A TEMPESTADE (PARTE 1)

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A TEMPESTADE (PARTE 1)

Do alto da Torre de Observação, como assim ele denominava aquela armação precária de madeira, ferro retorcido e um emaranhado de cordas, a qual construíra no final do verão passado com o propósito de acompanhar o rompante derradeiro das cotovias em bando, Milus observava as pesadas e volumosas nuvens escurecerem o horizonte ao redor, para onde quer que se mirasse. Com os olhos semicerrados, tinha os cotovelos apoiados sobre o parapeito da janela selada e as mãos postas em pás acima dos olhos, para melhor discernir a formação que se alargava. Dali, também, tinha a mais privilegiada vista da cidadezinha esquecida nas proximidades da Chapada Diamantina, interior da Bahia.

Um lugarejo crescido por desobediência no centro de um vale cercado por formações rochosas e altaneiras. As casas se espalhavam até as encostas das serras e não se atreviam a subir, pois, contava uma lenda local, toda aquela cadeia de montanhas que cercava a cidade, afundando-a numa espécie de bacia geológica, era, em verdade, uma gigantesca serpente adormecida e que, caso um dia fosse perturbada, despertaria do seu sono profundo para a destruição completa do lugar. Havia quem não emprestasse qualquer crédito para a tal história, contudo, ainda assim, preferia respeitar.

Uma lufada poderosa de vento apunhalou com voracidade a Torre de Observação do velho Milus e ele esforçou-se para se manter de pé dentro do quadrado de três por três sem que desse com a cabeça nas paredes de madeira puída. O tempo só vai piorar, pensou ele, recolhendo seu material de análise – binóculos, bússola e um aparelho celular da geração passada – e pondo-se a descer as escadas de degraus falhos da Torre. Antes que estivesse abaixo demais, olhou mais uma vez por sobre os ombros e percebeu que as nuvens agora já tinham coberto todas as serras ao redor, tornando-as de um cinza opaco e impenetrável. Constatou, por fim, que para lá já chovia torrencialmente. Um calafrio percorreu-lhe a extensão do corpo e, num ato reflexo, levou a mão a um pequeno crucifixo que trazia preso no alto do pescoço. Uma vez no chão, apressou o passo em direção à sua casa, poucos metros longe da Torre.

A casa tinha sido construída em cima de uma pequena serra dentro da cidade por seu avô muitos anos antes, quando a urbe ainda ostentava com muito orgulho a alcunha de vila. Com varandas largas que a circundavam por completo, a casa era uma edificação portentosa que se assemelhava, em estilo, às casas-grandes dos engenhos do período colonial. Na sua entrada, uma escadaria com corrimões laterais de alvenaria trabalhada levava os visitantes para a varanda frontal, de onde se tinha uma deslumbrante vista de toda a cidade alguns metros ladeira abaixo.

Milus entrou pela varanda aos tropeços, a respiração entrecortada soando alta aos seus ouvidos. Esbarrou em Lucélia assim que cruzou o umbral da grande porta dupla que dava acesso ao interior da casa. A cozinheira boleou, mas não caiu, mantendo-se segura às cortinas atrás da porta, com o rosto em pânico.

- Lucélia, recolhe os bichos – Milus deu a ordem, jogando o material de observação sobre a mesa e correndo em direção ao telefone. – Vem chuva grande por aí.

***

(Transcrição de trecho extraído de uma manchete de jornal local. O conteúdo total do artigo deteriorou-se).

DIÁRIO DA CHAPADA

JOVEM CRIPTOZOÓLOGA ENCONTRA VESTÍGIOS DE CRIATURA LENDÁRIA.

“DIAMANTINA, abril de 2008. Nora Salgado Mendonça, 26 anos, pesquisadora com trabalhos publicados internacionalmente, encontrou nesta terça-feira (22/04) vestígios do que parece ser uma criatura lendária descrita em relatos folclóricos na região da cidade de Diamantina, a 365 km da capital do estado.

Por muito tempo, acreditou-se que tal ser não passava de um mito narrado pelos moradores da localidade e perpetuado através das gerações por meio da tradição. Entretanto, a descoberta da jovem criptozoóloga leva a acreditar que a criatura de fato existiu, conforme esclarece a própria pesquisadora: “Ouvi essa história contada pelos meus pais e meus avós, até mesmo no colégio costumavam falar sobre a lenda. Por isso, ainda não acredito que posso ter descoberto a sua base científica. Isso pode romper as barreiras do que é real e do que é fictício. Afinal, as lendas são histórias verdadeiras que, com o tempo, as pessoas deixam de acreditar”.

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⏰ Última atualização: Dec 30, 2014 ⏰

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