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CONTRATEMPOS
AYLA

Minha mãe chega, joga algumas pastas e sua bolsa no banco de trás, e dá partida no carro.

Infelizmente, eu tenho essa necessidade ridícula de sempre buscar palavras, não com todo mundo, apenas com minha mãe. Chamem de tentativa de comunicação ou de chamar atenção, tanto faz. Eu apenas continuo tentando mesmo depois de todas às vezes em que estive muito animada e ela me pediu para falar mais baixo, das que estava muito triste e ela dizia que era coisa do momento e das vezes em que nunca tinha assunto e falava algo para irritá-la; mesmo que a cada conversa eu sempre termine frustrada de alguma forma, eu não consigo segurar a língua, não consigo apenas ignorar como ela faz. Quero saber que me ouve, mesmo que seja para me mandar calar em seguida.

Eu sou uma adolescente estúpida e sempre digo coisas idiotas, talvez seja isso.

- Que sorte tem o Raul por estudar a tarde. - Os segundos que se passam me faz sentir que estou sendo ignorada, então apelo. - Você poderia ter tentado isso por mim.

- Sorte mesmo, são apenas quatro anos para ele não precisar mais ir à escola- diz sarcástica e doa-me um sorriso rápido antes de voltar-se para o trânsito. - Você sabe que o Ensino Médio em turno vespertino é algo impossível. Você poderia ter feito a busca se era o que queria. - Ela vira a esquina. - Tenho coisas mais importantes para me preocupar.

Com isso, seguimos para o colégio em um silêncio eterno.
Pego meu Smartphone e fones de ouvido na mochila, iniciando uma das minhas Playlist de rock, esta nacional.

Eu realmente não sei o que esperava dessa conversa e não sei como justificar meus argumentos aleatórios, superficiais e infantis, sem parecer uma garota ruim. Esse é o jeito dela, e ela tem todo direito de tê-lo, assim como eu, mas... Eu não sei, talvez ela esteja mais que certa e eu precise entender que cresci, entender que nem tudo é como eu quero ou preciso. Eu já deveria ter aprendido isso, certamente. Mas, caramba, ouvir que você não é tão importante quanto algo é para sua mãe, dói.

Após algumas paradas no sinal vermelho, percebo que estacionamos. Agarro minha mochila, mas antes de eu descer, minha mãe pergunta:

- Acha que preciso ir até lá?

Eu sou nova aqui, como saberia?

Ela não quer ir e está atrasada. Sou uma péssima filha, mas não quero que ferre seu dia por mim.

- Não, acho que não. Provavelmente, eu vou entrar na próxima aula. Ah, e você precisa ser mais delicada nas paradas - brinco, torcendo para que não note o quanto estou nervosa e me pego com os dedos tremendo ansiosos no bolso do casaco.

Eu sorrio. Eu estou bem, é isso o que eu quero que ela veja, que todos vejam. Se um dia ela piscar e decidir se preocupar novamente, ela vai me encontrar bem dessa vez.

- Para você terminar de acordar, querida. - Ela pisca para mim, porém, depois de seus olhos encontrarem meus cabelos, diz: - Próxima vez acorda mais cedo para pentear esse cabelo.

Reviro os olhos e saio do carro.

- Boa sorte lá no escritório.

Simultaneamente, assim que bato a porta, ouço seu resmungo porque foi forte demais.

Eu penteei o cabelo... Será que tá muito ruim? Merda, estava bacana quando olhei no espelho!

Depois de vê-la ir, passo pelos portões de grade e fico encantada com a dimensão estendida por grama ao meu redor e o prédio enorme à minha frente. Pelas imagens que pesquisei na internet, sei que ainda não estou realmente dentro. Procuro pela entrada ou um local de informação e, mais a frente, encontro um bloco quadrado com as siglas da instituição destacadas no topo. Sigo adiante e aproveito para guardar o celular e os fones no bolso de trás da calça, ouvindo o barulho abafado que só muitos adolescentes reunidos fariam vindo de dentro do colégio.

Quando meu olhar sobe de volta, meus passos são cessados instantaneamente.

Ao lado da grande porta dupla descrita como a entrada e com um celular na mão direita, um garoto alto de cabelos inegavelmente pretos com as pontas ligeiramente onduladas pendidas sobre sua testa e a postura de tornozelos cruzados à frente, prende toda minha atenção.
O uniforme me diz que é um aluno. E, uma observação extra: ele fica muito bem vestido nele.

Hum... Pelo que vejo, não sou a única atrasada.

Saio de meu devaneio extremamente desnecessário quando me flagro mordendo o lábio inferior que insiste em estender um sorriso. Eu sei exatamente o que isso significa. E que caia os céus se eu não curti isso!

Que caia na minha cabeça!

Vou para a sala ao lado, indicada por uma placa como a recepção. Assim que entro, deparo-me com uma simpática senhora, possivelmente na meia idade e que carrega consigo um sorriso contagiante. Como ainda pode sorrir trabalhando o dia todo numa sala com o interior tão sem graça?

- Não me recordo de tê-la visto nos anos anteriores, - aponta ela, voltando para seus papeis, mas continua a falar - o que me faz crê que seja novata, porém é incomum se atrasarem no primeiro dia.

- É, sou novata - digo eu, agradecendo mentalmente por seus olhos não estarem em mim. - E a minha justificativa é que os contratempos do cotidiano são uma mer... - Me calo.

Garota, coloca essa cabeça no lugar e conversa igual gente. As palavras que meu irmão mais velho costumava usar para me repreender aparecem em minha mente. William é um rabugento, mas sempre foi mais civilizado que eu.

- Desventura. - Me corrijo. - São uma grandíssima desventura, não concorda?

- Não posso discordar. - Ela suspira, abandonando seus papeis e me dando sua atenção. - No que posso ajudar?

- Informações seria uma boa - digo e me aproximo mais do interior da sala. Definitivamente, faltam cores nessas paredes. - Algo como o que fazer ou para aonde ir, acho.

- Certo. Vamos fazer assim: sou a senhora Wilson. Qual seu nome, querida?

- Ayla Souza.

Ela se vira e verifica algumas fichas empilhadas nas prateleiras em uma organização invejável, dividida por cores, numerais e letras, e então abre uma pasta.

- Sua próxima aula será no segundo andar, terceira sala à esquerda do corredor seis. Poderá entrar assim que tocar o próximo sinal.

Sem punições? Legal! Começamos bem.

Como se entendesse minha expressão, ela informa: - As transgressões dos primeiros dias são relevadas. Use esse tempo para se acostumar ao nosso regime, senhorita Ayla, pois as regras serão cobradas como devem logo mais. - Ela me estende sua mão. - Pegue, são as chaves do seu armário e a sua grade de horários.

Assim como ela diz, eu faço e guardo no menor bolso da mochila.

- Espere no portão e tenha um bom dia.

- A senhora também.

Eu iria embora, mas meus olhos caem diretamente no desastre que o seu lenço de cor pastel se tornou. Eu não posso ir e deixá-lo assim. É tipo um crime!

- Gosta de lenços? - pergunto, apontando com as sobrancelhas para seu pescoço, onde o tecido está.

- Sim, por quê? - Talvez ela tenha muito trabalho e eu esteja atrapalhando, mas...

- Posso dar uma sugestão? - Ela assente, me olhando como se fosse uma completa estranha, ou uma grande pé no saco, depende da percepção.

Vou até ela, pego o seu lenço e o dobro um pouco, depois coloco ele pela nuca da senhora Wilson e, após um ou outro detalhe, finalizo com um nó lateral.

- Fica lindo assim - elogio.

- Oh, sim! - diz ela, olhando num espelhinho de maquiagem. - Ficou do jeito que eu queria antes de me estressar e desistir. - Ela ri. - Obrigada.

- Por nada - digo, já saindo. - E obrigada pela sua ajuda, senhora Wilson.

- Imagina... - diz modesta, com um sorriso que eu certamente me culparia se não correspondesse antes de sair da pequena sala.

As mil melodias que cantei por você [Em Atualização]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora