Águas passadas

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-Tommy! Acorda, temos coisas a fazer! –Gritou Randy, enquanto penteava seus longos cabelos marrons avermelhados.

Tommy abriu os olhos sonolentos e bocejou, rastejando para fora das cobertas. Seu cabelo castanho claro todo bagunçado cobria parte dos seus grandes olhos azuis e sua camiseta branca estava toda amaçada. Ele se levantou e colocou seus pequenos pés sobre o chão de madeira fria, esfregando os olhos e espreguiçando.

-Bom dia –Ele disse com a voz sonolenta e calma

A luz do sol da manhã entrava pela pequena janela do lado do quarto dos irmãos Faltwood, o outro lado era escuro, e uma grossa cortina cobria a janela daquele lado. Uma cama vazia e bagunçada, com alguns cobertores dobrados ficava do lado oposto da cama de Randy e Tommy. O antigo colega de quarto deles tinha acabado de ser adotado, então o lugar ficou vazio e escuro, como os dois já haviam visto várias vezes. Randy e Tommy já estavam ali a cinco anos, já haviam visto várias crianças órfãs que iam e voltavam, mas eles nunca saíram dali. Dias e noites se passavam e novas crianças chegavam com histórias trágicas, enquanto as antigas iam com os abraços dos novos pais e um grande sorriso no rosto, e esse era um dos sabores dos quais eles nunca haviam e nem iriam provar.

Randy e Tommy moravam no orfanato Rainbow Smile da pequena cidade de Little Tree, uma cidade afastada das outras, cheia de gente velha e historias alucinantes. O pequeno orfanato que os dois moravam ficava ao lado da grande floresta DevilWood, conhecida assim por ser amaldiçoada. Os habitantes de lá acreditavam fielmente na maldição, pois todos que se aventuravam dentre suas sombras nunca mais eram vistos.

O orfanato em que viviam era produtor de roupas de inverno, pois a cidade era muito fria, e os moradores precisavam de roupas e o orfanato precisava de dinheiro, era um ótimo negócio para o dono do lugar, mas péssimo para as crianças. Para viverem ali, precisavam trabalhar todos os dias, sem parar e apenas descansar durante anoite.

Apesar da vida complicada, Randy e Tommy tinham um ao outro. Eles não interagiam com outras crianças, ficavam apenas entre si, sempre solitários. Randy nunca se deu bem com ninguém, por causa de suas cicatrizes as outras crianças tinham medo dela, então Randy resolveu aceitar isso, e se afastar dos outros moradores do orfanato. Já Tommy sempre foi muito tímido, nunca soube brincar de bola ou pique-pega com os outros meninos. Tommy tinha um corpo frágil e sensível, ele não conseguia acompanhar as outras crianças durante os intervalos, então, assim como Randy, ele resolveu se afastar. Assim, os dois passaram todos aqueles anos frios de infância, mas sempre com o amor um do outro.

Randy se culpava por não poder dar ao seu irmão uma vida melhor, ela nunca disse isso a ele, mas passava noites pensando nisso. Várias vezes, homens e mulheres, tiveram interesse em dar um lar a Tommy, mas ele nunca aceitou partir sem sua irmã, apesar de ser dolorido, Randy nunca conseguiu convence-lo. Nunca tiveram interesse em adotar Randy, talvez por ser mais velha, ou talvez pelas cicatrizes por todo seu rosto, ela nunca soube ao certo. Anos se passavam e os dois continuavam ali, juntos, sozinhos contra o mundo.

Agora, de mãos dadas, após se arrumaram, eles caminhavam em meio a outras crianças em direção ao refeitório. De cabeça baixa e corpos magros, os dois com seus pés descalços, desciam as escadas. Eles passam por um mar de palavras jogadas ao vento, murmúrios e risos de várias crianças, em total silencio, sem um sorriso no rosto ou algo do tipo.

Randy e Tommy se sentam em uma das mesas do refeitório, sozinhos. Ela olha nos olhos do seu irmão e então abre um sorriso e inicia uma conversa criativa, para focar o olhar perdido e melancólico de Tommy para piadas bobas e ingênuas. Randy, apesar de nova, conhecia a dor que o mundo poderia causar a seu irmão, então ela fazia de tudo para vê-lo sorrir. Ela não era a melhor nisso, mas esse era o único motivo pelo qual ela se mantinha forte, para um dia, dar ao seu irmão tudo que ele merecia. Um sorriso, uma casa, e quem sabe um sorvete.

Entre garras e dentesWhere stories live. Discover now