Trinta e Sete: Aniversário

Start from the beginning
                                    

— Sim, eu me lembro.— Ele riu um pouco. — Quase não dormi esperando o resultado das provas. Mas Deus me ajudou muito, eu não seria nada sem Ele.

Pobre, Victor...

Já fazia algum tempo que ele corria sem parar a fim de conseguir sua especialização como pediatra e, graças a Deus, a tensão dessa fase de estudos estava prestes a acabar. Ele concluiu sua residência, era médico pediatra e havia realizado uma prova admissional difícil e aguardava ansiosamente o resultado que lhe permitiria trabalhar no hospital da cidade. Sabendo que tinha algum tempo livre, ele resolveu planejar tudo aquilo pra mim, mesmo sendo ele quem merecia comemorações.

— Pelo menos está acabando. Logo você poderá atuar como o pediatra mais incrível que Santa Fé já teve. — Dei algumas batidas de consolo nas costas dele e ganhei um de seus sorrisos. — Lembro-me perfeitamente de quando nos conhecemos. Seus olhos sempre brilhavam quando contava seus planos de fazer a diferença, trazendo alívio e amor aos seus pacientes. Você até se comprometeu a tentar entrar para os Médicos Sem Fronteiras, ir para algum país subdesenvolvido. Ainda pensa nisso?

Victor massageou o maxilar e pareceu intrigado.

— Às vezes. Mas eu tenho novos objetivos, muito melhores, se quer saber. — Ele foi rápido em segurar a bebê, quando ela ameaçou fugir engatinhando para longe de nós. — Prefiro servir ao Senhor aqui mesmo em Santa Fé. — Beijou as bochechas da filha para consolá-la de sua crise de choro por não poder realizar seus desejos. — Sei que não temos tantos problemas graves quanto outros países onde pessoas não tem o mínimo para viver, mas as criancinhas daqui também precisam de um médico. Além do mais, como serei um bom marido e pai se estiver a milhares de quilômetros longe de vocês?

Meu coração gelou naquele instante e eu fiquei me questionando se ouvi as palavras certas. Que Victor queria ser um bom pai, disse eu já sabia, mas um bom marido? Por que ele diria aquilo?

— Seja como for, em todos os aspectos, eu preciso me lembrar que sou um simples instrumento nas mãos do Senhor. Sei que Ele estará me conduzindo para onde desejar, pois é meu único e verdadeiro pastor  — Ele então me encarou e certamente percebeu a dúvida em meu semblante. — O que foi? Você parece um pouco pálida.

Eu suspirei e achei por bem não me deixar levar por aquele detalhe. Talvez Victor tenha se enganado ou pensava mesmo em ser um bom esposo para alguma outra mulher. E se assim fosse, tudo bem. Já estava cansada de sofrer por antecipação e depois de tantos tombos e aprendizados com a Palavra, eu finalmente entendi que nada estava sobre o meu controle e como filha de Deus, meu coração deveria estar descansado na vontade do Senhor.

— Não é nada com você. Estou preocupada com Luana — desconversei, procurando não alimentar minhas loucuras. — Nós conversamos ontem e ela decidiu fazer o teste de HIV. Me avisou que ia ao postinho hoje, mas não quis minha companhia. Até então não recebi notícias.

Victor, que até então brincava jogando bebê para o alto, voltou-se em minha direção, mostrando-se levemente espantado.

— Você conseguiu convencê-la? — ele quis saber e eu assenti. — Oh, Sarah! Isso é muito bom! Há dias eu tento persuadi-la, sem sucesso. Até propus pagar todo o tratamento, como fiz com algumas pacientes sem condições de esperar, se fosse o caso, mas ela negou tudo. O que você falou? E por que não me avisou antes?

Eu dei de ombros e olhei para baixo.

— Foi uma conversa de mãe para mãe, nada demais e eu não quis criar alardes, pois Lu ainda está muito magoada e sensível com essa história. É preciso cuidado e paciência, coisa que não tive em nossos últimos confrontos — expliquei calmamente e suspirei. — Falei pra ela matar suas dúvidas e pensar no que fará depois. Mantendo a confiança em Deus.

Ensina-me amarWhere stories live. Discover now