6 | caminhos.

27 4 0
                                    

          Quando algo dá muito certo, alguma coisa errada tem que acontecer. É uma lei. Um princípio do universo. Como usar uma régua para riscar uma linha no papel e tirar o dedo que fazia pressão antes da hora certa: um segmento reto, até aquele ponto. No momento, essa é a certeza que mais odeio ter. 

O aeroporto parece pequeno demais ao ser preenchido com os sentimentos tortuosos que Vinícius e eu carregamos no peito. E dói, porque eu sei que não iremos conversar sobre isso. Em quatro anos, nunca conversamos. É só aguentar mais vinte minutos. O que são vinte minutos? Passa rápido demais. Vino estará no avião, e eu poderei respirar sem me sentir entalada. Ou vou me sentir ainda pior. Minhas chances de ao menos esclarecer as coisas estarão completamente acabadas. E sou sóbri demais para mandar uma mensagem quando ele já estiver longe, escrevendo coisas que ele talvez nunca sonhou ouvir, por mais que eu queimasse para falar. 

Há um peso desgastante em minhas costas e pessoas demais passando. O barulho do avião, o burburinho de despedidas, a felicidade de reencontros e os anúncios ecoando pelo espaço atráves dos alto-falantes: tudo é profundamente irritante e invasivo. Vinícius está quieto demais enquanto encara a tabela de horários de voos para não me olhar nos olhos. É nosso último momento juntos, e é claro que ele vai me ignorar. Ele não sabe lidar com o que sente – se é que ele sente.

Bufo. Quero ele perceba. Foram quatro anos passando dias inteiros com ele. Quatro anos que parecem vinte. Eu o conheço mais do que meus amigos de infância (uma prova prática de que intimidade e tempo não andam tão juntos assim). Agora ele vai estudar Marketing no exterior e eu vou ter que me virar para preencher o vazio. Cinco anos até que ele volte, mas também há a possibilidade de ficar por lá. Quem sabe. Talvez ele encontre um emprego estável, uma mulher perfeita e decida formar uma família. Quem sabe desista de tudo e monte uma banda de folk – ele canta e toca muito bem. Ele pode começar sua própria empresa. Ou se tornar garçom num restaurante refinado. São muitas possibilidades, e poucas o trazem para perto.

Na adolescência, eu imaginava despedidas assim com declarações longas e beijos prolongados. Mas somos amigos, com os segredos e tudo mais. Não posso dizer algo que o faça mudar de ideia. Esse curso é o sonho dele. Quem sou eu para mexer nisso?

— Sabe — começo, sem coragem para encará-lo —, sempre pensei que — ele está me olhando, posso sentir — se eu vivesse um momento assim — suspiro —, eu saberia exatamente o que dizer. 

Encaro-o. Não sei decifrar seus olhos, que me observam com surreal atenção. Talvez ele também está confuso. Também está tentando ler o que quero dizer sem deixar as palavras saírem. O que mudaria se eu dissesse?

— Eu ia falar a mesma coisa. — ele solta um riso nasalado, meio triste, desviando o olhar.

Queria que ele continuasse. Se me olhasse com intensidade suficiente, poderia descobrir o que venho tentando esconder.

— Deve ser medo. — ele diz, parecendo distante.

— Medo? Do quê?

— De dizer alguma coisa nada a ver. — e me encara — Tipo o que eu fiz agora.

Não deixo de sorrir, ainda que me sinta vulnerável diante de seus belos olhos âmbar. Não consigo continuar a conversa. Não tenho nada pronto, nenhuma frase composta, milimetricamente calculada para provocá-lo ou fazê-lo rir. Vinícius, meu Deus, você me deixou sem palavras na maneira mais literal possível. 

Uma voz feminina ecoa pelo aeroporto. O portão de embarque para o voo de Vino está liberado.

— Será que você consegue ficar sem mim? — ele pergunta, num fingido bom humor súbito, levantando-se. 

Chegaste ao fim dos capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Dec 14, 2020 ⏰

Adiciona esta história à tua Biblioteca para receberes notificações de novos capítulos!

eu te escreveria mil livros.Onde as histórias ganham vida. Descobre agora