Capítulo Único

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Foi preciso um esforço fora do comum para manter uma das pernas bastante firme, para que pudesse deixar o lombo de Plotka descansar. Se pudesse, a égua até mesmo suspiraria de alívio quando Geralt pegou as rédeas novamente, finalmente decidindo guiá-la a pé. O caminho era curto, mas, ainda assim, parecia que levaria dias para ambos enfim chegarem até o pergolado central, onde Plotka estaria a apenas um minuto do estabulo e água fresca, enquanto o exausto bruxo ainda precisaria de mais para subir até a sua casa. As uvas já eram vistas há algum tempo, e trazia um certo alívio por estar em seu território, porém, por contar mais de vinte e quatro horas sem dormir, Geralt não conseguia relaxar como gostaria. O sono pesava seus ombros, e a urgência de um banho não o incomodava tanto quanto a necessidade de fechar os olhos.

Ele poderia ter parado e dormido no caminho. Uma fogueira para si e um lago para Plotka seria o suficiente para um bom descanso, porém, desde o começo do dia anterior havia algo que o cutucava para retornar para Corvo Bianco. Não era um sentimento incômodo ou que indicava perigo; só havia ansiedade para alguma coisa da qual não tinha ideia do que era. Seria a falta do bom vinho? Talvez. As pessoas? Ele duvidava. Geralt quis rir ao se lembrar das partidas de Gwent com o mordomo, mas também não era o que o motivava a arrastar as botas sujas de lama até a entrada de sua casa.

Olhos felinos se encontraram com os parecidos com os seus, logo abaixo, um pouco antes de alcançar a porta de madeira escura. O gato interrompeu seu banho, alerta, e o bruxo não esboçou reação contra os pelos eriçados do animal, que levantou a pata, ameaçando-o com as unhas um pouco antes de se acovardar e sumir para a plantação de ervas. O bruxo apenas o acompanhou com o olhar, mas não houve muito interesse desde o início e o pouco que o gato tivera de sua atenção fora roubado por uma fluída e confortável melodia.

Geralt se aproximou da porta, podendo ouvir as notas que vinham de um alaúde perfeitamente afinado cada vez mais altas. A música soava de dentro da casa, e por um instante a ansiedade de outrora foi acalmada, e um sorriso tão imperceptível quanto sua expressão facial se abriu ao ouvir a voz que passou a acompanhar o instrumento.

A porta foi aberta finalmente, e a figura sentada sobre a comprida mesa de jantar o fez franzir os lábios, camuflando a agitação que vinha de um lugar que Geralt gostava de deixar quieto na maior parte do tempo. As costas cobertas por um tecido fino e de cor roxa foram vistas primeiramente, para então notar as pernas cruzadas sobre a madeira de maneira despreocupada e relaxada, não se importando com os sapatos com as solas sujas encostando onde não deveria. A música continuou um pouco mais, até o bruxo fechar a porta e o mordomo da casa, deslumbrado com a balada do famoso Jaskier, endireitar a postura para cumprimentá-lo.

Geralt apenas acenou com a cabeça para o homem, para então ver o bardo se virar rapidamente e o largo sorriso de sempre voltou a cutucá-lo.

— Geralt!

O alaúde foi deixado sobre a mesa, assim como o pequeno chapéu com uma pena no topo, e Jaskier pulou para o chão. Os braços se estenderam antes mesmo de alcançá-lo, mas Geralt não desviou do forte abraço ou o retribuiu. Seu olhar levantou para o mordomo enquanto o bardo tagarelava em seu ouvido, chacoalhando-o em seus braços. O homem deu de ombros e abriu um leve sorriso após apenas mexer os lábios, dizendo em silêncio para o bruxo que seu amigo invadiu a casa sem um convite. Geralt quis balançar a cabeça de um lado para o outro, mas se manteve quieto, até os braços eufóricos soltá-lo. Não havia sido um convite, mas a presença de Jaskier não o surpreendia. Ele nunca espera por um convite.

— Você está fedendo — o bardo torceu o nariz quando deu um passo para trás. — Venha, vamos tomar um banho para conversarmos direito.

— Você fica aqui — Geralt disse de forma arrastada, sem esperanças de que seria escutado.

Um Brinde à Corvo Bianco.Where stories live. Discover now