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O Homem-Café estava sentado em sua sala de troféus. O local formava uma espécie de vínculo psicológico com sua infância. Seus pais eram muito pobres e não havia dinheiro para brinquedos, os que tinham vieram de raras doações. Então o pequeno descobriu o prazer das coleções. Colecionou insetos, tampas de garrafa, rótulos de diversos produtos, imagens recortadas de jornais velhos, folhas e flores secas, etc. Sem perceber, depois que conseguiu algum dinheiro como herói viu-se a colecionar carrinhos, mas doou tudo assim que encontrou algo melhor: seus troféus.

Aliás, uma das coisas que protegeram o herói da corrupção foi o fato de não ser muito ambicioso. Depois que ganhou um bom dinheiro com patrocínios e comerciais, ofertas de dinheiro para obter favores não surtiam efeito. Muito do que ganhava ia direto para fundações beneficentes que lutavam para diminuir a desigualdade social no país. A desigualdade era algo que contra qual seus poderes pouco valiam.

Levantou-se para uma ronda através do amplo salão cercado de janelões de vidro por todos os lados. Morava numa cobertura triplex em um luxuoso edifício residencial. Seu salão de troféus havia recebido raríssimos visitantes ao longo dos anos. Entre os que ali estiveram havia uma memória especial do saudoso Coffee Break, cujo uniforme estava estufado numa redoma de vidro em posição de destaque. Anos atrás, seu contrato com o principal patrocinador o forçou a receber no local uma equipe de TV para uma entrevista exclusiva. Na ocasião, contou sobre a origem de seus poderes. Bebia café que acabava de coar quando um facho de estranhas luzes atravessou seu corpo. O pigmento preto do café escureceu seu corpo ainda mais. Assim assumiu um tom escuro e nada natural. Isso impediu que assumisse uma identidade secreta.

Seguiu admirando seus troféus. Primeiro, as cabeças grandes dos alienígenas que ajudou a expulsar. As duas garras de Adiamanteo que tomou do vilão Garra Escarlate. A cabeça do general minotauro do exército do Bruxo Negro. O couro estendido do toskemon dracônico que derretia carros com seu sopro incandescente. O painel de chaves de cidades e medalhas de honra. O painel com fotos ao lado dos diversos heróis. Alguns uniformes rasgados de vilões que derrotou ou aprisionou, e,  mais algumas dúzias de itens que marcaram suas mais significativas façanhas.

Lá também guardava alguns exemplares de seu uniforme, incluindo as versões antigas que foram redesenhadas por seus patrocinadores ao longo dos anos. Vestiu o uniforme do contrato vigente e chamou pelo telefone o piloto do Cafecóptero, uma aeronave de guerra avançada que recebeu do governo americano pelos serviços prestados na defesa do planeta contra a invasão alienígena.

Pouco depois, o herói se encontrava com o piloto no heliporto, logo acima.

– Bom dia seu Café, para onde vamos hoje?

Vestia o uniforme, mas ainda sem a máscara. Seu rosto tinha uma tonalidade negra como piche praticamente uniforme, mas algumas rugas ao redor dos olhos mostravam os sinais da idade. Era baixinho e musculoso e, diferente de outros heróis, não precisava colocar enchimento no uniforme para parecer tão forte.

–  Pra Brasília, tô cansado dessa sujeira. É hora de terminá esse serviço.

O Cafecóptero tinha duas turbinas e asas e assim, podia voar como um avião à jato atingindo uma velocidade incrível.

–  Se segura então, seu Café.

A viagem até Brasília foi breve. O helicóptero sobrevoou o gramado próximo ao Congresso Nacional e o Homem Café atirou-se caindo sobre o chão com um forte estrondo. O piloto foi pousar em um local mais distante e o herói seguiu à pé até a rampa da famosa edificação, símbolo da cidade.

Evitando os seguranças e outros muitos que queriam um autógrafo do herói, dirigiu-se para o prédio. No momento, não havia sessões nos plenários e o herói conseguiu passagem para ir até o gabinete do senador Narsei.

A Morte do Homem-CaféWhere stories live. Discover now