Outono

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As folhas caíam uma após a outra, levando ao chão, junto de si, toda a amargura que as sobrecarregavam. Nenhuma resistiria para sempre a tanta euforia, excitação, frieza, amargura, misto de sentimentos que traduziam-se nas estações do ano. Chegou a época de desprender-se, beijar o chão, reconhecer sua insignificância e aguardar por uma nova época de alegria e rejuvenescimento. Há um luto pelo qual passar antes de se reerguer. Esse é o ciclo. Não há fim, nem início, apenas uma repetição incessante de bons e maus momentos.

Tínhamos a vida dos sonhos. Eu e Sara. Ela sempre fora melhor. Mais racional, mais sentimental, melhor observadora. Era minha amante, tutora. Foi difícil engolir o orgulho masculino de ser tão superado por ela. O ego intrínseco do homem de ser melhor que a mulher. Bastou reconhecer que ela não era melhor em alguma coisa, mas em tudo, para me livrar do peso da provação e entender que estar comigo era o seu desejo. Algo que ela enxergava, somente ela, na minha fútil pessoa.

Era outono e as folhas caíam. No quintal da nossa casa, a piscina estava coberta delas. Um crepúsculo que se aproximava, carregado de nuvens negras, trazendo consigo o prelúdio de uma noite tempestuosa.

Vamos contextualizar a nossa realidade. Sara era uma exímia matemática - a minha calculadora humana. Nos conhecemos no Instituto Federal, prolíficos na mesma área: amamos a neurociência. As coisas aconteceram muito rápido, e quando não? Namoramos alguns anos na universidade, nos formamos - ela antes, afinal, em alguma cadeira eu iria reprovar - e então seguimos juntos para a sonhada vida de casal. Olha, posso dizer seguramente que nunca tivemos discordância. Vivíamos um amor adolescente mesmo anos após nos conhecermos. Mesmo anos após morarmos juntos. Parecíamos um casal perfeito, não é?

Voltemos para a noite em questão. Estávamos jantando, um de frente para o outro, bebendo um delicioso Cabernet Sauvignon. As luzes da casa estavam acesas em perfeita sintonia, proporcionando uma visão perfeita das curvas do seu rosto - e a lembrança de que eu havia acertado em cheio, misturado com a dúvida se era merecedor disso tudo. O nariz de Sara começou a sangrar. Tinha que ser no outono.

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⏰ Last updated: Dec 21, 2021 ⏰

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