Capítulo 1: Itamaraty.

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João morava num casebre na Rua Mena Barreto, no bairro de Botafogo, na cidade do Rio de Janeiro. João era um jovem alto, esguio, com longos cabelos lisos de tonalidade morena, olhos profundamente escuros e um gogó que se pronunciava em sua garganta. João viveu uma vida de normalidades, desde muito jovem. João não tinha metas, João não tinha planos, João trabalhava no trabalho que ele conseguiu a partir do único estágio que ele conseguiu da faculdade de Relações Internacionais, cursada na Universidade Federal do Rio de Janeiro. João era funcionário do Itamaraty, carreira dos avós, dos pais, de família.

Os pensamentos de João eram tão rasos quanto suas projeções de futuro. Talvez ficar sozinho, desistir de Julieta; talvez pegar o ônibus, ao invés de metrô. Talvez mudar completamente de vida e tentar uma nova carreira; talvez comprar coxinhas para o almoço e para o jantar. Talvez arriscar tudo, todo o conforto, e dar vez a voz interna que o retinha; talvez comprar um guaraná de 600ml ao invés de um de 2L.

Naquele dia, como em todos os dias, pegou o metrô. Naquele dia como pelo menos uma vez na semana, comprou coxinhas. Naquele dia, como jamais na vida, comprou uma Coca-Cola de 350ml. Mesmo quando ousasse, sua ousadia respeitava os limites de sua regrada, régia, persistente e patética rotina. E eu não odeio João, mesmo porque muitos de nós são assim como ele – talvez a decisão mais inusitada do dia seja mesmo entre Coca-Cola ou Fanta Uva.

E eu não sei muito o que lhes dizer sobre a personalidade de João, também. Quando ele veio a mim, não disse muito de seu passado longínquo – disse que não "importava à história". Ele veio a mim porque disse que eu sabia usar as palavras que ele não saberia. E de fato, o homem não era nada artístico. Não sabia os nomes que daria para substituir as pessoas, não sabia a rua que usaria como seu endereço fictício, mas pediu que Julieta permanecesse Julieta.

"Surtado", eu pensei que ele fosse quando ouvi a história. Mas por um período de uma semana ele me contou sete histórias. Sobre esse tal "Arquiteto" e como ele tinha permitido tudo existir. Mas eu resolvi dar ouvidos àquela maluquice. Resolvi tentar. Eu já estava há um tempo mesmo sem escrever, precisava ouvir. Precisava da história. Uma que fosse. Pra contar alguma coisa pra alguém, e contar isso. E você me chamar de maluco.

Mas não se deixe meandrar. Não se deixe levar muito por isso. Se você é plenamente normal – teísta ou ateu – esqueça o Arquiteto, leve como livro. Leve como mera piada. Eu gostaria de poder fazer isso. Mas eu o vi com meus próprios olhos. E ele acenou que "sim" para mim. Eu nem sei se era o tal, se eu enlouqueci. Mas se for, só se for... só se for... se ele aparecer, então outro escreverá a história por mim.

Aqui começa o relato, descrito por João, narrado por mim, Platão.


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Raiara o sol, e com ele a certeza das incertezas que rondariam aquele primeiro fatídico dia. Ele estava sentado na cadeira da escrivaninha na sua sala. Em suas costas havia uma biblioteca de livros comprados unicamente para preencher as estantes – talvez nas do meio houvessem os que ele realmente havia lido. João precisava desesperadamente de propósitos naquela época da vida.

Julieta, sua doce companhia e a única mulher com que ele verdadeiramente interagia com algum resquício de normalidade, não era dele. Era de Carlos: um tonto, burro e amoroso (segundo mui acurada descrição de seu algoz), mas que de alguma forma, com algum carisma proveniente de sua burrice, conquistara o coração da menina. Quando ouvi isso, de certa forma me compadeci pelo coitado; tivera eu também minha dose de tristezas.

Mas se vamos colocar em perspectiva, as minhas nem se equivalem a João. Foram cinco Amandas, duas Barbaras, uma Gizelle e uma Marcela. Em um curto período de vida – todos fracassos. Eu, por minha vez, desisti na primeira e única Joana. Todavia, não é de amor que se escrevem histórias. Talvez evangelhos, mas não histórias. E a história de João, que começou com suas incertezas, tomou uma curva muito mais penumbrosa do que eu poderia tecer.

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⏰ Laatst bijgewerkt: Mar 26, 2020 ⏰

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As Crônicas do Fim do Mundo | Volume 1  - O ArquitetoWaar verhalen tot leven komen. Ontdek het nu