Um - Ácharanê

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A imensidão do céu noturno é fascinante. Ainda mais quando os seres celestes resolvem brilhar para mim.

Ainda mais quando Kairon está em festa, a praça central decorada com flores, luzes e cheia de mesas fartas.

Os sublimes usam pouca roupa e se espremem nas ruas do centro ao som de uma música tocada por instrumentos de sopro e tambores.

Vejo Daikin dançar, segurando as mãos de Pili e Viemi. Nigde está agitando sua saia e mexendo os ombros no meio da roda que as crianças de Pili fizeram. Haiti não entendeu muito bem tudo isso e preferiu não vir.

Pili está cada vez mais velho, suas crianças mais crescidas, enquanto Daikin quase não mudou nada. O tempo humano é cruel.

Preferia ter ficado em casa, não me sinto bem no meio dos sublimes de Kairon, que dançam longe de mim, que não deixam seus filhos se aproximarem. Petice ainda mantém distância e não me olha nos olhos. Doçani, que permanece ao meu lado durante o festival em minha homenagem, disse que Pétice e Golag não podem ler meus pensamentos. Não conseguem mais. Então me temem.

Por isso sou grata. Elas deviam controlar melhor o poder que possuem e não invadir os pensamentos de ninguém.

- Não adiantou dizer que não queria festa, não é! - ouço Heir dizer.

Ela se aproxima de onde estou sentada com Doçani e me oferece um curto abraço. Tem sido uma grande amiga nesse curto tempo em que estou no mundo sublime. Heir tem uma beleza estonteante, um corpo cheio de curvas e um rosto angelical. Está vestida em uma camisa marrom de alças. Está descalça, como todos nós. Faz parte do ritual. Pés descalços, flores e frutos, os seres celestes e a floresta brilhando.

Só há um problema em ver Heir. Ela é parceira do irmão de Ragok. Sempre que a vejo, lembro do dia em que ela o curou e me fez ter ciúme dos dois juntos. Ter Heir por perto faz meu coração doer.

Dihdre está de luto por Chirevo e não apareceu. Heir está sozinha e parece que só veio até aqui para me ver. Sou grata por isso. Ela era amiga da minha mãe Mistha.

- Não adiantou. Golag disse que faz parte do rito e Doçani insistiu que fosse feito. Assim como as ofertas que recebi quando cheguei, o Ácharanê deve ser celebrado no primeiro mês após a minha chegada.

Heir sorri e olha de mim para minha família, que está alheia a minha inquietude. Eles só querem festejar, se distrair. Merecem um pouco disso depois de tudo o que passamos.

- Não posso imaginar o motivo do incômodo. Você nos livrou de Nigde. Você é o ser da profecia. Merece tudo isso e mais.

Nigde está entre eles. Mudou de fisionomia, de postura e de atitude. Ela ama a floresta e ajuda qualquer pessoa que encontrar. Ninguém sabe quem ela é, além de Doçani. Para todos aqui, Nini estava perdida no mundo humano. Para todos ela é uma estranha.

- Talvez eu mereça. Só preciso me acostumar. - concordo para não estender a discussão. - Vou dançar.

Me afasto de Heir, indo em direção aos meus amores. Daikin é só beleza. É o primeiro a me abraçar. Nigde me abraça também. Eles me chacoalham no ritmo animado da canção. Sorrio e beijo a testa dos dois. Também beijo o rosto de meu pai.

- Você não parece confortável. - Nigde percebe.

- Estou bem. Só cansada.

- Podemos ir, se quiser. - ela sussurra.

É como uma preciosidade em forma de mulher. Ela não costuma ficar perto de mim em meus dias ruins, mas se preocupa e me ajuda quando deixo que ela o faça.

O Despertar (Em Desenvolvimento)Where stories live. Discover now