O Louco

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Morar na cidade de São Paulo é o tipo de experiência que apenas quem tem conhece. O trânsito caótico, os metrôs lotados, os vendedores ambulantes de guarda-chuvas que surgem apenas Deus sabe de onde toda vez que uma tempestade inesperada começa a cair. São Paulo não é apenas uma cidade, é um estilo de vida.

Um estilo do qual Agata era maravilhosamente adepta.

Estudante de veterinária e louca dos gatos em tempo integral, Agata havia se mudado para a capital no início da faculdade, onde dividia um apartamento com uma amiga de longa data, Alice, uma dedicada estudante de Relações Internacionais.

Naquele momento, ela caminhava pela Avenida Paulista, refletindo se deveria gastar uma quantidade bem razoável de dinheiro em um frappuccino. Gostava de pensar que lidava bem com suas finanças, e lidava mesmo, na maior parte do tempo. Mas quando o assunto envolvia comida, bem, quem tem forças para resistir o tempo todo, não é mesmo?

Seu plano inicial envolvia comprar uma das tapiocas maravilhosas da Dona Joana, a senhora que estava todos os dias no portão de saída da faculdade. Porém, é claro que justamente naquele dia Dona Joana havia tirado uma folga, e ela não conseguira colocar as mãos na tapioca dourada, como fora carinhosamente apelidada. Ela poderia ter ido direto para a casa do Rica, como era o combinado, mas sentia que precisava de um tempo sozinha com os seus pensamentos.

A vida era agitada, mas ela não costumava ter motivos para reclamar. A faculdade ia bem, e estando no final do quarto ano a preocupação com as provas de residência já se fazia presente. Mas ela contava com o suporte dos pais na parte financeira, o que era um imenso facilitador, além de todo o apoio moral de Rica, seu namorado.

Agata respirou fundo, decidindo que iria precisar daquele frappuccino em tamanho extra grande, e acompanhado de um cookie.

De maneira geral, seu relacionamento ia bem. E se perguntasse a qualquer um de seus amigos, a imensa maioria dizia que eles haviam sido feitos um para o outro. Tinham todo um equilíbrio na relação, planos sólidos, até a possibilidade de se mudarem e começarem uma vida juntos de fato já havia sido conversada. Era tudo uma questão de tempo e dinheiro, como era de se esperar.

Estava tudo caminhando, e ela deveria estar feliz.

Deveria.

E, ainda assim, não estava.

A fila não estava grande naquele dia, graças a Deus, e ela logo conseguiu fazer seu pedido, frappuccino e cookie, conforme o planejado. Enquanto esperava o pedido ficar pronto, puxou o celular do bolso e foi diretamente para a pasta secreta de fotos, sabendo perfeitamente bem o que iria encontrar. Tinha acessado aquela pasta mais vezes do que gostava de admitir nos últimos tempos.

Ninguém além dela sabia que aquela pasta existia, e ainda assim, o mero sentimento de tê-la no celular era desconcertante. Quer dizer, aquilo não deveria existir. Deus, nada daquilo deveria existir, a pasta era só a ponta do iceberg.

Seu nome foi chamado pelo barista simpático do outro lado do balcão, ela agradeceu, pegou sua encomenda e escolheu um lugar para se sentar. Uma mesa simples, que geralmente teria lugar para dois, mas no momento contava apenas com um banco vazio. Excelente.

Agata se sentou, prendeu os longos cabelos ondulados em um rabo de cavalo improvisado e se concentrou em tomar seu frappuccino, enquanto se obrigava a fechar a pasta secreta. Precisava falar sobre isso com alguém.

Sabia que não tinha como passar por aquela situação sozinha, estando envolvida como estava, todo o seu julgamento estava comprometido. Por outro lado, ela tinha vergonha. Pensar sobre o assunto já era vergonha o suficiente, ela não conseguia começar a conceber como iria contar aquilo para outras pessoas.

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⏰ Last updated: Jun 07, 2020 ⏰

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A Roda do DestinoWhere stories live. Discover now