Como Estamos?

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Sempre é bom que nos perguntemos: Como estamos?
Tenho convicção que podemos mentir para todos, exceto para nós mesmos.
Na verdade nem deveríamos mentir, mas sabemos que omitir, disfarçar, falar em códigos, parafrasear, tudo acaba sendo uma forma disfarçada de mentir.
Mas a nós mesmos não deveríamos mentir. Faço uma imagem dum espelho imaginário, onde me olho bem nos olhos e não me permito mentir.
Sendo assim, em relação ao tema de fundo dos meus contos, ou "causos", que é a situação de pandemia que estamos vivendo, cuja doença COVID-19 continua sem cura, sem vacina, sem um diagnóstico ou tratamento padrão, ou seja, continuamos como estivemos desde fevereiro 2020, eu tenho que confessar como estou: vivendo num mundo paralelo. Sou boa nisso. Já passei por tantas dores, dificuldades e surpresas na vida, que aprendi na pele ou na prática a abstrair muito bem.
Quando eu era jovem e estava grávida, isso na década de setenta, e ainda não havia exames de ultra-som, a data do parto era praticamente definida pelo tamanho da barriga e a lua vigente. Então desde aquela época eu aprendi a esperar, pois nada é mais significativo em termos de espera do que o termo de uma gravidez. Engana-se quem pensa que a noiva espera pelo casamento, que a jovem espera pela sua festa de 15 anos, que a criança espera pelas férias. Nada desses acontecimentos se igualam à espera do fim de uma gravidez!
Pois os fatos citados eles tem data certa! Já o término de uma gravidez natural, não tem essa data. À grávida cabe esperar. Sendo assim, desde essa época eu aprendi a abstrair para bem esperar sem ansiedade, sem medo, sem pressa.
Apenas esperar. Como agora.
Os dias passam, as providências tomadas pelos governos nos parecem inócuas, já que as mortes ocorrem todos os dias, em todo o mundo. Os países agem de diferentes maneiras, uns não impõem o isolamento social e o fechamento dos estabelecimentos e comércios, outros são rígidos nessas questões, mas não há garantia de acerto, porque nos dois modelos as pessoas continuam se contaminando, adoecendo e morrendo. É cruel escrever isto, e na verdade muito doloroso. Mas é a realidade.
O que não é doloroso é recordar fatos bons da vida. E como falei de gravidez vamos falar da alegria que é a chegada dum bebê numa família?
Na minha infância, os bebês chegavam pelas mãos das parteiras. Não sei as outras crianças, mas eu aos nove ou dez anos já sabia observar quando chegava um guri correndo na casa da parteira, que era nossa vizinha, e prontamente ela saía, com o cabelo enrolado num lenço, uma sacolinha na mão e seguia o guri que ia saltitante pelo caminho que viera.
Logo se sabia que a Dona Fulana ganhara bebê. Os adultos pensam que as crianças não observam, ou são muito distraídos, decerto. Ledo engano!
Todos nós, o grupo, sabíamos tudo ou quase tudo que acontecia no mundo dos adultos.
Ora, para que serve encher a cuia de mate e ir levar na sala para as mães que estavam com suas amigas ou comadres? Para apreender uma palavra aqui, outra ali, entre uma ida à cozinha encher a cuia e servir!
Nossa rede de informações era consistente, porque as mães eram amigas e os filhos brincavam um na casa do outro. Também ocorria no final da tarde, uma mãe ir à casa da outra, sentarem a frente da casa, enquanto os filhos de ambas corriam pelos arredores nas mais variadas brincadeiras.E nesse convívio, as conversas ouvidas metade por um, metade por outro, logo somadas e acabávamos sabendo muito. Saber não significaria entender.
Fulana se perdeu! Se perdeu como se ela está lá na sua casa?
Ahhh crianças! E os namoricos? Brincar de passar anel era o máximo de erotismo infantil. A mão chegava a suar esperando que o seu eleito fosse o "passa anel" da vez!
Nessa prática de abstrair, eu viajo nas minhas memórias. Essa é a grande vantagem de já ter vivido muito. São muitas lembranças, muitas viagens, muitas pessoas que passam por nossa vida.
Gosto muito de falar da minha infância. A juventude, como foi atípica, não há muito a ser dito. Amo ver jovens curtindo a juventude. Sou fã de jovens. Os idosos aprendi a compreender vendo minha mãe envelhecer. Os silêncios que temos que compreender ser uma forma de se comunicar. Está tudo bem. Então fico em silêncio. Ou não. Cabe a nós, filhos perceber e agir.
Os que estão no intervalo entre a juventude e a terceira idade, a esses eu compreendo, me solidarizo, e sei que quando estiverem na terceira idade vão achar que carregaram bagagens demais, que a vida poderia ter sido mais leve.
Mas são constatações individuais, que tem que ser tiradas de suas próprias experiências.
A não ser que neste período crítico que estamos vivendo, com tantas mudanças e adaptações, tanto no mundo do trabalho, como no convívio familiar, o ser humano resolva que poderia estar melhor, com mais vida e mais leveza no viver, já que o mundo está dando seu triste recado!
Basta que do fundo do nosso coração
respondamos a pergunta: COMO ESTOU?

Contos da Quarentena 1- A pandemiaWhere stories live. Discover now