Sim. Tio Joe precisa se alimentar de carne humana, por isso é sempre ele que eu chamo para limpar a cena do crime, e ele faz bem o serviço, nunca foi encontrado sequer um osso que deixei para ele dar fim. Como sequela da experiência de tia Flora, ele ganhou uma fala enrolada e um andar meio cocho, mas ainda é um homem bonito, com seus olhos azuis e seu cabelo dourado, ele aparenta estar na casa dos quarenta, tem um físico em dia e sempre está com alguma namorada, embora fale pouco, e nunca comente sobre o ocorrido...

Ah! Eu me esqueci de dizer, meu nome é Solene Lavorinni. Eu sou uma mercenária!

***

- Comida para o Joe? - foi à primeira pergunta de tio Joe enquanto se aproximava com um sorriso brilhante no rosto, olhei para Fred que vinha logo atrás, esse estava com um ar sério e preocupado.

- Não Joe. Dessa vez todos viraram churrasquinho. Nada de comida! - respondi quase sem folego, fingindo tristeza enquanto ele me pegava no colo.

- Porra Sol! Está sangrando muito - disse Fred apontando em minha direção, eu sentia que iria desmaiar, mas precisava ser forte. - leve-a para o carro Joe, precisamos chegar até a mamãe o mais rápido possível.

- Antes que eu apague... - eu falei com um sorriso de está tudo bem - ...Tem veneno no meu sangue, vampiro... Raça desconhecida... - Balbuciei tentando manter a consciência. Fred não respondeu. Apenas me olhava sério, então tudo que me restou foi esconder meu rosto no peito de tio Joe.

Ele deu alguns passos, e logo chegamos ao carro de Fred, um Land Rover Discovery 4, preto. Eu olhei para tio Joe e revirei meus olhos, sabia que depois viriam os comentários de Fred, sobre você sujou meu estofado. Tio Joe apenas sorriu como se adivinhando meus pensamentos.

No caminho até nossa casa ninguém disse uma palavra. Eu sabia que assim que estivesse melhor, viria uma enxurrada de perguntas, porque fui sozinha, que fiz o serviço de graça, éramos uma família, "blá blá blá", mas não estava preocupada, fiz o que devia ser feito.

Soube que chegamos em casa, quando o carro parou e o cheiro gostoso da pizza que invadia o bairro inteiro, chegou ao meu nariz. Tio Max tem uma cantina no bairro do Bixiga em São Paulo. E passei praticamente minha infância e adolescência envolta em pizza, molho de tomate e canelones. Nossa casa fica nos fundos da cantina, e da frente para outra rua. Assim temos duas entradas, da cantina e a da casa. Um enorme e luxuoso casarão, construído na década de cinquenta. Fred desceu do carro e rapidamente abriu a porta para que tio Joe pudesse sair comigo no colo. Assim que chegamos na entrada, tia Flora já estava nos esperando, eu estava zonza e a dor era imensa, e eu sabia só de olhar para ela, que não pouparia lábia no sermão. Fui colocada na antiga chaise-longue próxima à janela, senti quando tiraram minha jaqueta preferida de couro do meu corpo, e em seguida minha regata collant foi puxada até altura dos meus seios, deixando meu abdômen exposto.

- Isso está pior do que eu pensava - ouvi Tia Flora dizer - Solene precisa parar de procurar a morte minha filha. Se continuar assim, eu e seu Tio teremos que tomar medidas drásticas e te prender no porão.

- Ainda se fizer isso mamãe, a louca daria um jeito de fugir - disse Fred em tom acusador. - Deveria ter me levado com você Sol, pior que nem foi paga para fazer o que fez. - Agora eu entendia a carranca de Fred, ele queria estar comigo na baderna toda, Fred assim como eu não dispensava uma boa briga.

-Tia Flora...veneno...aaampiro - eu queria dizer que fui mordida e que havia veneno em meu sangue. Mas as palavras saíam engroladas.

-Ela está com veneno de vampiro no sangue mamãe, precisa preparar um antídoto - Fred disse enquanto tia Flora corria as mãos sobre meu ferimento. Suas mãos eram um verdadeiro analgésico, aliviavam a dor e sanavam ao mesmo tempo. Em no máximo duas horas eu estaria curada de todos os cortes, o que me preocupava era o veneno do maldito correndo por minhas veias.

- Max..! Sei que está aí. Apareça! - Tia Flora gritou.

Tio Max nunca dava as caras quando havia problemas, e quando o problema era comigo muito menos. Sempre assistia tudo através de seu dom à invisibilidade, e eu sabia que ele estava por ali.

Estava fraca para sentir o seu sopro, mas ele era curioso demais. Ele sabia que assim que aparecesse Tia Flora o obrigaria a me dar um sermão. E ele me mimava demais para isso. Foi com tio Max que aprendi a ser quem sou, contra a vontade de Tia Flora, claro, mas ele e tio Joe ensinaram a mim e Fred usar todos os tipos de armas, lutas, e como invadir locais sem ser notada, aprendi também as melhores e piores formas de matar alguém. Eu sempre me empenhei, pois sabia que precisaria daquilo no futuro, a lembrança da morte dos meus pais ainda assombrava as minhas noites. Nós não saímos matando as pessoas sem motivo. Primeiro a grana tem que ser boa e segundo a pessoa tem que merecer morrer. Então, não adianta vir com um bilhão dizendo que tenho que matar o papa por que eu não vou.

Senti um liquido quente descer por minha garganta, provavelmente era o antídoto do veneno do vampiro. Ao contrário do que as pessoas pensam, não viramos vampiro com uma mordida. Não tem como! Vampiros nascem vampiros e humanos nascem humanos. De onde eles vem, não me pergunte, por que eu não sei. O veneno de alguns pode paralisar, ou parar o coração em questão de horas, é como a picada de um escorpião em dosagem mais alta. E aquilo estava doendo, gemi baixinho, minha visão estava turva, eu não sei como consegui manter minha consciência até aquele momento, sentia muita sede, mas era impossível dizer alguma coisa. Logo minha vista escureceu e eu desmaiei.

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