Capítulo Dois

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— O que são essas olheiras, cara? — Perguntou Ra quando entrei no seu carro. A manhã estava tranquila, o céu azul e limpo, em contraste com o meu rosto saído direto de Madrugada dos Mortos. Deixei meu corpo caiu pesado sobre o banco do carro, e suspirei.

— O livro que a garota da biblioteca me deu. Me fez ter pesadelos.

Ele riu e deu partida no carro.

— Foi uma garotinha que te recomendou o livro e você ficou com medo?

— Não é medo, Raphael. Eu só... preciso falar com ela.

Raphael passou parte da viagem fazendo piadinhas sobre mim. Depois, começamos a falar sobre as aulas interessantes de história, com a voz imponente da professora que nos levava direto para uma ditadura, e a aula de sociologia, em que todos dormiam em seus livros mais rápido do que a professora conseguia dizer "Durkheim".

Ao chegarmos ao colégio, caminhamos tranquilamente pelos corredores lotados, com Raphael cumprimentando 1 a cada 5 pessoas, enquanto eu apenas cumprimentei Júlia, uma garota que tinha grande parte das aulas comigo.

Depois de passar em nossos armários, Raphael e eu nos separamos. Tínhamos aulas diferentes, e ele caminhou feliz para educação física enquanto eu me preparava para entregar meu trabalho mal feito sobre Contratualismo e voar pela janela enquanto pensava na garota da biblioteca e David Martín.

Tive que esperar até o terceiro horário, que era de física, para poder ir à biblioteca. O professor não havia vindo por "motivos pessoais" — nas palavras da vice-diretora.

Ra estava em aula. Ele tinha biologia, a matéria na qual ele era pior. Para retorná-lo as provocações, mandei uma mensagem:

Matt: Sem aula de física hoje. Boa sorte com sua uma hora de biologia. 😊

Ra: O quê? Como assim?! Não me diz que o professor não veio.

Matt: Ele não veio.

Ra: Droga! Só porque não tenho aula com ele hoje.

Guardei o celular no bolso e entrei na biblioteca. Guadalupe olhou para mim, cerrou os olhos, e voltou a sua atenção para o livro que tinha em mãos, provavelmente um desses romances ridículos.

Procurei entre as paredes de livros pela garota da biblioteca. Depois de dar algumas voltas e não vê-la em lugar algum, pensei que eu podia estar andando para um lugar enquanto ela andava para outro e, consequentemente, desencontrando-a.

Sentei numa das mesas, observando a sala quase vazia. Um garoto de cabelos castanhos olhou na minha direção quando puxei a cadeira, que fez um som baixo. Logo depois, voltou a atenção para o seu livro.

Observei, pelo o que me pareceu cerca de cinco minutos, as prateleiras altas e cheias à espera de ela aparecer. Cansado, levantei e fui até Guadalupe. Engoli em seco, de frente para a mulher absorta no seu livro, e pigarreei. Guadalupe olhou para cima com sua carranca habitual.

—Hum... Alguma garota de cabelo preto e óculos passou por aqui? — Perguntei.

— A única turma sem aula é a sua. Não há motivos para ter muitas pessoas aqui — ela disse seca, voltando-se para seu livro.

Quase meti a mão em minha testa ao perceber minha burrice. Eu não havia pensado nisso. A garota não estaria aqui neste horário. Eu teria que procurá-la no almoço.

Com os minutos que me restavam, comecei a escrever meu trabalho de literatura, inspirado pela memória fresca do que eu havia lido.

Não demorou que o sinal batesse e eu fosse para a última aula antes do almoço. Porém, somente ao entrar no refeitório percebi o quanto aquela ideia era absurda. O alvoroço ao redor das mesas era caótico, a fila parecia sem fim e havia tantas garotas com o cabelo preto e que usavam óculos que eu teria que passar de mesa em mesa a procurando. E isso, definitivamente, não era um plano.

A garota da Biblioteca [degustação]Onde histórias criam vida. Descubra agora