O moço do Rio

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Avenida Beira Mar, sem número. Apesar de se chamar por esse nome, a avenida não era de fato as margens do mar, e muito menos era uma avenida movimentada como estamos acostumados a ver, na realidade era uma rua simples, tão banal que seus caminhos ainda eram cobertos por pedras e muito mato. No coração da floresta amazônica, onde os quintais dividiam espaço com os animais e as águas com os peixes, moravam dona Ana e Tamires, mãe e filha, possuíam uma rotina típica dos ribeirinhos da região amazônica. A jovem moça sonhava em um dia ser escritora, aos 12 anos passou a escrever cartas para seu falecido pai com a promessa que ele um dia chegasse a respondê-la, a carta nunca fora respondida, desapontada e infeliz, Tamires compreendeu que deveria escrever mais cartas ao pai para que ele não se sentisse sozinho.

A floresta parecia viva ao olhos da jovem. Os pássaros coloridos voando em bando no céu azul, os galhos dos açaizeiros refletiam-se como espelho no rio, era fácil inspirar cartas e dominar a poesia perante ao cenário que a jovem vivia. Certa tarde, quando os últimos raios de sol brilhavam no final finito do rio, Tamires sentou-se mais uma vez para escrever, desta vez entusiasmada, estava prestes a completar quinze anos na virada daquela noite. Ouvindo de sua mãe que seu pai era o homem mais bonito do mundo, Tamires escrevia para o pai que gostaria de um dia poder encontrar um rapaz corajoso e de absoluta beleza como de seu pai, mesmo ciente de que a carta jamais seria respondida, a jovem utilizava sempre as mais belas palavras. Ao terminar, como de costume, enrola a carta e deposita dentro de uma garrafa de vidro, em seguia arremessando-a longe, a distância fora tamanha que a moça jurou nem ter ouvido o som da garrafa na água.

Ainda naquela noite, enquanto Tamires e dona Ana dormiam em profundo sono, do lado de fora, o rio pairava calmo, era noite de lua cheia e a mata podia ser quase vista pela forte luz que vinha do céu. O reflexo nas calmas águas esculpia cores pratas e douradas, o espelhar do céu caía sobre o rio formando um enorme espelho. Mas logo o que podia ser uma pintura foi ganhando formas, leves ondas começam a imergir próximo de uma improvisada escada de madeira que ligava a casa de Tamires ao rio, ainda em repouso, a floresta manteve-se neutra, nenhum animal se moveu, o canto leve dos grilos dividiam espaço com o silêncio na floresta. As leves ondas começam a caminhar em direção a ponte, apoiando-se nas leves tabuas de madeira gastas, um jovem ergue-se das águas trajando somente uma calça branca, não aparentava ter medo, ao contrário, mostrava-se seguro. Em uma das mãos segurava um chapéu de palha rasgado e sujo, na outra uma garrafa de vidro com um bilhete dentro. Subindo apenas três dos degraus, o jovem deixa a garrafa na palafita, estende o olhar curioso para a janela da casa, e dando as costas retorna para o fundo do rio.

Pela manhã, como em todos os anos, dona Ana prepara um bolo caseiro para a filha, por ser uma data especial, a mãe da jovem coloca ao lado do bolo uma caixa de presente, nela havia um lindo vestido na qual a filhava sonhava usar.

-Feliz aniversário meu amor, comprei um presente simples mas de coração, espero que goste. – disse dona Ana recebendo a filha para o café.

- Eu amei mãe, era do jeito que eu queria! – agradeceu.

-Irei atrás de umas frutas, não demoro, o bolo é seu também pode comer. – responde dona Ana saindo ás pressas.

Sentando-se na janela do seu quarto, enquanto olhava mais uma vez o vestido que ganhara de sua mãe, um forte reflexo chama a atenção da jovem. Em direção ao ponto de luz, Tamires reconhece com o objeto, sua garrafa que havia sido jogada no rio estava ali diante dela, chegou a se questionar se de fato havia arremessado longe o suficiente ou se havia esquecido ela ali. Questionando se a carta dentro era sua, decide abrir a garrafa, o bilhete de fato era seu, mas o conteúdo escrito não fora o mesmo escrito no dia anterior, no papel branco ainda amassado havia a frase "Me encontre hoje ás 00h neste mesmo lugar." Seu coração acelerou com a mesma frequência que gelou, seu olhar vidrado nas palavras, por segundos tornaram tudo estático, como se o tempo parasse, e com um leve toque ao chão a garrafa que a segundos atrás cobria o bilhete se despedaça em vários outros cacos de vidro. Com o susto, Tamires volta para correndo para seu quarto, com medo de contar para sua mãe, decide permanecer calada. A jovem havia passado o dia pensando no que havia lido mais cedo, enquanto comemorava seu aniversário juntos de seus amigos e sua mãe, não parava de pensar se o bilhete havia sido escrito pelo pai. Será se sua mãe havia mentido o tempo todo? Ou alguém estava fazendo alguma piada com o dia do seu aniversário? Tamires não havia resposta para nenhuma dessas perguntas, mas sabia de que forma poderia ao menos tentar responde-las.

Sua mãe já havia se deitado e a noite ainda estava começando a entrar no ténue silencio, era costume da região dormir cedo mas Tamires ainda mantinha-se acordada e em alerta. Estava decidida ir ao ponto onde estivera o bilhete, ir ao encontro ao desconhecido era a única maneira de sozinha, responder a todas as perguntas que se havia feito. Ainda cedo para o horário que o bilhete marcava, a moça em cuidado pulou a janela de seu quarto que dava defronte para o rio, assim como para o local em que a garrafa estivera mais cedo. Ali, a moça ficou, pensou que se ficasse em vigília poderia enxergar a pessoa chegar e assim saber quem de fato era. O brilho da lua era penetrante e fortemente luminoso, a mata era coberta por uma luz prateada que se alguém, mesmo longe se aproximasse de Tamires, ainda sim seria possível enxergar. Estavam tomando banho de rio, um jovem rapaz com uma criança no colo, a gargalhada da criança ecoava no silencio da grande mata, seu pai girava a pequena Tamires nos braços, os dois estavam felizes. Na cozinha a mãe jovem fazia o almoço, o bom cheiro fez com o pai e a criança voltassem para a casa, seu pai a coloca nos ombros e com um deslize se desequilibra e derruba a pequena Tamires no rio, conseguia ver o rosto do pai mergulhando em sua direção com desespero, sentia a água em seu peito. Ainda na palafita, a jovem desperta do sonho, o costume de dormir cedo fez com que a jovem cochilasse por algumas horas sobre a luz do luar, ao lado de onde o bilhete havia marcado.

Olhando fixamente para as margens do rio, Tamires aguardava o que talvez fosse alguma pegadinha de seus amigos.

-Boa noite linda jovem. – diz uma voz abaixo da moça.

-Quem, quem é você? – responde Tamires se debruçando para frente da velha escada, onde um jovem rapaz estava sentado.

-Nunca ouviu falar de mim? Sempre morei aqui, dentro e fora do rio, por todos os lados da floresta. – diz o jovem subindo levemente a escada.

-Se sempre morou aqui como nunca vi você? És pescador? – responde Tamires dando um passo para trás. Apesar do reflexo da lua, o rosto do rapaz ainda mantinha-se coberto por um chapéu de palha.

-Sua carta chegou até mim, não precisa ter medo, não vou te machucar. – disse ele pondo os dois pés sobre a palafita e ficando em pé na frente da moça.

Ali parado, ainda molhado, sua silhueta era desenhada pela luz, o jovem rapaz estava sem camisa e vestia somente uma calça branca com um chapéu de palha na cabeça. A moça sentiu-se de alguma forma atraída pela figura em sua frente, não se lembrara de ter sentido isso antes, seus desejos não respondiam seu corpo, seus pensamentos não estavam mais em ter medo de quem seria aquele jovem, sua desconfiança passou a ser confiança, e como se o rapaz pudesse ouvir seus pensamentos, aproximou-se da moça com extrema cautela. Sentindo as mãos molhadas do rapaz, não hesitou, sabia que deveria impedi-lo mas seu corpo estava totalmente entregue a ele, o toque gelado e frio passou a esquentar o corpo da moça. Era seu primeiro contato íntimo com um rapaz, sabia o que estava acontecendo e não teve medo, sua pele arrepiava-se a cada toque que recebia. O corpo ainda molhado pelo rio deitou-se sobre o de Tamires, não sabia como, mas seu corpo retribuía em igual ás caricias do misterioso rapaz, os braços delicados da jovem foram pressionados no chão da palafita, o suor do seu corpo misturava-se com o dele, a incerteza rondava os pensamentos de Tamires. Tudo parecia bom. Deixando seu chapéu de lado, o rosto do rapaz ainda era coberto pelo crepúsculo da noite, a falta de informação sobre quem era o rapaz já não seria mais prioridade, estava entregue. Com as roupas de lado, os corpos nus eram cobertos apenas pelo brilho da lua, a pureza da jovem havia sido rompida com ríspida ardor, as leves ondas que quebravam abaixo deles faziam com que suas respirações ofegantes fossem silenciadas, o rio parecia cooperar com que estava acontecendo.

Tamires dormiu nos braços do jovem, com extrema cautela ele se levanta e veste sua vestimenta, coloca a jovem no colo, beijando sua testa e sussurrando palavras em seu ouvido, o rapaz se encaminha para a escada e com prudência desce os degraus, seus pés tocam o rio novamente, apoiando firme a jovem nos braços eles mergulham no rio. As leves ondas que haviam sido formadas pelo mergulho agora cessaram, como uma ordem, as águas se acalmaram e o silencio da floresta voltou a pairar, um enorme espelho criou-se em meio a mata refletindo o céu limpo e estrelado. A Amazônia dormia novamente.

Escrito por Gama.

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⏰ Poslední aktualizace: Apr 13, 2020 ⏰

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