Investigações de Escrita #01

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por Ana Terra


São Paulo, 21 de junho de 2020

Eu sou uma das 13 pessoas obedecendo o isolamento social em São Paulo nesse momento. Se você também faz parte desse restrito grupo, meus parabéns.

Diante de 50 mil mortos pela pandemia - sem pesar as subnotificações - isso não pode ser exatamente uma reclamação. Afinal, o governo federal, bem como os governos estadual e municipal, me disseram que não tem problema algum em sair na rua. Com álcool em gel e máscara, tudo se resolve. Mantenha o distanciamento: dois metros são suficientes...

Irônico pensar que o resto do mundo tomou essas precauções em excesso, não é mesmo? Não dá pra ver muito sentido na Nova Zelândia, por exemplo, que esperou dez dias sem novos casos, para finalmente reabrir os fluxos da ilha. "Jacinda exagerou" é o que diz os governos no Brasil. Mas como eu dizia, sou uma dessas brasileiras que ainda acha que a OMS apita alguma coisa, e que, portanto, vai completar cem dias de isolamento essa semana. Talvez eu até faça um bolo.

Esse isolamento me fez pensar muito sobre o meu papel no mundo, a minha ocupação profissional, como eu invisto meu tempo. Caso você não me conheça, eu sou roteirista e, portanto, escrevo pra pagar boleto. É claro que eu não escrevo como uma escritora, afinal, o que eu construo são roteiros, guias, materiais que servirão para orientar e não textos com valor literário. Boa parte dos roteiristas vai torcer o nariz pra isso. É uma realidade difícil de encarar mesmo. Nós passamos a vida tentando provar para os outros o nosso potencial artístico, expressos por meio da nossa sensibilidade, da nossa reflexão, da profundidade com que, aparentemente, lemos o mundo. Então não é lá muito fácil nós apoiarmos os argumentos que a priori nós queríamos refutar. Mas, no final, é isso mesmo, não passamos de cartógrafos de histórias. Isso não nos tira valor, mas também não nos dá.

Encerrados dentro dos nossos ofícios, das nossas rotinas, do nosso apartamento, nós esquecemos como dar o passo para além de nós mesmos, deixamos de lado essa dolorosa vivência da troca de pele que é, me parece, o único meio que encontramos para obter perspectiva, essa coisinha tão delicada que vive no limite da loucura e da consciência, da imensidão e do foco, da angústia e da calma. Mas é isso: sair de nós e pensar no outro ainda parece ser a única alternativa. Entender que fazer um filme não é apenas escrever um roteiro ou que manter o outro saudável talvez não seja apenas usar uma máscara de algodão colorida.

Não, nada disso é resposta pra qualquer coisa.Mas eu sempre me interessei muito mais pelas perguntas mesmo.

Investigações de Escrita #01Where stories live. Discover now