Eu não estava nada acostumado com remuneração por mão de obra dada, mas sabia muito bem cumprir o que me lhe era designado — com exceção dos compromissos da realeza... Durante a faculdade, eu sempre tentei me destacar o máximo possível por mérito próprio. Eu nunca gostei que minha reputação fizesse todo o trabalho por mim.

Logo, não estava muito preocupado com o dia de hoje.

Olhei-me no espelho algumas vezes antes de colocar os pés para fora do apartamento. Tinha emagrecido desde que saíra do castelo, me alimentava muito menos e sentia minha resistência física diminuindo. Tentava correr todos os dias por algumas horas para não ficar com o corpo fraco, mas faltava-me vitaminas. Minha barba tinha crescido e meus cabelos também. Não sentia vontade em cortá-los, até que curtia a nova aparência.

O corte em minha sobrancelha já tinha cicatrizado e aparentava uma coloração vermelha clara, não doía mais. Eu ficaria com uma falha nos pelos para o resto da vida. Se meu pai pudesse me ver agora, veria um homem bem diferente do que o de umas semanas atrás. Talvez um homem mais sincero.

Perguntei-me se ele arrependia-se de suas decisões.

Desde meus anos na universidade, percebi que eu era muito melhor advogado do que eu jamais seria imperador. Mas quando se nasce num berço nobre, seu destino já é traçado desde que abre os olhos pela primeira vez. Era minha obrigação assumir o reino e eu a cumpriria. Para isso, precisava sobreviver ao próximo ano, provar para todos que eu sabia cumprir até mesmo o que eu não gostava de cumprir. Antes, sempre me dedicava apenas ao que me interessava, mas a vida nem sempre fornecia essa possibilidade. Eu sempre tive a quem recorrer caso falhasse, mas durante os dias com Red, percebi que nem todos têm este privilégio. Acho que eu mesmo não tinha mais.

Quando saí pela porta do apartamento, estava mais frio. Fechei meu casaco e abotoei todos os botões por cima. Uma onda gelada emanava pelo corredor. O sistema de aquecimento do prédio deveria estar quebrado, então era cada apartamento por si. Não seria a primeira vez que acontecia, de acordo com Red.

Ela disse que desde que chegara ali havia diversos problemas que tinha que relevar, pois era o aluguel mais barato que encontrara na região. E se eu quisesse continuar por ali, precisava me acostumar com isso também.

Peguei o elevador vazio. Desde que eu viera para cá, não tinha encontrado ninguém além de Red. Ou os demais apartamentos estavam vazios, ou os inquilinos não eram muito de sair de seus lares. Ainda assim, era estranho não ver mais ninguém. Eu os ouvia, dando passos acima de nossas cabeças, puxando a descarga do vaso sanitário, batendo a parede ou derrubando algo. Mas eu nunca os via. Era como se morássemos num prédio cheio de fantasmas do cotidiano.

"Morássemos", a palavra ecoou pela minha mente. Eu morava aqui agora. E por tempo indefinido. Era uma coisa estranha de se pensar. Quando havia me tornado tão simplório?

Eu caminhava para fora do apartamento em direção ao evento onde trabalharia por algumas horas em troca de uma pequena comissão, talvez meu primeiro salário na vida inteira, em passos monótonos. Tinha tudo planejado em minha mente pelas próximas horas. Depois que saísse do evento, eu iria encontrar minha colega de apartamento em seu emprego, e iriamos juntos para casa, jantaríamos na rua, em alguma lanchonete barata. Então viríamos para este mesmo prédio da qual eu saía agora e dormiríamos para no dia seguinte termos quase a mesma rotina novamente.

A vida fora da realeza era extremamente simplista, sem muitas surpresas. Por mais que fosse maçante, também dava um senso de propósito interessante aos meus dias. Nos últimos seis anos, a maioria do meu tempo tinha sido repleto de tédio e festanças para afastar de mim o que restava do ócio. Mesmo quando tinha responsabilidades reais para cumprir, sentia-me extremamente entediado — talvez porque nunca me identifiquei com elas. Mas vivendo com Red, não era assim.

O SEGREDO E O IMPERADORWhere stories live. Discover now