permanecia uivando em direção à luz, lá de fora, enquanto Igor estava em seu quarto e sua avó sentada próxima a ele.

- Obrigada, grande guardião, muito obrigada... – Dizia a senhora em prantos, abraçando o garoto com força. – Ele não voltou do incêndio, meu filho... seu avô não voltou...

Aquela noite ficou gravada na mente de todos, em partes pelo incêndio destrutivo que sumiu rapidamente e, em outras, pois foi a última vez que ouviram a voz do avô do garoto. Ele havia entrado nas chamas e nunca mais fora visto. Dias depois, o Barão faleceu deitado sobre o bornó que seu dono sempre carregava nas noites de caça. Todos acreditavam que o homem morreu carbonizado, mas o garoto sabia o que tinha acontecido de verdade.

***

Alguns anos depois.

Uma nova peregrinação fora feita ao santuário. Muitas pessoas foram desta vez. Ao chegarem próximos ao túnel de entrada, o garoto observou o imenso tronco queimado, sem vida própria, mas que agora era ninho de uma ave e de seus 2 filhotes. Ao lado dele, timidamente um pequeno broto da mesma espécie crescia. Ele então entendeu que, apesar de todo o caos, a vida sempre encontrava um jeito de voltar e renascer, como o mito da fênix.

Igor pediu que os outros fossem na frente, ele seguiria o caminho em breve, mas precisava de um momento ali, sozinho. O jovem meditou por alguns instantes até que se sentiu preparado novamente, seguindo o caminho. Ao chegar ao santuário, ele avistou uma estranha mulher de cabelos longos e pretos. Em seu ombro, uma águia repousava tranquilamente. Era a mesma de outrora. Ao seu lado e um pouco mais atrás, tocando as belas rosas que cresciam à margem da fonte, uma senhora de vestido florado também o esperava.

- Então você é o novo Umalá? Pensei que não o veria mais, meu velho amigo. – Disse a mulher sorridente. No instante seguinte, um pequeno guará negro aparecera atrás do garoto, lambendo sua perna e observando a mulher. Era seu recém adotado animal de estimação.

- Quem são vocês? – Indagou o jovem, curioso. Ao olhar em volta, apenas ele as notava ali.

- Mas que descuidada eu sou, prazer... – aproximou-se do ouvido do garoto e sussurrou suas palavras seguintes. – Sou a Umalá do Monte Satélite. E aquela gentil senhora é a Umauê do monte Mucunã... precisamos da sua ajuda. 

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