Curinga

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Ela entrou no meu quarto como um furacão, as necessidades dela sendo mais fortes que qualquer coisa que eu pudesse dizer ou fazer. Me atacou com uma risada, derrubando o potinho de esmalte vermelho que eu estava usado para pintar as unhas dos pés. Eu sabia que o lençol branco ficaria com uma mancha vermelha que acabaria com ele completamente e que nós duas ficaríamos sujas de esmalte quando aquilo acabasse, mas não era como se eu fosse conseguir pará-la. Se eu tentasse, ela soltaria o superconvincente argumento de que não nos víamos havia dois dias e eu ia acabar cedendo a qualquer coisa. E para falar a verdade, eu preferia perder todos os meus lençóis do que a impedir de arrancar cada peça de roupa que dificultava que ela fizesse o que quisesse comigo.

Não foi uma tarde diferente de muitas outras que tivemos. Entre toques e respirações, ela era minha e eu era dela e não existia uma coisa do lado de fora que pudesse mudar o que estava acontecendo lá dentro. Mas, sempre existia algo de diferente nas nossas tardes normais... Eu não saberia dizer se era o fato de agirmos como se fosse a última vez, mesmo sabendo que não era. Ou como nos tocávamos como se pudéssemos quebrar. Ou o fato de pararmos o tempo todo e olharmos uma nos olhos da outra por mais de um minuto, como se isso fizesse parte do que quer que estivesse acontecendo. Com isso, dizíamos tanta coisa. Coisas que quem não fazia parte do momento não poderia entender.

Ela me abraçou depois de tudo, enquanto esperávamos nossas respirações voltarem a um ritmo que não soasse como se estivéssemos nos matando. Logo depois disso, ela pressionou os lábios na minha testa e eu senti um sorriso contra minha pele antes que ela me soltasse e se levantasse abruptamente.

— Você vai embora? — Perguntei, soando mais assustada do que pretendia.

— Não. Você me tem tarde inteira. — Ela respondeu, pescando as roupas no chão. — Só quero me vestir.

— Não vejo por quê. — Reclamei.

Ela sorriu, mas continuou fazendo o que queria. Eu mesma puxei o sobre lençol da cama e me enfiei embaixo dele, ouvindo o vidrinho de esmalte, que de alguma forma ficara na cama aquele tempo todo, cair no chão. Quando terminou de se vestir, mesmo não se dando ao trabalho de vestir o short, ela se jogou ao meu lado, se deitando de barriga para baixo e fechando os olhos. Os cachinhos caíram sobre o rosto e ela abriu um sorriso delicado, dando um ar angelical a alguém que eu sabia que tinha pouquíssimo de anjo. Fiquei a observando em silêncio por um momento que durou dois minutos. Parecia uma eternidade, porque eu estava olhando para ela e ela parecia a melhor coisa que eu já vira e eu queria que fosse uma eternidade. Mas foram só dois minutos e ela abriu um olho castanho amêndoa por baixo dos cachos e me encarou.

— Você está deslizando para um de seus humores pensativos outra vez. — disse.

Suspirei, porque apesar do que acabara de acontecer e apesar de eu simplesmente estar a contemplando, ela estava certa. Eu podia me ver flutuando até a nuvem de pensamentos turbulentos outra vez.

— Me tire dele. — pedi.

Ela se virou de lado e se aproximou de mim. Fiz o mesmo em sua direção.

— Não, eu acho que é uma coisa boa. — Ela disse, sorrindo — Precisamos falar sobre nossos sentimentos.

— Precisamos?

— Claro. Se não fizermos isso, isso aqui vai virar apenas sexo sem significado e eu não quero isso.

— Certo. — Eu disse, tentando não rir. — Como você se sente sobre mim?

Ela agiu como se não esperasse a pergunta.

— Você sabe como eu me sinto sobre você e eu sei como você se sente sobre mim.

Curinga (2015)Where stories live. Discover now