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Era dezembro e o clima frio predominava na cidade, a neve caia em pequenas quantidades mas ainda sim as calçadas estavam branquinhas, era como um pequeno globo de neve que havia sido sacudido.

E entre as ruas cheias de neve, se encontrava Bora. Com sua bolsa desgastada e um cachecol antigo em volta do pescoço andava apressada, fugindo do ar gelado da manhã. Seus cabelos castanhos escuros voavam fazendo suas orelhas gelarem, ignorou esse incômodo e seguiu seu caminho.

Bora não era pobre, mas sua condição não permitia comprar roupas e acessórios a todo momento. Provavelmente todos naquela cidade conheciam o casaco que ela usava, um bege com um botão marrom faltando, também conheciam a sua bota cor caramelo assim como o cachecol que devia ter mais anos de vida que ela.

Seu trabalho lhe garantia uma renda mínima para pagar seu apartamento minúsculo, pagar as contas e se alimentar. Bora trabalha em uma livraria, não era ruim mas não era seu trabalho dos sonhos. Gostava de artes, quadros e pintores famosos, poderia passar o dia falando sobre seu amor pela arte.

Os quadros despertavam memórias de tempos bons para Bora, cada quadro visto eram como lembranças que voavam soltas em uma sintonia alegre assim como as suaves notas de um piano.

Era como se um muro entre ela e os todos seus problemas surgisse quando observava as diversas obras com significados tão bonitos e as vezes sombrio, sentimentos ruins iam embora e os novos traziam inspiração e contentamento.

E agora, Bora caminhava em direção ao seu sonho, quadros e mais quadros, desde Picasso até Van Gogh. O Museu em formato espiral chamava atenção de quem olhasse se fora, todo branco e sem janelas, um ar moderno e enigmático. Dentro, apenas o teto era feito de vidro, a garota costumava pensar que "o teto é de vidro para que Deus conseguisse ver todas as obras lá do céu".

Bora empurrou as portas de vidro entrando no prédio com formato divertido. Não havia muita gente e isso facilitava para a garota se locomover entre as paredes brancas do lugar. Desviou-se dos guias do local e subiu a rampa da espiral tranquilamente, o único rastro que deixava era o barulho do salto baixo de sua bota contra o chão de mármore.

Virando para um corredor completamente vazio ela andou calmamente sorrindo mínimo. Sentindo-se em casa ela olhava as obras lembrando-se que conhecia cada uma daquelas obras, estava na ala de Picasso. As mais diversas obras espalhavam-se pelas paredes, os mais diversos períodos da arte, desde o Cubismo até a Arte Moderna.

Bora foi até um canto onde se encontravam as obras do seu movimento preferido, o Surrealismo. As obras de Pablo Picasso fizeram parte da maior mostra sobre Surrealismo já realizada na América Latina. Afinal, o mestre espanhol foi um dos fundadores e o maior representante de outro movimento, o Cubismo. Naquela ala, espalhadas pela parede cinza claro estavam as mais diversas obras de Picasso, como: Guernica, As Três Dançarinas, Mulher no Espelho, O Beijo, Maya com Boneca, A Mulher de Cabelos Amarelos entre outras.

Bora caminhou até o fim do corredor e parou de frente para sua obra preferida, A Mulher de Cabelos Amarelos.

ㅡ É o meu quadro preferido ㅡ Uma voz proferiu fazendo Bora se assustar ㅡ Perdão, não queria assusta-lá.

ㅡ Tudo bem ㅡ Bora sorriu simpática olhando para o lado de onde a voz veio.

Seus olhos se encontraram com os olhos negros de uma mulher bem vestida com um uniforme. Ela vestia uma blusa social e por cima um termo e no lado direito do seu peito havia um crachá de prata escrito Lee Siyeon. Estava com um coque mas mechas de seu cabelo caiam sobre seu rosto.

ㅡ Sou Kim Bora, pode me chamar de Sua ㅡ Se apresentou e fez uma reverência. Siyeon corou, ela está flertando consigo? O apelido de Bora era realmente duvidoso.

ㅡ Lee Siyeon, sou a guia dessa ala ㅡ Siyeon disse e sorriu - Conhece a história do quadro? ㅡ Ela perguntou apontando para o quadro da frente e Bora assentiu.

ㅡ Picasso estava casado, mas acabou se apaixonando por uma jovem de 17 anos, Marie-Thérèse Walter. Eles tinham 30 anos de diferença mas isso não atrapalhou os amantes que mantiveram o amor escondido ㅡ Bora contou sem tirar os olhos do quadro.

ㅡ Ele escondia as iniciais dela por algumas de suas pinturas, mas certamente, Picasso não estava pronto para ser de uma só. Então ele deixou Marie-Thérèse por Dora Maar, assim como tinha deixado sua esposa Olga por Marie-Thérèse. Mas Marie nunca deixou de amar Picasso, ela se enforcou após a morte dele ㅡ Siyeon completou com um sorriso mínimo no rosto.

ㅡ Ela amava tanto Picasso e no fim das contas, ele não a amava - Bora suspirou tristonha ㅡ Porque é seu quadro preferido? ㅡ Ela mudou de assunto antes que as lágrimas caíssem de seus olhos.

ㅡ Gosto da harmonia dele, esse quadro é a continuidade das linhas, se reparar no cabelo, o amarelo junta-se ao rosado do braço e este continua interligado com o outro braço. A mulher, a mesa, a imagem como um todo se define sem fortes marcas delimitadoras, passando uma levesa e uma comunicação mais eficiente de todos os elementos presentes ㅡ Siyeon respondeu olhando para Bora ㅡ E você?

Bora se sentiu levemente incomodada, os motivos da guia gostar do quadro eram belos e fazia Bora ficar um pouco envraivecida por não saber palavras tão inteligentes quanto as de Siyeon para explicar a obra. Passava tanto tempo apenas olhando para o quadro refletindo sobre como sua vida se assemelhava a de Marie que esquecia como a obra era preciosa contendo amor, mesmo que passageiro, em seus traços.

ㅡ Acho que me identifico com a Marie ㅡ Bora disse baixo ㅡ Ela sofreu tanto por uma cara que na real nem amava ela de verdade e mesmo depois de ele ter trocado ela, ela continuou amando ele, vivi uma coisa parecida com isso. Mas não me enforquei ㅡ Ela disse e riu fraco.

ㅡ E você ainda ama ele? Seu ex? ㅡ Siyeon perguntou olhando nos olhos de Bora.

A expressão do olhar de Siyeon revelava mais verdade e sentimento do que as próprias palavras.

ㅡ Não mais ㅡ Bora desviou o olhar e sorriu pequeno.

"O amor tem sutilezas que apenas o olhar revela"
ㅡ Autor desconhecido.


restart?

 Marie-Thérèse Walter 「suayeon」Onde as histórias ganham vida. Descobre agora