Capítulo 5

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Mesmo quando tememos, celebramos.

Junho de 1999

Olhei para trás ao ouvir um som que me lembrou o de dois corpos se chocando. Um homem entregou uma carteira ao meu pai e saiu a passos rápidos, parecendo ligeiramente desnorteado.

- Quem era aquele homem, pai? Você o conhece?
- Não. Ele só esbarrou em mim e me ajudou a pegar a carteira.
- Ele parecia assustado.
- Também achei filha. – Meu pai deu de ombros. - Acho que depois do Palace of Fine Arts, podemos seguir viagem. O que acha?
Ele passou o braço por meus ombros e continuamos a cruzar a ponte Golden Gate.
- Por mim tudo bem, vamos ver o que mamãe e Raquel preferem.
- O aniversário é seu, Liza. Tem o direito de escolher. Aliás, agora você já é maior de idade, tem noção do que isso representa?

- Só faço 21 daqui a alguns dias, pai. Ainda não pode me chamar de velha.
- Então vou esperar. E chamarei você de idosa - Ele piscou para mim com seus olhos azuis cobalto.
- Paul - minha mãe o chamou. Ela e Raquel diminuíram os passos e andaram ao nosso lado.  - Olhe, aquela é a balsa que leva os turistas a Alcatraz. Ela apontou para o horizonte. Um barco fazia a travessia até a ilha onde ficava o presídio desocupado de segurança máxima.
- Vamos pai! Eu quero ver as celas! Aqui no guia diz que os visitantes podem entrar na solitária. -Minha irmã deu pulinhos em cima do meu pai.

- Se a Liza quiser conhecer a prisão, nós vamos.
- Paul, nós temos uma rota a seguir, lembra? - Minha mãe, de repente soou quase ríspida.
Meus pais pararam de andar e se encararam. Todo o clima suave se dispersou. Como se houvesse algo nos esperando ao final da Rota 01, quando chegássemos em Los Angeles. Meu pai coçou a cabeça e assobiou. Minha mãe tentou disfarçar as sobrancelhas franzidas e os olhos arregalados com um sorriso forçado, ao perceber que eu os observava.
- E aí Liza? Vamos? - Raquel perguntou alheia ao clima tenso.
- Acho melhor seguirmos a rota.
Decidi por não criar nenhuma espécie de conflito entre meus pais subitamente apreensivos, como se uma bomba estivesse prestes a explodir. Um incômodo se instalou no meu estômago. Eles escondiam alguma coisa de mim. Algo que parecia ser importante. Raquel fechou a cara e saiu pisando duro.
- Puxa saco.
Revirei os olhos.
Atravessamos o resto da ponte em silêncio depois do clima estranho.
Outra coisa que me surpreendeu, foi a espontaneidade de meus pais em tomar um voo de Baltimore a Los Angeles e ainda comprar um carro em São Francisco para fazermos a famosa viagem pela costa da Califórnia. A surpresa que ganhei de presente pelo meu aniversário de 21 anos.
Chegamos ao carro novinho em folha e descemos a Marina de São Francisco, onde ficava o Palace of Fine Arts.

Eu deveria estar feliz, tranquila, empolgada. Mas achei muito suspeito. E a cada segundo da viagem, uma espécie de pressentimento ruim crescia. Não que eles não fossem de me dar presentes ou fazer surpresas. Eu apenas ficava procurando um motivo maior por trás dessa comemoração. Porque além do custo, e eu tinha certeza que não havia dinheiro sobrando, eu sentia algo macabro e invisível à espreita. Uma sombra que me provocava calafrios.
Eu olhava os homens estranhos passando pelas ruas e via em cada rosto um suspeito. Em cada olhar, eu enxergava uma tragédia.
Cada gesto ou movimento mais rápido das pessoas nas ruas, me deixava em alerta. Como se alguém estivesse me seguindo, e pudesse estar em qualquer lugar.

Pare Liza. Você está paranoica.

Talvez fosse verdade. Mas assim que chegamos ao Palace of Fine Arts, a sensação piorou. Cresceu ao ponto de me deixar com falta de ar. E eu reconhecia o incômodo.

Algo ruim se aproximava. Como acontecia a cada véspera de aniversário.
Ninguém sabia disso. Porque eu não tinha coragem de contar. Obviamente, porque eu também não compreendia o que era aquela presença. Fria. No escuro.  

A Sombra (Completo)Where stories live. Discover now