- Hoje não é uma noite de comemoração, não estamos aqui para gritar e torcer pelas princesas. Essa noite, agradecidos pelo ar que respiramos, o chão que nós pisamos , a água que bebemos e o alimento que comemos, imploramos aos deuses mais uma coisa. Que eles deem força a verdadeira rainha, a coragem para enfrentar suas batalhas, a justiça para julgar de forma correta e honra, para usar a coroa que a pertence.

Vejo quando dois homens sobem o cadafalso, cada um segurando um cavalo de pelagem marrom, eles os levam até a nossa frente.

Sinto uma mão em meu ombro, e quando olho para trás vejo minha mãe.

- Estou torcendo por você - susurra em meu ouvido.

- Tenho certeza que a senhora deveria ser imparcial - respondo.

- Provavelmente, mas você merece Lívia, sua pureza faz de você uma verdadeira rainha, sei que seria uma boa líder.

Tiro sua mão de meu ombro com força.

- Você não me conhece... pelo menos não mais.

Pego a espada que o homem me oferece e vou até o animal, minha espada desce no pescoço do animal, mas o golpe não é forte o suficiente para arrancar sua cabeça, e sou obrigada a dar outro. Ao meu lado Olivia dá seu primeiro golpe, arrancando a cabeça do cavalo de primeira.

O sangue mancha seu rosto assim como o meu, quando seus olhos se desviam do corpo morto do animal e encontram os meus, não vejo nada neles, o pensamento de que agora somos mais iguais do que nunca atravessa minha mente. Duas irmãs pela metade.

Quase dou risada da idéia. O cheiro de sangue chega até mim quando o vento frio corta o ar com força, meu estômago se contorce, e mesmo que eu não tenha nada para colocar para fora, a vontade de vomitar me atinge em cheio.

- Que a verdadeira rainha vença - dou as costas para os gritos do povo e desço a escada na lateral, dois guardas me seguem até meu cavalo, e para minha segurança me acompanham até o castelo.

Quando desço do cavalo, minha cabeça gira, e um dos guardas me segura antes que eu caia no chão.

- Quer e eu a acompanhe até seus aposentos alteza ?

Balanço a cabeça em negativa.

- Não é necessário.

Me livro de suas mãos e entro no castelo. Ando pelo corredor iluminado por tochas, com passos arrastados, mesmo após passar um dia inteiro deitada na cama, me sinto exausta, não só fisicamente, mas de tudo, estou cansada das pessoas e de mim mesma.

Me aproximo da porta do meu quarto, e quando estou quase chegando lá, vejo Dylan sair das sombras.

Minhas entranhas se contorcem de dor quando vejo seu cabelo ruivo brilhando sob a luz, me lembrando de Oliver. Por um segundo, vejo Oli ali, parado no mesmo lugar me esperando para irmos juntos ao meu treino. Esfrego os olhos para sair de meus devaneios, e meus dedos encontram algo molhado. Quando olho para meus dedos vejo o sangue do animal, mas depois de um instante minhas mãos estão encharcadas pelo sangue... de Oliver.

- Lívia ? Está tudo bem ? - A voz dele me traz de volta a realidade, e quando olho para os meus dedos vejo apenas um borrão vermelho de sangue do animal que estava em meu rosto.

- Não posso falar agora Dylan.

Entro em meu quarto, e tento fechar a porta, mas a mão dele impede.

- Lívia... Por favor, eu sinto muito.

Suspiro, já cansada de ouvir isso.

- Ah sente é, pelo que ? Por Oliver ? Não precisa mentir para mim, você não é capaz de sentir pela perda do seu irmão, porque nunca notou que teve um. Agora me deixe em paz.

Bato a porta em sua cara, e me encosto nela, exausta, deixo meu corpo descer até o chão. Mas não desmorono, prometi a mim mesma que não cedeira mais, mesmo que seja o que eu mais queira fazer...mesmo que talvez essa seja a única coisa que eu faça direito.

Me obrigo a levantar e ando até minha cama. Tiro meu sapato do pé direito, e estou prestes a jogá-lo no chão quando meus olhos encontram o espelho e fico imóvel.

- O que é esse sangue em seu rosto Lívia ? Enfiou um machado na cabeça de outra pessoa ?

Anne sorri para mim, da mesma forma que sorriu antes de me dar as costas uma última vez. Antes que eu a matasse.

Fecho os olhos com força e balanço a cabeça.

Ela não é real.

Ela não é real.

Ela não é real.

Mas quando volto a abrir os olhos, Anne continua ali.

- Não pode escapar de mim Lívia, não dessa vez

- Me deixa em paz.

- O que vai fazer para vencer sua irmã Lívia ? pode enganar aos outros, mas eu sei que você quer a coroa, me conta, vai arrancar a cabeça dela com um machado ? Nós duas sabemos o quanto você gosta disso.

- Cala a boca !

Arremesso o sapato no espelho, estilhaçando-o em milhões de pedacinhos. Me aproximo cautelosa dos cacos, e quando não vejo o sorriso perverso de Anne em nenhum pedaço, suspiro aliviada.

Caio de joelhos no chão. Cacos de vidro perfuram minha mão, mas não me importo, chego a pressiona-la com mais força, até sentir os pedaços pequenos entrando na carne. Meus olhos queimam com lágrimas contidas que não deixo cair, e quando o grito sai de mim, ecoando pelo quarto, não é pela dor, é de raiva... raiva de mim mesma por ser tão fraca.

Pare de sentir, pare de sentir, pare de sentir.

Digo a mim mesma, estou enlouquecendo por minha própria estupidez. Estou cedendo de novo porque sou fraca, e minha cabeça não para de girar com pensamentos sobre tudo que eu poderia ter feito diferente, com Olivia, Oliver e Dylan e até mesmo Anne.

Estou fraca porque ainda sinto tudo como antes, e não sei como mudar isso. Ódio, tristeza e arrependimentos vem em ondas enormes de dentro de mim e continuam me puxando para baixo.

Pare de sentir, pare de sentir, pare de sentir.

Imploro a mim mesma.

Mas não tenho a mínima ideia de como fazer isso.

Lívia (COMPLETA)Where stories live. Discover now