Cece Blue

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Essa história começa em uma manhã quente do segundo mês da colheita, quando a Sra. Rostings, diretora do Orfanato de Farlagos, se preparava para fazer as compras matinais de legumes e frutas. Ao abrir a porta da frente, ela deu de cara com uma menininha que dormia encolhida contra a soleira.

Era uma garotinha de não mais que dois anos de idade, a pele muito branca, os cabelos surpreendentemente azuis. Ela parecia exausta. Estava muito magra e suja. Em seu pequeno pulso havia uma pulseira dourada, onde estava gravado:

C. C. 21-3P-821 p.u.

Embora seja uma cidade grande, Farlagos possui apenas um orfanato, porque é realmente raro que os pais se desfaçam de seus filhos. O próprio orfanato tem pouquíssimas crianças, a maioria das quais perderam a família e acabaram sem opções além da instituição.

Mesmo essas crianças não costumam passar muito tempo no lugar: assim que algum parente fica sabendo de sua condição, se apressa em ir busca-la.

Mas ninguém foi buscar a garota. Com o passar dos anos, a Sra. Rostings concluiu que ninguém viria por ela. Como não sabiam seu nome verdadeiro, todas as cuidadoras a chamavam pelas iniciais C. C., que logo virou Cece.

Finalmente, após quatro anos de espera, a Sra. Rostings decidiu registrar a menina como Cece. Escolheu o sobrenome Blue devido à incomum cor de seus cabelos e olhos. Foi então que Cece Blue, nascida no vigésimo primeiro dia do terceiro mês do plantio do ano 821 pós-unificação, passou a existir.

O Futuro de Cece parecia claro. A Sra. Rostings, resignada em criar a menina, decidira treiná-la para cuidadora. Assim que Cece chegasse à maioridade, começaria a trabalhar oficialmente no orfanato.

Porém aconteceu de os Stormfields, uma das mais importantes (e ricas) famílias do reino, ouvirem falar sobre a pobre garota abandonada, e, como tinham recursos de sobra, decidiram adotá-la. Esse ato de generosidade poderia ser um ótimo assunto para discutir na alta sociedade e nos salões reais. Além do mais o casal tinha quatro filhos homens, e a Sra. Stormfield ansiava por uma garotinha a quem pudesse mimar.

Tendo decidido pela adoção, encaminharam-se ao orfanato da cidade, seguidos por repórteres alvoroçados, onde encontraram uma linda garotinha de oito anos, a pele muito branca, olhos azul meia-noite e cabelos da mesma cor. Decidiram na hora manter o sobrenome Blue.

Cece era então muito tímida e desconfiada. Ela sabia da raridade de sua situação, e sentia-se muito magoada por ter sido abandonada. Depois de passar seis anos no orfanato, sem que ninguém fosse busca-la, como às outras crianças, começou a desconfiar de que havia algo de muito errado com ela.

No entanto, não pode deixar de ficar feliz quando a Sra. Stormfield ajoelhou-se diante dela para lhe dizer que ela e o Sr. Stormfield seriam seus pais.

Quando todos os papéis foram assinados, todas as fotos para o jornal tiradas e todas as entrevistas dadas (o que levou um tempo considerável), o casal finalmente a levou para sua nova casa. Cece descobriu então que passaria a ter quatro irmãos: Frederick, Trevor, Jonathan e Leward.

Frederick, o mais velho, tinha onze anos. Ele era alto e esguio, tinha cabelos muito negros e uma expressão meio desdenhosa ao encarar a nova irmã. Trevor era apenas três meses mais velho do que Cece. Muito alegre e bem-humorado, tinha os cabelos louro-avermelhados da mãe e era muito sardento. Mostrou um grande interesse na irmã, a quem encarava como um novo brinquedo. Jonathan tinha quatro anos, era muito curioso e chorão. Tinha grandes bochechas e cabelos negros ondulados. Leward ainda era um bebê de colo, e herdara os olhos do pai.

O jantar foi servido. Cece se sentia tonta. O dia inteiro passara como um borrão, como se estivesse assistindo a vida de outra pessoa pela janela de um carro. Falava apenas para responder perguntas diretas a ela, e mal notava o que estava comendo. Mais tarde ela lembraria muito pouco daquele dia.

Depois de conhecer seus irmãos e jantar com a nova família, o Sr. e a Sra. Stormfield a levaram para o seu novo quarto, que não parecia em nada com o que ela tinha no orfanato.

O quarto era enorme. Havia uma cama de dossel, uma escrivaninha e uma penteadeira. Um guarda-roupa ocupava quase toda a parede direita. Ao lado do guarda-roupa, uma porta dava para um banheiro.

Havia ainda uma grande janela e, em seu côncavo, um banco acolchoado. Um tapete fofo cobria boa parte do chão.

Sua nova mãe a ajudou a desfazer as malas, mas suas roupas eram tão poucas que mal ocupavam espaço no guarda-roupa gigante. A Sra. Stormfield declarou que iriam à cidade na manhã seguinte fazer algumas compras.

Depois de se certificarem de que Cece estava bem instalada e confortavelmente deitada, o Sr. e Sra. Stormfield abraçaram sua nova filha e lhe deram um beijo de boa noite. Depois, lhe pediram que tentasse dormir, pois o dia seguinte seria cheio. Em seguida se retiraram do quarto, fechando a porta.

Assim que a porta se fechou, Cece se levantou e foi até a janela. Sentou-se no banco e ficou admirando os jardins da mansão.

Flashes dos acontecimentos do dia lampejavam em sua cabeça: ela sentada na escadaria do orfanato, o Sr. e a Sra. Stormfield lhe dizendo que seriam seus novos pais, repórteres e fotógrafos gritando perguntas, batendo fotos... ela sentada à mesa com sua nova família.

Sentia-se muito confusa. Não entendia ainda como sua vida poderia mudar tanto tão de repente. Ela não lembrava de ter tido uma família, e não sabia como ser parte de uma. No orfanato nunca a trataram mal, mas as cuidadoras não demonstravam afeição às crianças para não dificultar sua saída. A Sra. Rostings sempre deixara claro que não existiam laços entre elas, além daqueles do dever de cuidar de sua saúde e educação.

E agora um casal queria que ela fosse sua filha! O que essas pessoas esperavam dela? Será que a devolveriam ao orfanato quando descobrissem como ela era horrível, a ponto de ser abandonada por toda a sua família verdadeira?

Cece permaneceu ainda algum tempo acordada com esses pensamentos perturbadores. Não sei quanto tempo ela ficou olhando as estrelas antes de cair no sono com a cabeça apoiada no parapeito da janela.

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