Enrolada em uma leve manta de algodão, sobre uma pequena cama de couro improvisada, estava a origem daquele barulho todo. Era a criança mais miúda que Jen'Kah já vira. Ela o assustava: seus olhos eram simplesmente fantasmagóricos, sem íris, com um estranho brilho prateado. Que tipo de troll era aquele? Era um troll?

Ele aproximou-se devagar. Não era difícil pensar que aquela era uma criança amaldiçoada, uma abominação, talvez... Talvez ela fosse a responsável pelo acampamento estar deserto, afinal, não havia sinal de luta e os pertences daquelas pessoas estavam intactos. O proscrito engoliu em seco. Ele jamais deveria ter subido aquele rochedo. Jamais deveria ter posto os olhos em tal criatura. Quem sabia se já não estaria amaldiçoado? Mais uma vez, ele segurou instintivamente o colar de contas. E então, se aproximou da pequena cama e fez menção de tocar a mão do bebê. O que o fizera tomar essa iniciativa, ele jamais saberia ao certo.

Naquele momento, ele parara de chorar. Aqueles olhos de pérola pousaram em seu rosto e a minúscula mão segurou-lhe um dedo. Ela não era sequer grande o suficiente para envolvê-lo no diâmetro, mas tinha uma força, uma certeza, que o surpreendeu. Jen'Kah tomou a criança nos braços. Não era um pequeno troll amaldiçoado. Tinha cinco dedos nas mãos e, bem, ele não podia chamar de dedos o que havia nos pés: eram mais cinco pequenas bolinhas. Era miúda, sim, mas parecia bastante saudável. Tinha a pele fina, de um violeta quase róseo e uma penungem prateada nascia, já querendo formar cachos, em sua cabeça.

Ele não saberia dizer quanto tempo ficou estarrecido, olhando o delicado rosto da estranha garotinha, mas, quando ela recomeçou a choramingar, Jen'Kah se deu conta de que teria de arrumar-lhe qualquer coisa para beber, comer, vestir e dar um jeito de criá-la direito, porque - pelos espíritos! - ele sabia que acabara de ganhar um filho. O troll soltou uma risada entre abismado e conformado.

"E eu que nunca fiz uma oferenda à Ezili!"

Enquanto levava a garota atada às costas, como costumavam fazer as mães trolesas, Jen'Kah ia rindo da situação, de como ele pensara que poderia ser um filhote de animal de montaria, de como acabara com um filho sem ter a oportunidade de fazê-lo, de como passara o dia todo negociando misérias com os mercadores e, num golpe de sorte, acabava voltando para seu casebre carregado de tudo o que poderia precisar por todo aquele ano. Ele sorriu para a lua, que agora já não estava tão próxima de Kalimdor e, subitamente, percebeu que era exatamente assim que os olhos de Zig'Lin pareciam. Zig'Lin, esse era o nome da garota do papai: "presa pequena". Sim, senhor, era um bom nome para sua pequena filha!

A primeira lembrança de Zig'Lin era o rumor das ondas quebrando na praia, o luar refletido na areia branca, o ar gelado e o cheiro de sal misturado à almíscar e os peixes assando devagar. Ela se tornara uma criança graciosa e esperta. Gostava muito de ouvir histórias e depois recontá-las, misturadas umas às outras. Jen'Kah jogara os búzios para ela e, descobrindo que seu Loa era Dambala, fez-lhe um eleke de pedrinhas brancas, que ela exibia com orgulho para todos com quem cruzava - eles tinham pouca oportunidade de encontrar outras pessoas, mas isso não lhe impedia de mostrar seu colarzinho para caranguejos, tartaliscas e mesmo para uma grande pedra que ela insistia em dizer que tinha um rosto.

"Mas não põe a mão, beleza?!" - Ela repetia, obedecendo as instruções de seu pai.

Desde que Jen'Kah a encontrara, não houve uma noite que ela atravessasse adormecida. O troll havia tentado mantê-la acordada durante o dia, mas isso não a impedira de tagarelar a noite toda. Em algum momento ele percebeu que suas diferenças não paravam nos cinco dedos e nos olhos de luar: Zig'Lin era, definitivamente, uma criatura noturna. Ele não sentiu qualquer decepção quanto a isso, apenas deu de ombros e, ao invés de acordar de madrugada, passou a saudá-la como saudava o meio-dia.

Augúrios da NoiteWhere stories live. Discover now