Capítulo I

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Poço Das Montanhas


A imensidão da sombra das trevas cobria por inteiro a areia negra do campo de batalha, pisoteada por cavalos ferozes e pés grandes e quase peludos de gigantes ogros-negros, onde o entorno da luta escorria o sangue dos solados estilhaçados, formando lama preta-escarlate e sujando a bota dos guerreiros e a unha dos urradores. Dentre as pegadas a confusão já estava a seu clímax. No sul mais sombrio de Goudraf, Torto liderava a fuga desesperada e iminente de seu exército abatido; e tudo parecia ter estado perdido antes mesmo de soar das trombetas ordens de recuo.

— Recuem ! — exclamou Torto. — Homens, recuem !

Os ogros-negros empunhavam em suas pálidas e grandes mãos bastões com esferas de metal maciça de espinhos presa diretamente a um cabo e outras pendurada por correntes até o punhal; e as balançavam insanamente para desmoronar árvores, destruir cabeças, amaçar escudos e esmagar espadas, derrubar homens sem pelo da cavalaria e destroçar toda a esperança. As feras guinchavam e urravam, urravam e grunhiam. Na retaguarda de Torno, acima da colina espinhosa estava seu time de arqueiros preparados; lançavam flechas sem pausas e não precisavam de ordem para fazer o que foram ensinados a fazer. Ele podia ver o terror nos olhos grosseiros de seus homens correndo para a trilha. Ninguém queria morrer, mas estavam fadados a isto. Torto, embora sábio e experiente, roçava os dentes e tremia as mãos; ele tinha razões sobrando para dizer que as coisas não iam bem, e agora só te restava fugir e juntá-las para orar. Suas orelhas apesar de estarem protegidas por seu cabelo longo, ainda conseguia ouvir o grito dos soldados na linha de frente.

— Recuem, suas bestas quadradas. Parecem um bando de marmotas correndo para a toca. Sigam a trilha, a trilha, seus estúpidos, a trilha ! — trevejou Torto.

Ele se apoderou de seu elmo prateado e o amassou por cima de seu cabelo negro, sacou sua temida espada Barbatana, montou o cavalo mais confiante e o chicoteou com a focinheira presa na correia e zarpou para o entorno da batalha.

Vrummmmf ! — Bufou o cavalo, rápido quase tanto quanto uma flecha.

Torto ainda tinha esperanças de socorrer Taytos Glone, e se morresse para isso, ah, com certeza se arrependeria de tê-lo feito, mas seria menos doído do que simplesmente abandoná-lo. Ele ergueu Barbatana, atiçou o alazão pelas rédeas, enterrou o primeiro golpe num ogro faminto, pendurou a sola desgastada de sua bota courada no rosto inchado de mais um e arqueou o fio da lâmina mais afiada no peito cabeludo e flácido de outros dois, avançou duas galopadas e testemunhou o fracasso dos companheiros mais corajosos que apoiavam Taytos Glone nos rochedos. Taytos tinha fama de medroso e era julgado por línguas afiadas de alguns invejosos, mas Torto jamais duvidou da capacidade de seu futuro sucessor; e o jovem mago Taytos Glone naquele momento provava para todos o calibre de sua valentia e era um dos poucos que ainda tentava agonizantemente reter a ultrapassagem da horda dos ogros para a trilha da floresta, e outros que vinham ao longe anunciando sua chegada com urros e guinchadas. Torto lutou com fervor e alegria aquela batalha; seu mana de propriedades avermelhados exterminou diversos inimigos curiosos, mas, é claro: insuficiente para derrotar o bando que se aglomerava pelas árvores.

— Tolo ! — gritou Torto. — Recue imediatamente.

Muitos urros e grunhidos e pisoteadas tremelicavam os adereços metálicos de sua malha, e isto era o sinal mais louvável de seu temor. Ele desmontou o cavalo pardo à metros de seu pupilo, pendurou bombas de fumaça na correia do quadrúpede e o acertou de leve com a adaga longa em sua traseira machucada, fazendo-o cavalgar em dores até em volta dos monstros escuros; ela explodiu por além das rochas, e do impacto da bomba se ergueu uma enorme cortina de fumaça verde, e ambos foram ocultados. Os ogros grunhiam e urravam, esbarravam uns com os outros e nocauteavam a si mesmos, urrando e guinchando a todo o tempo.

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