Paradoxo de Fermi

Af WalacyMachado

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Mesmo se nos fosse possível contar quantos minúsculos grãos de areia todas as praias da Terra possuem, ainda... Mere

Parte I - Capítulo 02 - MARE ACIDALIUM

Parte I - Capítulo 01 - HADRIACA PATERA

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Af WalacyMachado

Um céu amarelo empoeirado.

Uma estrada onde o asfalto negro reluzia graças à luz do pequeno sol pálido e fixo além da atmosfera rarefeita.

Um deserto vermelho e homogêneo em que a única coisa que se destacava nessa paisagem era a própria rodovia que se perdia no horizonte.

Um veículo terrestre solitário atravessava essa imensidão. Uma espécie de ônibus, adaptado para a gravidade e atmosfera do lugar, e nele algumas famílias a bordo, todas visivelmente cansadas, olhavam a extensa vista melancolicamente pela janela.

Após algumas horas de viagem o tédio prevalecia, uma vez que tudo que se podia contemplar se resumia a rochas vermelhas, terra vermelha e montanhas ainda mais vermelhas.

Uma senhora, aparentemente viajando sozinha, olhou para uma pequena garotinha de olhos e cabelos negros como a noite no banco ao lado. Tímida a garota tentou esconder seu rosto contra o busto da sua mãe que a carrega no colo.

A senhora em questão precisava conversar com alguém, do contrário ficaria louca naquele silêncio sepulcral. Puxou assunto com a mãe da garotinha.

— Olá. Qual o nome dessa garotinha linda? — Perguntou a senhora.

— Olá, essa menina assustada aqui? — Disse a mãe. — Ela se chama Éris.

— Que nome interessante minha pequena. — Respondeu a velha senhora.

— Diga oi para a senhora, — diante do silêncio da criança a mãe a enxotou a responder — seja educada Éris.

— Oi. — Respondeu sem vontade a pequena garota.

— Oi, tudo bem com você? Quantos aninhos têm? — Perguntou a velha mulher se inclinando para a criança.

A menina não respondeu.

— Ela está te fazendo uma pergunta Éris. — Brigou a mãe com a menina.

— Anos da Terra? — A pequena respondeu à pergunta com outra pergunta.

— Sim, anos terráqueos. Quantos aninhos? — Sorriu a idosa.

A garotinha usou os dedos das mãos para mostrar a idade para a mulher. Ela abriu toda a mão esquerda e na mão direita usou só o indicador em riste.

— Olha! Que linda! Seis aninhos. — A senhora bateu palmas. — Perdão, como é mesmo seu nome?

— Éris. — Relembrou a garota.

— Olha que lindo! — A curiosa mulher levou a mão ao queixo de forma reflexiva. — Exótico...

— Exótico? — Questionou a mãe.

— Sim. — Afirmou a senhora. — Não é comum hoje em dia as crianças ganharem nomes de planetoides. Porque escolheu Éris?

— É verdade, — a mãe deu de ombros — normalmente as crianças são batizadas com nomes de constelações, estrelas ou planetas. Planetoides e asteroides não andam na moda.

— E houve motivo para escolher este nome em especial para essa princesinha? — Pertinente insistiu a velha mulher.

— Na verdade não... — A mãe olhou para cima, como se buscasse uma resposta em suas memórias. — Eu quis fugir um pouco do padrão, dar um pouco de exclusividade para ela. Sabe? Exótico como a senhora disse.

— Sei sim. — A mulher concordou com a cabeça.

A criança tornou a se afundar no busto da mãe evitando contato visual com a senhora de idade.

— De onde vocês vieram? — A idosa insiste nas perguntas.

— Nós somos refugiadas da guerra entre as colônias de Ophyr e Chryse. — A mãe apontou para si mesma e para sua filha.

— Entendo. — A anciã mordeu o lábio inferior. — Fugiram das guerras do Oeste, não é? É um absurdo a terraformação do planeta inteiro falhando, escassez de viveres e ao invés das colônias aqui de Marte pensarem em ser unir, veja você, elas acabam se matando.

— Sim, fugimos. Nós estávamos em um processo de terraformação independente dentro do abrigo do nosso kibutz nas cavernas de Ophyr quando estourou os bombardeios de "lanças de deus" pelos cruzadores inimigos... — A mãe suspirou pesarosa. — Anos de terraformação perdidos... Que saudade da era de paz, antes de voltarmos às barbáries. Estávamos tão perto... Tão perto.

— Pois é, nem me fale, — a idosa também se lamentou — estou muito triste que continuamos perdendo a terraformação aqui de Hellas Planitia também, mas não é só aqui... O planeta todo está resfriando de novo.

— Sim, a terraformação daqui está perdida, é apenas questão de anos... — A mãe respirou fundo antes de voltar a falar. — O único jeito de remediar isso é a união de todas as colônias, o que convenhamos, é utópico.

Alguns segundos de silêncio. A desacompanhada senhora queria saber mais, mas se conteve. Esperou a mãe da criança dar corda para a conversa.

— Nós estamos fugindo para a redoma de Hadriaca Patera em Lockyer, capital de Hellas, imagino que a senhora também. Não? — Por educação a mãe retomou a conversa, desta vez como entrevistadora.

— É verdade... — a idosa acenou com a cabeça. — Eu também. Larguei tudo e estou indo para lá. Eu era colona agrícola sabe? O meu agrupamento nas cavernas de Olympus Mons em Tharsis havia transformado um belo pedaço de chão em solo praticamente idêntico ao terráqueo. Plantávamos bananas, imagine você!

— Nossa! — Se surpreendeu a mulher mais jovem.

— Pois é, mas isso é passado agora. — Disse a mulher mais velha, já conformada com sua sina.

— Que pena. — Tornou a suspirar a mãe. — E então a atmosfera e o solo ficaram inóspitos de novo...

—... E perdemos tudo! Por Fobos e Deimos, tudo! — A senhora se lamentou enfática.

— É realmente uma pena, mas não se preocupe porque dentro da cúpula de vidro nós teremos uma atmosfera artificial, um ambiente controlado. Será um ecossistema muito similar ao terráqueo original. — A mãe tenta animar sua colega de viagem. — Livre de radiação solar, meteoritos... Será a primeira experiência de colonização fora das cavernas ou do subterrâneo. Vai ser uma beleza!

— Ah! Tomará! — A senhora tornou a sorrir. — Não acredito mais em terraformação, sabe? Por acaso você viu a merda que fizeram em Ceres?

— Ouvi falar! Foi uma pena também, todo mundo sabia que com aquele frio e a dificuldade de receber luz solar o projeto ia dar em nada... olha, vou te falar... — A mãe resmungou. — Bom, pelo menos o planetoide é habitável agora.

— Pois sim! — A idosa franziu o cenho. — Apenas para mineradores mascarados, que beleza, não é? Não é possível colonizar, é um mundo estéril.

— Mas a meta não é colonizar, é fazer uma base ponte para as missões para Europa em Júpiter. — A mãe deu de ombros novamente.

— Outra aventura inútil! Bobagem! Quem vai viver lá? — Disse a senhora revoltada. — É o que eu sempre digo, igual ao planeta Terra não tem, e nunca haverá!

Mais alguns segundos de silêncio. A mãe imaginou que a curiosidade da mulher havia sido saciada.

— Mas sim, você não concluiu a história! — A idosa retomou o assunto. — Vocês fugiram logo no primeiro dia do bombardeio da guerra pela água?

— Sim, e hoje estamos aqui... vivas! — Sorriu a mãe.

— Grande Júpiter, que bom, não é? — A senhora também.

— Foi uma grande sorte. — A mãe beijou a cabeça da criança em seu colo, como se estivesse agradecendo.

— Imagino... — A mulher hesitou em perguntar. — Você teve outros filhos?

— Sim, outra menina, chama-se Sedna.

— E ela... desculpe-me perguntar... morreu? — Pisando em ovos a senhora fez a delicada pergunta.

— Não, eu quero acreditar que não... — a voz da mãe quase embargou — eu tenho fé que ela deva ter sido raptada para o exército de Ophyr. A gente acabou se separamos nos meios dos bombardeios e nós nos perdermos... Como ela era maior de idade... foi recrutada à força para as tropas de resistência. Minhas orações são para Deus me trazer ela de volta um dia.

O ônibus inteiro virou o pescoço para a conversa das duas após ouvir o nome "Deus" ser pronunciado.

— A inquisição da razão... — Corrigiu apressadamente a velha senhora — Cuidado com os nomes que pronuncia... você pode ser presa. Em Hellas é proibido ter uma religião.

— Desculpe-me, força do hábito. A minha mãe era religiosa antes da inquisição da razão. — A mãe se justificou.

— Tudo bem... — a idosa a tranquilizou — vamos torcer para que sua filha esteja viva, não perca a esperança! Mas olha para esta pequena, mas que riqueza! — A mulher mais velha tentou tocar na menina que se afastou mais. — O importante agora é cuidar dela, não é? Que bom que ela parece ter saúde.

— Sim, graças a Deus... — A guardiã da criança colocou a mão na boca assim que terminou a frase como sinal de autocensura.

— E quando a guerra terminar, eu tenho certeza que a família vai se reencontrar! — A mulher a enxotou a sorrir.

— Sim... — disse a mãe sem um pingo de verdadeira fé. — Nós vamos sim!

A velha senhora se arrependeu de ter tocado naquele assunto. A ferida da pobre mãe era muito recente, foi um erro ser tão curiosa e como resultado o clima ficou ainda mais pesado e fúnebre. Maldita língua. O jeito seria mudar de assunto antes que lágrimas rolassem pela filha desaparecida.

Mas ela desistiu de puxar mais conversa.

Um hiato de silêncio desconfortável.

A menina logo viu pela janela inúmeras máquinas que trabalhavam na construção da gigantesca redoma de vidro e ainda mais ao longe um cume que se destacava. Era o Hadriaca Patera. A redoma cobriria uma boa parte — algo em torno de 20% — da caldeira central da inativa montanha vulcânica que tinha por volta de um pouco mais de 60 quilômetros de diâmetro. Vista de longe, de onde elas estavam a estrutura mais parecia um estádio de futebol em obras.

Mas à medida que se aproximavam elas perceberam o gigantismo da construção. Quando elas cruzaram o primeiro portão do perímetro com o veículo puderam notar que milhares de hexágonos se encaixavam no teto, construindo todo o emaranhado da estrutura de vidro ultra resistente. Elas ainda teriam que acessar uma segunda redoma antes de entrarem.

— Olha só Éris, aqui vai ser seu novo lar, você gosta? — A mãe apontou para a gigantesca estrutura que se desenhava na paisagem. — Essa estrutura de vidro é inquebrável, nem uma chuva de meteoros poderá destruí-la, e aqui dentro será igual à Terra! Você nunca foi pra Terra, mas certeza que um dia você irá! Isso aqui será só uma palhinha do que está por vir, você vai ver. — Profetizou a mãe de Éris.

Por alguns segundos a pequena ficou pasma ao avistar o gigantesco monólito central, com o logo da poderosa Corporação, que sustentava toda a estrutura acima de suas cabeças, mas por alguns segundos um silêncio mórbido reinou absoluto e a pequena não ouvia nenhuma voz, nenhum ruído, sequer o barulho do motor do veículo.

A menina percebeu que a luz também minguava e um breu foi se formando junto a ela que foi ficando cada vez mais assustada. As pessoas em volta dela não pareciam mais ter vida, pareciam manequim inertes e sem alma.

Éris fez a besteira de encarar a face da velha senhora ao seu lado por alguns segundos e foi notando que o breu que estava a sua volta possuía um limite, um raio de ação tendo ela mesmo como epicentro e daquele limite para frente era só escuridão e deste negrume ouvia-se vozes, cochichos e pequenos gritos estridentes. A face da velha foi se tornando mais cadavérica e sobre o corpo da mesma a escuridão começou a caminhar, mas como se fossem larvas, vermes, aos milhares, percorrendo sua pele e a cobrindo dos pés à cabeça.

A velha abriu sua boca e gritou junto à face de Éris.

A pequena desmaiou pesadamente sobre o colo da mãe que sem entender nada procurava ajuda dos outros passageiros inutilmente. Todos ali pareciam convulsionar como se estivessem sendo consumidos por algo.

O veículo bateu em alguma coisa que o arremessou para longe.

— Será que a guerra chegou até Hellas também? — A mãe pensou.

O carro tombou violentamente e, de ponta cabeça, da janela lacrada a mãe de Éris viu algo bizarro: Uma esfera negra parada no meio do caminho entre o carro e a segunda redoma.

— Mas o que é isso? — Disse assustado o piloto do veículo.

— Seria uma arma? De quem? — Perguntou um dos poucos passageiros que ainda podiam falar.

A esfera então se dissolveu igual a areia carregada pelo vento. Entretanto não havia vento e essa nuvem de pequenas partículas negras voou em direção ao carro exatamente como um enxame de abelhas.

A mãe de Éris temeu muito e temeu mais ainda pela vida de sua filha.

Ela notou que o carro estava sendo consumido pela nuvem de areia negra. O veículo e os passageiros, tudo se desintegrou. Ela só teve tempo de dar uma última olhada para a filha em seu colo. A pobre mãe não teve chance de se despedir.

Uma patrulha vinda de dentro da segunda camada correu para averiguar o que havia se sucedido. Ninguém soube explicar o que se deu ali.

No entanto uma garotinha estava desacordada, mas milagrosamente viva e imersa em toda aquela areia negra.

Aparentemente fora de si ela falava sem parar em uma língua desconhecida. Era diferente de tudo que os guardas já haviam ouvido.

Eles a levaram para dentro da redoma e a colocaram em quarentena.

Ninguém soube explicar o que havia acontecido com aquele veiculo e sua tripulação. Mais tarde a versão oficial foi a de que o carro e seus passageiros foram mortos numa ação terrorista que nunca foi reivindicada. 

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