Capítulo 3

329 46 16
                                    


Eles pegaram a estrada muito cedo. O sol ainda nascia e as luzes das lamparinas eram necessárias. Meredith encolheu-se com uma manta e dormiu mais no balançar da carruagem do que no quarto. Nathaniel felizmente não estava radiante; tinha um aspecto sempre soturno pela manhã. Pensando bem, ela nunca acordava de bom humor. Se assim fosse, tinham algo em comum.

— Estamos quase chegando, Meredith.

Apesar da sonolência, ela chegou a pular no assento. Nathaniel havia mudado de lugar e estava ao seu lado. Havia passado a viagem no banco em frente ao seu.

— Agora que já passamos por tudo isso, você já pode parar de tentar manter distância de mim. Afinal, eu já o vi em suas ceroulas e será mais fácil para fingir que temos um profundo apreço um pelo outro — comentou ela, petulante.

— Sei fingir bem.

— Talvez eu não, então preciso de ajuda. Lembre-se de que é minha primeira vez.

Ele observou seu rosto, como se estudasse suas reações.

— Vou ajudá-la, Meredith. E essa será a última vez que direi esse nome fora da casa.

— Certo, Hugh Spencer. Meu querido marido. Susannah Spencer é um nome muito grande.

— Meredith Volton também.

— Adoro o meu nome. Esse outro nome que você usa também é longo.

— Não se preocupe, eu a chamarei de Susan, meu amor. Acredito que me permitiu essa liberdade quando fui esperá-la pela quinta vez para acompanhá-la da loja de tecidos em que trabalhava até a casa que dividia com sua seus pais, seus avós e seus cinco irmãos. Todos mais jovens do que você. Foi um grande alívio quando a levei embora — disse ele, já antecipando a mentira que contaria sobre suas vidas e como se conheceram.

— Devo ter ficado lisonjeada com um bom partido como um oficial do porto me esperando na frente da loja. E tão bem-apessoado, com todos os dentes, não sei como não desmaiei. Você tem dentes limpos, nenhum quebrado, nenhum estragado. Assim acreditarei que cresceu mesmo tendo uma vida de privilégios e cuidados. Lá no porto não devem ter muitos com dentes tão bem tratados. — Ela o olhava com afiado sarcasmo.

Nathaniel a surpreendeu ao pegar-lhe a mão e segurá-la, carinhosamente, como um marido faria.

— Foram seus belos olhos e seu senso de humor que me encantaram — disse ele, mais baixo. — E o fato de todos os seus dentes estarem no lugar.

— Acha meus olhos bonitos?

— São astutos e de um tom de castanho não muito comum.

— Como pode considerar meus olhos incomuns. São apenas castanhos, um tom mais claro do que a maioria. Incomuns são os seus; olhos frios e brilhantes como prata pura e assustadores sob a luz do dia. Na noite em que o conheci, achei que estava vendo coisas, mas, quando a luz da lua bate neles, é como se emitissem um brilho sobrenatural.

— Isso a assustou?

— Sim.

— É como se houvesse água nos seus olhos. Parece que misturaram um simples castanho, com um pouco de verde e criaram uma espécie de dégradé. É muito pessoal.

Ele soltou a mão da jovem tão abruptamente que ela só percebeu ao perder a quentura do contato. A carruagem parou e Nathaniel colocou o chapéu e desceu apressado. Ventava bastante, o tempo não estava bom, e ela não conseguia escutar o que os dois homens diziam. Ao tornar a abrir a porta, ele disse:

A Desilusão do EspiãoWhere stories live. Discover now