A Gueixa de Azuchi-Momoyama

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Já era fim de tarde quando interrompi o funcionamento rotativo dos pneus do meu carro frente à bela locação. Um prédio pequeno, com três andares. Com detalhes em madeira. Um lugar que me lembra a antiga casa da minha avó.

Apesar de ser apenas 17 e pouco da tarde, o céu já está mais que negro. As nuvens do inverno gaúcho não permitem nem uma fresta de luz. Nada de quente se propaga sobre o telhado cinzento, massivo e negro de nuvens, ou através os -4ºC de lá até o chão.

Calcorreei nos degraus de madeira até a entrada da porta, logo ao lado da rampa para acesso dos cadeirantes. No letreiro prateado pregado na bela construção de madeira do hotel-pousada, erguia o nome do local: Karliene's. Olhei duvidoso para o nome; um do tipo incomum, de fato. Passei pela porta de vidro que logo vedou todo o ar gelado para fora do local. O vapor quente do aquecedor resvalou em meu rosto e aqueceu meu corpo.

A recepção era um local aconchegante por si só.

Do tipo que dá vontade de se sentar, olhar para a neve que cai do lado de fora e beber uma boa xícara de chá ou chocolate enquanto devaneia nos pensamentos, ou nas páginas de um bom livro. E não que um ou outro não fizessem. Uma senhora em um longo vestido lilás parecia entretida na tela de seu celular, rindo enquanto ostentava nos dedos finos e de unhas pintas, a caneca preta exalando a névoa quente emanada da bebida.

Do outro lado, também havia um local isolado da própria recepção, mas ainda dentro de um compartimento de vidro bem aconchegante, com poltronas e uma máquina de café. Um espaço para os fumantes. E um grupo de homens faziam um bom uso dele; entre tragadas e conversa sendo jogada fora, o fumódromo parecia até mesmo aconchegante. Apesar de toda a fumaça acinzentada e cancerígena alçada no ar. Corri para o belo e imponente balcão de madeira, reparando como o lugar parecia uma construção secular, imortalizada na beleza da madeira. Pau-brasil, eu chutaria.

— Bom dia! — Saltou-me em um sorriso, a mulher que saiu de uma porta após eu acertar a pequena campainha com um leve estapear. Alta e de cabelos em longas mechas castanhas, em um vestido felpudo, branco como a neve. De lábios coloridos em um leve tom que quase mesclava a sua levemente — curiosamente — bronzeada.

— Bom dia. Um quarto, por favor.

— Pois não. — Seu sorriso inquebrável resvalou ao meu tão acanhado, enquanto dedilhava sobre o teclado do computador. Uma das poucas coisas tecnológicas a vista. — Tem preferência de andar? Estamos com bastante vagas, então talvez consigamos um andar específico.

— O primeiro seria incrível. Pretendo passar um bom tempo aqui no hall, e sou preguiçoso como uma lesma.

— Sou igual. — Aumentou a largura de seu sorriso. — Perfeito. Identidade, por favor. — Ela analisou e me cadastrou com simplicidade e rapidez. Com a chave enumerada em mãos, me prontifiquei a ida ao meu novo quarto pelos próximos dias.

Quando vim a esse inferno com minha namorada, dias atrás, não sabia que teria que me alojar em um lugar como esse. Depois de uma longa e poderosa briga, algumas ofensas e palavrões usados como se fossem vírgulas, terminamos. E eu queria sair do hotel onde estávamos com tanta velocidade, quanto neguei a ela, que deveríamos ter vindo para esse cu de mundo congelado. Avisei que seria uma péssima ideia.

Carreguei minha mala para dentro, percorrendo o assoalho de madeira e me aconchegando no interior aquecido e regulado. Todo o lugar era um tanto sofisticado e tecnológico, mas deixava escondido dos olhos, para provocar essa boa sensação de tempos antigos que ainda vivem nas paredes e chão de madeira. Marrom, canela e castanho. Havia subido pelo elevador de ponteiro antigo para demonstrar o andar, revestido de madeira e detalhes em metal folheado a ouro. Com espelhos e algumas pequenas luzes fracas aos cantos. No quarto, de vista só o termostato tinha algum nível elevado de tecnologia, saltando dos abajures, solfares e mesinhas antigas. Além de uma bela tevê ostentada em uma das paredes.

O Gato (Conto de Terror)Where stories live. Discover now