Ligados Pelo Destino

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Maçantes anos já haviam se passado desde o épico reencontro entre Jaskier, um bardo persistente; e entre Geralt, um orgulhoso bruxo. Durante todo o período em que estiveram separados, os dias em Cintra pareciam completamente cinzas, tal como os corações daqueles dois homens. E à medida que o tempo passava-se para eles, as lembranças do poeta sobre aquele tão temido riviano partiam na mesma intensidade.

Era seguro dizer que os últimos tempos não haviam sido os mais gloriosos da vida de Jaskier, tampouco os mais felizes, então parte dele não era capaz de contentar-se com nada daquilo. Mas embora a decadência que o rondava fosse algo demasiadamente deprimente até para um velho contador de histórias como ele, sentir que uma peça insubstituível faltava-lhe em seu coração era até mais torturante do que qualquer outra desgraça que estivesse por vir.

E lá, beirando aos quarenta anos, tudo o que ele ainda possuía resumia-se apenas ao seu amado alaúde, um sentimento inacabável em seu peito e, mesmo uma inspiração escassa desolando seus dias, ele guardava as mais belas canções sobre o detentor de todo o seu amor. Deveras, aquelas coisas não eram as mais valiosas, mas para um bardo, aquilo assemelhava-se ao mais inestimável dos tesouros.

Aquela noite encontrava-se tão frígida quanto as noites anteriores, e enquanto Jaskier cambaleava por uma estrada escura e remota nos limites de Cintra, ele calmamente bebericava o líquido violeta e deliciosamente azedo de sua garrafa. O homem também perguntava-se como diabos fora parar ali, visto que só planejara uma mera noite de bebedeira ao lado de seus amigos mais queridos.

Mais adiante, já fora da cidade, notou um calor familiar entrar em contato com sua pele. Não tinha plena certeza, mas julgava ser uma fogueira recém-preparada por alguém que provavelmente sabia como era viver ao ar livre. Então virou-se para a origem daquela iluminação quase inexistente, acabando por encontrar com um intrigante homem, este que apenas permanecia ali, próximo ao fogo, tão tácito quanto um túmulo.

O moreno podia até estar cogitando a hipótese de que finalmente estava enlouquecendo, mas parte dele sentia que já havia deparado-se com aqueles grandes olhos dourados e com aquele inconfundível cheiro da morte; e era aquilo que o atraía de maneira inexplicável. Por um momento, tentou ignorar aquele sujeito carrancudo para que pudesse seguir seu rumo, mas suas pernas bambearam quando a voz grave do desconhecido soou autoritária para ele:

— Junte-se à mim, senhor. — Propôs, simplesmente. — Ou por acaso está temeroso em relação às minhas verdadeiras intenções?

— Acredite, meu caro; um desconhecido com más intenções não é páreo para um bardo, se comparado aos demônios que ele precisa controlar.

Geralt encarou o sujeito que ainda permanecia na estrada, e por um breve momento, perguntou para si mesmo o que havia feito Julian Alfred Pankratz, aquele grande poeta, desistir de aborrecer os outros com a sua adorável cantoria. Imaginou que talvez pudesse ter sido uma crítica insensível, ou uma epifania de que as suas canções eram de fato como comprar uma torta e notar que não havia recheio algum. Mas de todas as questões que lhe afligiam, a resposta mais deprimente era também a mais provável: ele havia perdido a sua inspiração.

O acastanhado então decidiu por sentar-se ao lado do homem, mas nenhuma palavra ousou fugir de sua boca. Apenas continuou observando atentamente cada movimento do bruxo, este que agora cortava bruscamente algumas tiras de bacon acima da fogueira. Talvez o moreno não fosse o mais talentoso em distinguir as emoções alheias, mas ele sentia que o bruxo carregava certo ódio em seu peito; e diferente de todos os tipos de ódio, aquele era nutrido pela mais dolorosa perda.

— Sua insatisfação parece evidente, senhor. — prosseguiu o bardo. — Por acaso há alguma desilusão que queira partilhar?

— Acho que estou amando alguém que desconhece a minha existência.

— Então concordamos que existe uma certa tristeza em amar alguém além de si mesmo. — replicou. — Raramente as coisas acontecem da forma que desejamos, e isto também funciona para o amor.

— É difícil conformar-se com isto, visto que tudo ao seu redor tem o poder de despertar as boas lembranças. — lamentou-se. — Agora tudo se foi, e espero que meu amor se esvaia junto. Será a melhor forma de suportar os muitos anos que terei pela frente.

— Me parece uma boa história; melancólica o bastante para uma canção.

— Os bardos cantam histórias, certo? — As palavras do bruxo soaram roucas. — Então onde diabos enfiou o seu alaúde?

— Não que seja da sua conta, senhor, mas a inspiração não bateu em minha porta nestes últimos tempos. Portanto, minha vida tem se resumido a encher a cara em tabernas sujas e me contentar com o fato de que existem pessoas tão fracassadas quanto eu.

— Por acaso possui alguém como inspiração? Um grande amor, talvez...

— Se eu tinha, não consigo me recordar. — Disse o moreno. — Há alguns anos, irritei uma feiticeira que parecia impiedosa demais para alguém que assemelhava-se a um anjo, e um feitiço fora jogado sobre mim. Só lembro-me que memórias importantes me foram roubadas, e tudo o que tenho são canções sobre o possuidor dos mais belos e flavescente olhos que um dia eu já vi.

Naquele momento, as íris do bruxo tornaram-se brilhantes como ouro. Ele não sabia o porquê, mas costumava acreditar que os seus sentimentos eram a causa de tal evento. Então Jaskier inclinou-se à frente, colando seus lábios secos aos lábios úmidos do bruxo. Aquele havia sido um ato perfeitamente instintivo, mas nenhum deles hesitou, nem mesmo por um segundo. O poeta, pela primeira vez em tanto tempo, sentia um amor imensurável arder em seu coração. E foi durante aquele mero beijo, sob a luz suave da lua, que ele lembrou-se da peça insubstituível que faltava em sua vida.

Lembrou-se não só de quem era Geralt de Rívia, como também de seu incomum sorriso, de seu suave toque, de seu doce beijo. Pensou em como estava plenamente equivocado sobre algo, afinal. Aquele amor, do qual ele nem ao menos se lembrava, poderia quebrar até mesmo o mais vil dos feitiços; e agora que possuía a certeza de que tal sentimento era algo mútuo, ele não poderia pedir por nada mais.

— Estou certo de algo, carniceiro... — Revelou Jaskier, enquanto pousava a mão no peito coberto do mais velho, sentindo a pulsação lenta que brotava de seu coração. — O destino reservava algo para nós dois, e embora nosso amor houvesse sido a nossa grande ruína, ele também fora a chave para que tornássemos a nos ver.

O bruxo pousou a sua mão sobre aquela face que ele há tempos desejava rever. O bardo sentiu o seu coração palpitar de uma forma que ele particularmente dera por falta, e notou que aquele toque lhe seduzia como se ainda fosse um jovem apaixonado. Tal sensação, até então esquecida por ele, era causada somente por aquela bela criatura de cabelos acinzentados que permanecia à sua frente.

Pessoas ligadas pelo destino sempre vão se encontrar, Jaskier...

Vale AbundanteWhere stories live. Discover now