Ninguém nasce artista, mãe.

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Ninguém nasce artista, mãe.
Essas coisas a gente não escolhe. Ninguém escolhe nada, ninguém pode. Eu queria ser professora, caixa de supermercado e a moça que cuida dos cãezinhos para doação (Qual é mesmo o nome disso?). Eu queria ser médica também, mas aí cresci. Eu cresci e não sou nada, e nem os médicos e nem os bombeiros ou os astronautas. Eu sou um monte de nada, mãe! Sabe? Todo mundo é! Ninguém nasce sendo, ninguém é enquanto é. Só depois de morrer. Depois que morre que a gente vira "aquela grande cantora que se perdeu nas drogas" ou "aquela maravilhosa atriz encrenqueira" E eu, mãe? Não tenho predicados. Eu queria ser artista, mãe, mas sou o ser mais comum que já pisou nessa terra como se todo mundo fosse coberto de luz e eu um fantasma apagado com uma luz fraquinha é bem opaca no lugar do coração. Vivo de construir castelos de matéria-prima frágeis e destruir com as minhas mãozinhas pequenas. Sinto que meus sonhos terminam todos os dias ao acordar pela manhã e quase sempre estou com frio. Sinto saudades de coisas futuras, e tenho olhos virados para dentro, e ainda assim mal me enxergo. Só vejo hiatos de memórias e buracos impreenchiveis. Eu queria ser artista, mãe! Mas a gente nunca escolhe, igual nos sonhos que a gente não consegue ficar para assistir o fim. Sou um sonho sem desfecho que termina todos os dias às sete da manhã.

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