Claro, não contaria para qualquer um, já tinha ensaiado o que diria às meninas diversas vezes, mas nem toda a prática do mundo era capaz de ocultar o turbilhão que ela estava sentindo naquele momento. Deu uma mordida generosa em seu cookie para controlar a ansiedade.

Respirou fundo. Abriu o Telegram. Encontrou o grupo.

A Corte das Quatro Rainhas estava quieta já havia um tempo. Era um padrão do grupo, as meninas costumavam falar mais quando havia algum drama iminente. Verdade fosse dita, a Corte estava silenciosa já havia mais de um mês.

Bem, aquilo estava prestes a mudar.

Passou algum tempo oscilando entre digitar a mensagem e beber seu frappuccino tamanho desespero emocional. Por fim, isso foi o que ela enviou:

"Gatas, já tem um tempo que estou segurando algo importante, mas preciso compartilhar com alguém que não vá me julgar e possa me ajudar... Já faz um tempo que eu tenho conversado bastante com esse menino que mora no interior, nos conhecemos por conta de amigos em comum, jogando e tal, o nome dele é Alexandre. E a gente se dá muito bem, conversa bastante e tal, temos uma sintonia boa."

"Isso já vem rolando tem um tempo, e eu me peguei meio que preferindo jogar e conversar com ele do que com o Rica. Quer dizer, não seria estranho já que os horários dele são bem diferentes dos meus. E o Rica mesmo não se importa, não é novidade que tenho amigos em cidades diferentes, a vida toda fui assim, e o Alê é meio que só mais um nessa lista."

"Mas a questão é começou a rolar um flerte de leve nessas últimas semanas, e eu não liguei. Eu me convenci que era na brincadeira e que estava tudo bem. Mas eu deixei. E eu retribuí..."

"E agora eu tenho um crush ☹"

Enviou todas as mensagens sentindo que suava frio. Agora não tinha como voltar atrás. Tinha contado a história da maneira mais genérica possível, mas com todos os detalhes que eram importantes. Agora era uma questão de esperar para ver o que as meninas diriam.

Ela não achava que seria julgada, não da maneira como pessoas que não fossem suas melhores amigas a julgariam. Mas, mesmo assim, estava morrendo de medo.

Agata havia passado a vida toda sendo uma defensora fervorosa da fidelidade em um relacionamento. O fato de que uma pessoa está infeliz em uma relação não dá a ela o direito de trair o companheiro, isso deveria ser óbvio. Já soubera de diversas histórias onde os envolvidos diziam as conhecidas frases como "simplesmente aconteceu" ou "nada disso foi planejado", e isso sempre lhe soara como besteira.

Não que os eventos não pudessem ser inesperados, claro que podiam. Mas ela não acreditava que uma pessoa pudesse ser cega o suficiente para não enxergar que o que estava fazendo era errado.

Trair é errado. Ponto. Preto no branco.

Não aberto a discussões.

...

Não é?

E ainda assim, ali estava ela. Colocando em palavras em uma mensagem o que custava a admitir para si mesma: que tinha sentimentos por outra pessoa. Não da mesma maneira que tinha sentimentos pelo Rica, é claro. Quer dizer, eles tinham passado por muita coisa juntos, e ela não poderia esperar que uma atração fogo de palha pudesse ser comparada aos anos de relacionamento estável e planos sólidos que tinha com o namorado.

Concentrou-se em devorar o que havia restado do cookie enquanto esperava que uma das meninas aparecesse online. Pareceu transcorrer uma eternidade até que os dizeres "Lilian está digitando..." apareceram em sua tela.

"Caralho, gata, não deve ter sido nada fácil colocar isso pra fora, parabéns por isso! E como você está se sentindo?"

Não conseguiu evitar dar um sorriso. Nada era tão Lili quanto parabenizar uma atitude moralmente correta, mais uma evidência de que o curso de psicologia era uma excelente escolha.

A última pergunta, no entanto, estava bem longe de ser fácil de responder.

Como ela estava se sentindo sobre isso? Bem, ela sabia, mas aquele era outro pedaço de informação que ela relutava em colocar para fora. Era parte da razão pela qual ela havia relutado tanto em falar sobre o assunto em primeiro lugar. A partir do momento em que decidira contar a história, havia tornado tudo real.

Dolorosamente real.

Havia uma parte dela que desejava ardentemente que tudo aquilo simplesmente passasse. Que fosse só mais uma amizade onde alguns elogios surgem de vez em quando, mas são inofensivos. Desejava que não estivesse fazendo nada de errado, mas havia literalmente uma pasta cheia de evidências contra esse pensamento. Se achasse de verdade que não havia nenhum mal naquilo, a pasta não seria secreta e não teria uma senha de acesso.

A teoria era bastante simples. Mas, na prática, a teoria é outra, como Mada adorava dizer. Ela sempre acreditou que estava em um estágio estável da vida em que o próximo passo era óbvio. Residência, casa própria, um milhão de gato e, claro, casamento quando achasse que chegou a hora, por que não? E até algum tempo atrás, o casamento com Rica parecia a opção lógica.

Mas aparentemente a lógica havia pulado da janela tinha muito tempo, ela apenas não percebera. Quando fora o momento em que estivera tão aberta a algo novo? Quando foi que se permitiu pensar que aquilo era inofensivo quando tudo em que sempre acreditara lhe dizia que não era? Era como se estivesse passado todo esse tempo indo em direção a um precipício com um grande sorriso no rosto, ignorando a queda iminente.

No fim das contas, a resposta não era difícil. Dizer era difícil. Mas ela já tinha começado, a verdade já tinha sido exposta e, bem, sendo muito realista, não havia muitas maneiras de evitar que a merda atingisse o ventilador.

"Me sinto uma merda ☹"

Curta e grossa, mas mais real impossível.

---------------------

Info: a cartado Louco é a primeira carta do deck de tarot. Simboliza novos começos e novaspossibilidades, um coração aberto para novos projetos. Nada acontece como oplanejado e tudo corre espontaneamente. Essa carta indica uma nova visão domundo.

You've reached the end of published parts.

⏰ Last updated: Jun 07, 2020 ⏰

Add this story to your Library to get notified about new parts!

A Roda do DestinoWhere stories live. Discover now