Capítulo 4

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Duas semanas. Duas curtas semanas se passaram desde que Annabeth Eleonora Goodwin e eu estabelecemos uma trégua indiretamente. Nós não nos tornamos melhores amigos, claro, mas também não estamos do mesmo jeito de antes. Algo mudou desde a noite em que a encontrei chorando e tivemos nossa primeira conversa civilizada. Agora, quando nos vemos pela manhã ao sairmos de nossos respectivos quartos, nos cumprimentamos com um sorriso. E ao retornarmos, sempre acabamos esperando um ao outro para subirmos juntos. Foi estranho no começo, pelo menos para mim. Mas depois tudo pareceu tão natural, tão... genuíno.
E eu me acostumei com sua amizade mais rápido do que havia me acostumado com seu ódio.
Nós começamos a fazer algumas coisas juntos, como passear pelo pomar, compartilhar piadas internas entre nós durante reuniões ou simplesmente sentarmos lado a lado enquanto cada um lê um livro. E também fizemos algumas coisas separados, mas ainda juntos, como eu preparar um chá para ela enquanto fazia o meu, ou ela me trazer um pote de amoras que colheu especialmente para mim...
Dizem que quando estamos felizes, o tempo passa mais rápido, e eu comprovei isso 14 dias depois da noite na sacada. Esperava que Annabeth tivesse chegado à mesma conclusão, apesar de que em alguns momentos ela parecia... distante. Eu podia ouvir as engrenagens funcionando quando ela desviava o olhar por tempo demais, ou quando seu sorriso diminuía alguns milímetros, ou quando fazia algo de maneira tão automática que parecia estar repetindo o movimento apenas por costume, sem de fato saber o que fazia.
O que passava em sua mente nesses curtos momentos de distração? Memórias? Ideias?
Isso estava me preocupando mais do que deveria.

E então, o dia da verdade chegou, e tudo mudou... novamente.

Eu sempre gostei de festas. Ótimas companhias, diversas opções para agradar os olhos e o estômago, uma bela orquestra e um salão imenso para rodopiar na melodia perfeita com um bom parceiro ou parceira.
Então quando o rei Henry propôs um baile para anunciar uma grande notícia, ainda desconhecida por mim, eu fiquei extremamente empolgado.
Annabeth, em contrapartida, parecia... Ansiosa. Pelo menos foi isso que notei ao adentrar a sala reformada que ela queria me mostrar. A loira estava sentada em uma poltrona, bebericando um chá quente enquanto olhava fixamente para o chão. Eu podia quase ouvir o barulho das engrenagens de sua mente funcionando, e uma leve fumaça saindo.
Me aproximei cautelosamente e repousei uma mão no encosto da poltrona, olhando para o jardim pela janela por alguns segundos.
— Algo a incomoda, querida? — Perguntei serenamente. Ela ergueu o olhar para meu rosto e eu imediatamente desviei meu olhar da paisagem para seus olhos, que eram uma visão ainda mais cativante.
— Rupert! Você me deixou esperando. — Ela reclamou, mas sem conseguir esconder um pequeno porém genuíno sorriso.
Logo suspirou e repousou seu olhar sobre o chá.
— Eu... Só estou nervosa com o evento! — Respondeu, tocando os detalhes florais da xícara de porcelana com o indicador.
— Isso é compreensível, mas qual é o motivo exato para sua visível aflição? — Arqueei levemente uma sobrancelha e dei a volta por sua poltrona. Puxei a poltrona ao lado para mais perto de Annabeth e me sentei em sua frente, a olhando com um suave sorriso labial no rosto.
— O que achou da sala de chá? — Respondeu, ignorando totalmente a minha pergunta.
— Sala de chá? — Olhei em volta. De fato, as inúmeras peças de porcelana nas cristaleiras na parede não estavam ali antes. — Quem diabos faz uma sala apenas para beber chá?
— Ora, eu! Chá é uma bebida muito apreciável, que deve ser degustada no ambiente apropriado. — Falou pomposa e se aproximou um pouco, como se fosse contar um segredo. Seu perfume doce acelerou ligeiramente meus batimentos cardíacos.
— Eu nunca tinha tomado outros sabores de chá além de camomila antes de vir para cá, agora estou viciada! Esse é o meu cantinho para aproveitar minha paixão. — Disse em um tom divertido e deu uma leve risada. Logo olhou ao redor e deu um suspiro de satisfação. Eu pude ver em seus olhos que o lugar a deixava feliz, então não pude conter um sorriso.
— Pois bem, se Henry permitiu isso... Não vejo problemas. Sempre achei a sala de visitas monótona, de qualquer maneira. Ou as visitas eram monótonas. — Provoquei em tom brincalhão e ela revirou os olhos e riu. Após alguns minutos de profundo silêncio, seu semblante ficou um pouco sério.
— Vamos, me conte o que há de errado. — Sem hesitar, segurei sua mão entre as minhas para lhe passar conforto e segurança. Ela me olhou de uma maneira que naquele momento eu não compreendi, mas que tirou o meu sono dias depois.
— Eu nunca fui a uma festa formal. — Respondeu baixinho. Parecia... Envergonhada, tímida. Como se nunca ter frequentado eventos sociais da realeza fosse um crime.
— Como minha mãe costumava dizer quando eu me acidentava de 50 maneiras diferentes em uma semana: Para tudo tem uma primeira vez. — Brinquei, na tentativa de fazê-la rir. Ela apenas sorriu.
— Eu acho que preferia ralar o joelho do que passar vergonha na frente de todos por não saber dançar valsa. — Falou no mesmo tom que eu e logo arregalou levemente seus olhos azuis, brava consigo mesma por ter confessado o motivo de estar com medo.
— Não sabe dançar? — Perguntei apenas para confirmar. Ela balançou negativamente a cabeça e essa resposta foi suficiente para eu me levantar e lhe estender a mão.
— Pois então me dê a honra de lhe ensinar. — Falei com excesso de formalidade.
— Dançar valsa em uma sala de chá, sr. Wellsmeyer? — Disse e deu risada.
— Para tudo tem uma primeira vez, srta. Goodwin. — Respondi, sorrindo.
Ela mordeu o lábio e balançou a cabeça. Logo se rendeu ao meu pedido e segurou minha mão, se levantando da poltrona. A guiei ao meio da sala, onde não haviam móveis para nos atrapalhar.
— É mais simples do que parece. Eu vou guia-la, e você apenas tem que me acompanhar. Poderia ser o contrário, mas como é sua primeira dança, acho melhor não abusarmos tanto da sua sorte de principiante. — Falo brincando e ela revira os olhos, me dando um leve tapinha no ombro. Antes que remova a mão após o ato, seguro sua mão ali. — Deixe-a.
Coloco minha mão livre em sua cintura e começo a nos balançar levemente de um lado para o outro. Quando dou um passo em sua direção, ela recua. Quando ela dá dois passos em minha direção, eu recuo.
— É como uma conversa. Você fala e eu respondo. — Comentou em meio a uma leve risada.
— É uma ótima comparação, de fato. — Sorri e a girei, observando a saia azul marinho de seu vestido esvoaçar suavemente, como um girassol no escuro da noite. Logo voltei a puxa-la para perto, olhando em seus olhos. Começo a cantarolar uma melodia doce, brincando, e ela me acompanha.
— Posso lhe perguntar algo?
— O que quiser, só não garanto que vou responder. — Brinquei.
— Ah, eu sinto que vai. Por que não é casado, Rupert? — Ela inclinou levemente a cabeça para o lado. Olhei em seus olhos, um pouco confuso. Como se interpretasse a dúvida em minhas pupilas, ela começou a explicar. — Você é um homem elegante, tem um excelente cargo, uma vida boa, dotes... Sabe tocar piano maravilhosamente bem e é um ótimo dançarino. Além disso, sei bem que atrai olhares por onde passa. Então... Por que não há uma aliança em seu dedo?
Seus apontamentos sobre minha pessoa me pegaram de surpresa. Não pelos elogios, mas sim pela sinceridade em sua voz.
— Eu nunca me casei porque nunca me apaixonei verdadeiramente a ponto de cometer tal ato. Não quero me casar com uma mulher apenas para ter filhos, quero me casar com uma pessoa que seja minha companheira, confidente, melhor amiga. Quero ter e ser um porto seguro. — Expliquei sem poupar romantismos, sempre fui um romântico incurável, por mais que raramente demonstre isso.
Minha resposta a pegou de surpresa. Sua expressão ficou indecifrável, e passei alguns segundos apenas olhando em seus olhos para tentar entender o que sentia, ver sua alma me mandando um sinal. E então, acidentalmente ela acabou pisou no meu pé.
— Oh, desculpe! Eu... Eu estava distraída. — Exclamou com as bochechas coradas e se afastou de mim.
— Não, está tudo bem, não se preocupe! — Respondi e a observei atentamente.
— Acho melhor eu ir. Obrigada... Pela conversa, pela dança, por tudo. Até a noite.
— Disse apressadamente e saiu da sala de chá.
Fiquei olhando para a porta, repensando minhas palavras, tentando encontrar o que a deixou alterada.
Logo mais, me retirei do ambiente, não se antes o analisar mais uma vez. Era hora de me preparar para o baile.
O grande baile.

Asas Para Voar, Memórias Para ContarWhere stories live. Discover now