O Melhor de Nós

By janedoexv

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O coração de Casey é tão frio quanto a pista em que patina. Duro como ferro e impenetrável como uma pedra. Ou... More

EPÍGRAFE
ELENCO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9

CAPÍTULO 5

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By janedoexv

Susie bebia muito. Saíamos juntas algumas vezes, eu até tomava uma coisa ou outra, mas ela bebia muito. Eu tinha meus próprios gatilhos, e alcoolismo era um deles. Odiava e temia as pessoas bêbadas na mesma proporção, apesar de lidar com Molly nesse estado às vezes.

Durante alguns anos foi só o papai, Susie e eu. Ela foi minha primeira figura materna, e continuou sendo durante anos, mesmo depois que nosso pai casou-se com uma marroquina chamada Wilhelmina Trabelsi, que nos deu três irmãos: Arden, filho de seu primeiro casamento, Alice e Nora. Eu amo minha família, mas como qualquer uma, temos muitos problemas. Acho que o maior deles foi como a minha relação com meu pai mudou depois da morte de Susie.

Mal conversávamos sobre nós ou algo em específico, mas costumávamos ser melhores amigos. Fazíamos trilha juntos, nós três, mas tudo mudou depois que Susie se foi. Parecia que ela tinha morrido. E, bom, ela havia morrido em sua forma física, mas parecia que a memória dela também. Papai não tocava no nome dela, sequer parecia que um dia tinha existido. Aquilo doía, porque toda tristeza e amargura que eu sentia, engolia, como estava sendo há anos.

Nunca tive problemas em demorar para me arrumar. Se tinha algo com que eu quase não me preocupava era com roupas, bastava vestir algo que me deixasse confortável e estava pronta. Tomei um banho quente e escolhi uma calça preta com rasgos no joelhos, blusa cinza em gola V de mangas longas, botas e uma jaqueta jeans. A noite estava um pouco fria.

Assim que cheguei na casa de Atlas, fui recepcionada por ele. O abraço que ele me deu foi longo e muito confortante, e assim que nos afastamos, lhe entreguei o pequeno presente. Ele sorriu.

- Não precisava, mas obrigada.

- Você fala isso todo ano, mas sei que gosta de presentes.

- Vejamos.

Atlas abriu o pequeno embrulho e tirou de dentro da caixa uma corrente com uma plaquinha. No verso, havia uma frase esculpida. Ele leu em voz alta:

- "Algumas quedas servem para que levantemos mais felizes". Shakespeare.

Atlas me abraçou novamente, agradeceu sussurrando em meu ouvido e entramos. Me afastei dele assim que chegamos à área da piscina e avistei Molly, bebendo e conversando com algumas pessoas.

- Casey!

- Eu não disse para você me encontrar na frente da casa?

- Eu sei, me empolguei, desculpa. Tem ponche, olha! O que você quer beber? - Molly analisou as opções de bebida na espécie de cardápio. - Atlas contratou alguém só para fazer essas bebidas, acredita?

- Claro - dei risada, um pouco irônica, encarando os rapazes atrás da mesa na área externa. - Quem dá uma festa em plena segunda-feira? Nem deveríamos estar aqui, amanhã temos aula.

- Isso é verdade, mas te conheço o suficiente para saber que você prefere estar aqui do que em casa lendo roteiros - Molly me abraçou pelas costas e riu.

Pedi um ponche ao barman e me virei para observar a festa, enquanto esperava a bebida. Haviam muitas pessoas ali e eu sequer sabia que Atlas conhecia tanta gente. Provavelmente aquela deveria ser a parte mais movimentada da casa, os convidados bebiam, dançavam, conversavam, tiravam fotos, e boa parte deles se divertia na piscina.

- Estou com fome - Molly praguejou.

- Aqui não tem nada para comer, vou ver lá dentro.

Peguei minha bebida e degustei enquanto ia na direção da cozinha. A música não estava muito alta, o que me agradava e em certa parte me fazia pensar que Atlas era o responsável por aquilo, já que ele sabia que não escutava como as demais pessoas.

O som de David Guetta foi substituído pelos solos de guitarra do Arctic Monkeys, então eu sorri. Era uma das minhas bandas preferidas, aproveitei o momento para murmurar baixinho enquanto decidia entre cachorro-quente ou sanduíche de carne defumada para Molly.

Um rapaz bonito passou por mim e não pude evitar o olhar em sua direção. Ele retribuiu o contato visual e eu abaixei a cabeça, envergonhada. Ele tinha uma pele bronzeada, cabelo enrolado, era alto e encorpado. Conhecia alguns dos amigos de Atlas, mas não me lembrava do rosto daquele. Bebi um pouco mais da minha bebida e, com um cachorro-quente em mãos, me virei para voltar até o bar.

- Essa banda é muito boa, não é?

Uma voz falou atrás de mim. Me virei e abri um meio sorriso observando o dono da voz, já que o reconheci pelo rosto.

- É - respondi para ele. - Gostei do seu jeans azul e a camisa branca à la James Dean, mas essa jaqueta de couro te deixa parecido com o Alex Turner. Só falta gel no cabelo.

- E quem é esse cara? Ele é bonito como eu, pelo menos? - Ele pôs as mãos nos bolsos frontais da calça.

Dei risada.

- Ele é o vocalista dessa banda.

- Ah, nossa, foi mal.

- Não precisava fingir conhecer a banda para me impressionar. Que tal começarmos de novo? - sugeri entre um sorriso.

- Ok. Olá, Casey.

- Oi, Matthew - sorri, entrando na brincadeira. - Você está sempre onde eu estou, não é mesmo? - Matthew me seguiu quando comecei a caminhar para fora da cozinha.

- Será? Não acha muita coincidência que sempre estejamos perto? No ginásio, na academia do seu pai e agora aqui. O que nos conecta, afinal, bela moça?

Matthew me tirou risos sinceros com seu tom de cordialidade fingida. Ele era engraçado.

- Você conhece o anfitrião? - perguntei.

- Atlas Bouchard. O patinador. Bom ator.

- Suponho que também saiba que ele é meu melhor amigo - ressaltei, disfarçando a surpresa no fato de Matthew conhecê-lo.

- Bom, agora que eu sei, as coincidências ficam ainda melhores - Matthew sorriu.

Fiquei um pouco sem jeito diante da fala dele, supondo o que quis dizer. Procurei por Molly no lugar onde estávamos, mas não a encontrei. Que diabos ela tinha que sair de onde estava? Agora, devia estar pela casa, bebendo e, do jeito que eu a conhecia, devia estar bêbada, dançando ou aprontando alguma outra coisa. Molly era o tipo de pessoa que quando ficava bêbada, passava vergonha, e mesmo que na maioria das vezes eu estivesse com ela para tentar evitar que aquilo acontecesse, ela sempre dava um jeito de sumir do meu radar.

- Está procurando alguém?

- Que merda - murmurei, deixando o cachorro-quente em cima de uma mesa. - Eu estava com uma amiga, e agora ela sumiu.

- Tudo bem, podemos procurá-la - Matthew sugeriu.

- Nem precisa, porque eu acabei de achá-la - avistei Molly à beira da piscina, numa aparente discussão com um cara. - Molly!

Larguei minha bebida quando os vi saindo juntos e corri para alcançá-los rapidamente do outro lado da casa, no gramado, só então, depois de parar, percebi que Matthew havia me seguido.

- Ei! Solte ela!

Me desesperei ao ver o estranho forçando as coisas com Molly, então parti para cima dele, que também tentou me imobilizar. Ouvi Matthew chamar meu nome, mas ignorei e acertei um belo soco no nariz do rapaz estranho, que quase ao mesmo tempo foi segurado por Matthew. Tudo aconteceu tão rápido que sequer tinha percebido algumas pessoas à nossa volta, incluindo Atlas.

- Ah, fala sério, será que você não consegue ir à uma única festa sem procurar confusão? - Atlas disse para o garoto que Matthew imobilizava pelo pescoço.

- Tem sangue no seu nariz - disse para Matthew.

- Eu sei, você me deu uma cotovelada quando tentei me aproximar.

- Me desculpa.

Acabei rindo. Atlas se aproximou e pediu para que Matthew soltasse o sujeito. Ele ficou ao meu lado e eu olhei para Molly, procurando algum ferimento ou sinal de violência.

- Você está bem?

Sua resposta foi um jato de vômito na grama.

- Suponho que não - Matthew sussurrou.

- Olha só, vocês não podem... Ai, meu Deus, eu amo essa música - Atlas interrompeu sua fala rápido demais e o motivo tirou gargalhadas de todos. - Você, fora daqui, e vocês três, por favor, voltem e vamos nos divertir - disse para Matthew, Molly e eu. - WHERE HAVE YOU BEEN ALL MY LI-I-I-FE!

- Acho que vou cuidar disso primeiro - Matthew colocou a mão no nariz.

- Eu sinto muito. Posso ajudar você, pelo menos? - tentei me redimir.

- Claro. Mas só aceito sua ajuda se você aceitar dar uma volta comigo longe daqui.

Fiquei surpresa com seu pedido. Pensei um pouco antes de falar qualquer coisa, mas acabei aceitando. Matthew e eu saímos no carro dele e eu passei alguns minutos em silêncio, pensando no que falar, já que ele também ficou quieto. Acabei não falando nada quando percebi que estávamos chegando a um lugar.

- Um mercado?

- Me desculpe se não é o lugar onde você esperava ir - Matthew disse, enquanto abria a porta para eu passar.

Caminhei ao lado dele pelo corredor dos laticínios e depois fomos até o da comida congelada. Matthew recolheu um pacote de ervilhas e continuou andando, me obrigando a segui-lo. Ele pegou algodão, esparadrapo, uma garrafa de cerveja e uma de Coca-Cola e foi para um dos caixas vazios.

- Olha, eu sinto muito pelo seu nariz, mas por que me trouxe até aqui se poderíamos cuidar disso na casa do Atlas?

- Quer que eu diga que te trouxe aqui porque queria ficar a sós com você?

Arqueei as sobrancelhas, embasbacada. Mackenzie desviou o olhar, pagou a compra e começamos a andar para fora do estabelecimento. Com certeza eu tinha muitas dúvidas, mas a maior delas era o motivo de ele querer ficar a sós comigo. E se ele fosse um doido? Preferia acreditar que não, que era confiável porque era amigo de Atlas, e Atlas era confiável.

- A volta era só uma desculpa, Cass.

Matthew me olhou e sorriu sem mostrar os dentes. Quando paramos de andar, ele tirou da sacola o saco de ervilhas congeladas, segurou minha mão direita e cobriu o dorso com o pacote, fixando com o esparadrapo. Franzi o cenho e o acompanhei quando se sentou na calçada.

- Eu vi que você estava incomodada com a mão, o soco foi forte.

- Você realmente observa tudo.

- Você não faz ideia - Ele disse enquanto me olhava.

Meu rosto queimou. Recebi a garrafa de refrigerante que Matthew estendeu para mim e olhei para ele. Existia um brilho em sua pele que julguei ser suor, mas não estava quente, o que me deixou intrigada. Ele estava inquieto, bebeu metade da cerveja de uma vez e fitou o chão depois de passar as mãos no cabelo.
Matthew deveria ter vinte e poucos anos, mas, olhando de perto como eu estava olhando, haviam algumas marcas de expressão em seu jovem rosto. Seus olhos azuis pareciam cansados, mas ele se esforçava para manter o senso de humor e a gentileza.

- Está tudo bem?

- Eu estou bem - Matthew disse, e voltou a me olhar. - Acha que ele vai ficar com o olho roxo?

- Ele mereceu - sorri. - Qual a sua especialidade?

- Cardiologia.

- Então você cuida do coração das pessoas. Tem cuidado do seu?

- Tem cuidado do seu?

- Sempre responde perguntas alheias com mais perguntas?

- Depende - Matthew olhou brevemente para a frente, enquanto sorria. - Gosto que meus pacientes se sintam cuidados, afinal, essa é minha profissão, não é mesmo? Cuidar de mim mesmo é só um detalhe.


- Bom, às vezes precisamos nos acostumar a cuidar de nós mesmos, não podemos ter alguém à nossa disposição em tempo integral.

Fiquei um minuto em silêncio, enquanto o observava.

- Você é do tipo copo meio vazio, não é? - Matthew perguntou.

- E você meio cheio - rebati.


Ele me olhou depois de terminar de tomar sua cerveja.


- Me deixe ver sua mão.

Matthew desenrolou o esparadrapo, tirando o pacote de ervilhas de cima da minha mão. Estendi uma ao lado da outra, mexi os dedos e ele segurou uma delas.


- Você toca piano?

- Às vezes.

- Tudo bem, não vai te prejudicar nisso.

Matthew sorriu fraco e levou o dorso de minha mão escoriada até seus lábios, depositando um beijo extremamente delicado ali.

- Você é um verdadeiro cavalheiro. Obrigada por isso. E por cuidar do meu fígado em minutos melhor do que eu cuidei nos últimos vinte e dois anos - apontei para a lata de refrigerante.

Ele deu risada.

- Será sempre um prazer.

- Com licença.

Levantei o olhar para observar a mulher que havia se aproximado. Segurava papel e caneta em mãos, enquanto intercalava o olhar entre Matthew e eu.

- Você não é... - comecei.

- Sim, eu trabalho no mercado e fui eu quem passou as compras de vocês. Desculpe incomodar, mas é que... Meu filho adora hóquei e eu queria saber se você poderia dar um autógrafo para ele.

Ela se direcionou para Matthew. Eu sorri fraco e ele me olhou brevemente antes de se levantar. Aproveitei para fazer o mesmo. Então ele jogava hóquei. Acho que nunca tinha visto o rosto de Matthew em lugar algum antes da primeira vez que nos vimos, no Gadbois.

- É claro.

- E a minha menina, bom, ela adora Casey Chapman, ela fala de você o tempo inteiro e sonha em ser patinadora. Será que...

- Com certeza.

- Muito obrigada. Eles vão à loucura quando souberem que seus ídolos estão juntos.

- Ah, nós não... - tentei explicar, mas a mulher saiu tão entusiasmada com os autógrafos que sequer olhou para trás.

- Você conhecia Susanna Chapman? - Matthew perguntou. Parecia intrigado.

- Ela era minha irmã.

- A vi uma vez, em Tóquio. Ela era muito boa.

- Eu sei.

- Você também é muito boa.

- Nunca me viu patinar, não pode afirmar que sou boa.

- Você parece boa. Tenho certeza que é.

Suspirei. Matthew começou a andar na direção do carro e eu o acompanhei. Eu até poderia ser boa como algumas pessoas diziam, mas nunca seria como Susie. Na verdade, eu não queria ser, mas queriam que eu fosse como ela. Aquilo nunca aconteceria, porque éramos pessoas diferentes, com capacidades diferentes e Susie havia sido uma pessoa muito melhor do que eu sou ou poderia um dia ser.

- Então você é um astro do hóquei no gelo canadense?

- Não exatamente. Eu me aposentei do hóquei para me dedicar à medicina e, bom, não sou um astro e muito menos canadense de nascença.

- Sério? E os seus fãs sabem disso, Mackenzie?

Tirei uma risada agradável de Matthew.

- Já acamparam no Grand Canyon só para me ver. Loucura, não é?

- Arizona?

- Só até os onze anos. Eu não gosto de lá, é quente demais - Matthew passou as mãos no cabelo.

- Está tudo bem?

- Pode esperar cinco minutos?

Fiz que sim com a cabeça e encostei no Hyundai Tucson preto com os braços cruzados na altura do peito. Observei as costas de Matthew e o acompanhei com o olhar até o mesmo sumir dentro do mercado novamente. No mesmo instante, meu celular vibrou no bolso da jaqueta.

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