Pareidolia

1 0 0
                                    

Hoje de manhã, quando fui pendurar a toalha molhada no varal, passou uma nuvem muito esquisita no céu. Ela tinha forma de foice misturada com cachorro. Mais precisamente um cachorro sendo decapitado por uma foice. Ela ficou ali, se movendo, e mudou de forma. Seria algum mau presságio? Não sei porque aquilo chamou minha atenção, eu não tenho costume de ficar olhando para o céu.

Saí de casa rumo ao ponto de ônibus e vi um cachorro do outro lado da rua revirando o lixo. Fiquei observando se ia acontecer alguma coisa, se ele seria atropelado ou assassinado. Lógico que não aconteceu nada. Mas a visão da nuvem não me saía da cabeça.

Já na gráfica onde trabalho meu chefe disse que viria um cliente conversar comigo para fazer a arte para a capa de um livro. Ele marcou para às 10:30hs da manhã. Ele não apareceu e pensei que não viria mais naquele dia. Lá para às 15:00hs meu chefe fala que ele estava ao telefone querendo falar comigo.

- Pronto! - falei ao atender o telefone.

- Boa tarde, me chamo Roberto. Não pude ir aí na parte da manhã, tive um imprevisto.

- Não tem problema. Já tem ideia de como quer a capa do livro?

- Ah, sim. Na verdade não tenho. É um livro sobre animais. Vai se chamar "O cão cortado". O que você pode fazer aí?

- Deixa comigo que tenho uma ótima ideia.

Desliguei a ligação e comecei a fazer a capa usando a foice cortando o cachorro como referência. "O cão cortado". Nem acredito que a nuvem que vi hoje cedo tem ligação com isso. É muita coincidência.

Finalizei a arte e enviei para o cliente avaliar. Fiz bem sangrenta, acho que ele vai adorar. Tem tudo a ver com o título. Deve ser um livro de terror, sei lá. Como estava no fim do expediente fui embora.

No dia seguinte, já no trabalho, fui ver a resposta do cliente sobre a capa. Ele escreveu um textão reclamando. Disse que o livro era para criança e que o título era sobre um cachorro que teve a pata cortada por maus tratos e um casal o acolheu levando para casa. Eles tinham uma filha pequena que não entendia porque o cão tinha a pata "cortada". Era assim que a filhinha do casal se referia ao cachorro, sendo o "Cão Cortado".

Que vergonha tive na hora. Respondi o e-mail pedindo mil desculpas e que imediatamente iria refazer a capa. Depois disso nunca mais fiz nenhuma capa de livro sem conhecer a história e o público alvo. E também nunca mais fiquei reparando o formato das nuvens.

Pareidolia (conto)Where stories live. Discover now